Glaucoma é um grupo de doenças que atingem o nervo óptico, estrutura responsável por levar até o cérebro a informação visual captada pelos olhos. Os diferentes tipos de glaucoma podem causar perda de visão e cegueira, e o tratamento costuma ser feito a partir do uso de colírios. Existem, também, opções cirúrgicas e, recentemente, o Rio Grande do Sul adicionou mais uma alternativa ao catálogo.
Com a ajuda da tecnologia, as opções de tratamento de glaucoma, que afeta milhões de pessoas, avançaram. Entre as inovações recentes, estão as cirurgias de glaucoma minimamente invasivas, conhecidas pela sigla migs, que chegaram no Brasil há pouco mais de cinco anos. No dia 17 de outubro, uma cirurgia com Kahook Dual Blade (KDB), uma das tecnologias minimamente invasivas, foi realizada no Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre, administrado pelo Grupo São Pietro Hospitais e Clínicas. Esta foi uma das primeiras vezes que o procedimento foi realizado no Estado.
— O KDB já era realizado em outros Estados, como São Paulo e Minas Gerais. Está chegando no Rio Grande do Sul agora, e é muito bom porque nos dá uma nova opção de tratamento, que podemos oferecer aos pacientes — afirma o oftalmologista responsável pelo procedimento realizado na última semana, Lucas Borges Fortes.
A cirurgia é feita com o KDB, um dispositivo cirúrgico desenvolvido para a realização de procedimentos como a goniotomia ou trabeculotomia. A partir de uma pequena incisão na malha trabecular, tecido que atua como espécie de filtro no olho, localizado entre a córnea e a íris, as cirurgias buscam desbloquear o canal de drenagem do olho e, consequentemente, diminuir a pressão intraocular (PIO). O KDB garante a agilidade do procedimento, além de proporcionar uma cirurgia menos invasiva e com menor dano estrutural ocular.
Indicada para pacientes com glaucomas de ângulo aberto leve a moderado, ou glaucoma crônico simples, leves a moderados, o KDB pode ajudar o paciente ao diminuir a quantidade e a frequência do uso de colírios.
— Os médicos especialistas em glaucoma, que já realizam outras migs, não vão ter dificuldade em realizar esse procedimento. E a aceitação dos pacientes é superboa, porque é mais barato, menos invasivo e com um bom resultado — defende Borges Fortes.
No Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre, o procedimento está disponível apenas por convênio ou particular.
Outras alternativas
Recomendado para quase todos os casos de glaucoma, os colírios são a opção de tratamento mais comum. A doença é causada por uma deficiência na drenagem do humor aquoso, um líquido transparente produzido pelo corpo ciliar que é responsável por nutrir a córnea e o cristalino e por regular a pressão interna do olho, a PIO. Sendo assim, os colírios atuam ajudando a diminuir a PIO e melhorando a drenagem do humor aquoso — justamente o que a técnica inovadora também faz, porém com vantagens.
— Dependendo do caso do paciente, é receitado mais de um colírio. Porque existem medicamentos para diminuir a pressão e outros para aumentar a drenagem. A maioria dos pacientes consegue um controle bom apenas com o uso de colírio, mas tem uma série de dificuldades: é custoso, é um tratamento contínuo e, às vezes, o paciente tem dificuldade para pingar corretamente o medicamento, afetando a eficácia — explica o chefe do Serviço de Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Alexandre Marcon.
Outra alternativa sugerida para pacientes com glaucoma é a trabeculoplastia seletiva a laser (SLT, na sigla em inglês), que pode oferecer efeitos parecidos com os do colírio, e é considerada rápida e indolor. Ainda, há outras duas opções de migs que podem ser exploradas. A definição do tratamento, seja colírio, laser ou migs, é feita pelo médico, com base em uma série de critérios, como o tipo de glaucoma e o estágio da doença.
— As migs são recomendadas para pacientes com glaucoma leve a moderado que vão fazer cirurgia para a catarata, aí os dois procedimentos são feitos na mesma ocasião, ou que já fizeram a operação para catarata — explica o oftalmologista especialista em glaucoma Eduardo Longhi Bordin.
O glaucoma e a catarata, lesão ocular que torna a visão opaca, não têm uma relação direta. De acordo com Bordin, as migs não podem ser realizadas em pacientes que não operaram ou não vão operar a catarata porque elas atuam próximas ao cristalino, uma lente do olho que torna a visão nítida, podendo causar algum dano.
Além do KDB, existem a Gatt (Gonioscopy Assisted Transluminal Trabeculotomy, em inglês), que é uma outra forma de trabeculotomia menos invasiva, e o iStent, um implante que facilita o fluxo do humor aquoso. As três opções têm o mesmo objetivo, que é reduzir o uso do colírio, mas são indicadas para casos diferentes.
— Para um quadro muito leve de glaucoma, as opções poderiam ser o SLT, KDB ou o iStent. Já para um quadro que exija uma redução maior da PIO, a Gatt é uma opção. Ela é um procedimento angular em que eu vou diretamente na malha trabecular, ou seja, no sistema de drenagem do olho. É mais invasivo do que os outros, mas tem um potencial de redução pressórica maior — defende Bordin.
Assim como a KDB, o iStent é uma opção disponível apenas para quem tem plano de saúde ou se disponibiliza a pagar o procedimento com o próprio dinheiro. Bordin explica que há uma tentativa de incluir a cirurgia na lista de tratamentos previstos no Sistema Único de Saúde (SUS), mas o alto custo ainda impede. Por outro lado, a Gatt é oferecida pelo SUS.
Diagnóstico e tipos de glaucoma
A gravidade da doença é medida pelo dano na estrutura do nervo óptico e pelo dano no campo de visão, com ajuda de ferramentas específicas. O glaucoma é considerado uma das maiores causas de cegueira no mundo, uma vez que a doença faz com que o paciente perca parte do campo de visão.
— O glaucoma vai afunilando a visão. Um paciente com glaucoma avançado consegue enxergar muito bem, mas é como se ele estivesse vendo através de um cano. Essa perda de visão é definitiva. Os colírios e cirurgias não devolvem o que já foi perdido, apenas barram a progressão da doença — acrescenta Marcon, da Santa Casa.
Os colírios e cirurgias não devolvem o que já foi perdido, apenas barram a progressão da doença.
ALEXANDRE MARCON
Chefe do Serviço de Oftalmologia da Santa Casa de Porto Alegre
O glaucoma crônico simples, ou glaucoma de ângulo aberto, que pode ser solucionado com migs e colírios, costuma aparecer em pessoas a partir dos 40 anos, uma vez que a idade é um fator de risco. O histórico familiar e graus altos de miopia também podem ser adicionados à lista de pré-disposições. Pessoas de etnia africana são mais propensas a ter glaucoma de ângulo aberto, enquanto pessoas de etnia asiática costumam ter mais glaucoma de ângulo fechado.
Há, ainda, outros tipos de glaucoma, como o juvenil, que aparece em pessoas mais jovens, e o glaucoma de ângulo fechado, que causa dor ocular, diminuição na visão, irritação, dores de cabeça e, até mesmo, náuseas. Esses, felizmente, são mais raros.
O diagnóstico é realizado pelo oftalmologista, que utiliza a observação e exames complementares com o objetivo de detectar e monitorar a progressão da doença. Alguns dos principais exames realizados são a tonometria, que mede a PIO, a paquimetria, que mede a espessura da córnea, a gonioscopia, que avalia o sistema de drenagem, e o exame do fundo do olho, que avalia o nervo óptico.
Prevenção
Diferentemente de outras doenças, que podem ser prevenidas com uma dieta balanceada e uma rotina de exercícios físicos, o glaucoma não conta com uma lista de boas práticas para evitar a perda de visão. Como o diagnóstico precoce é fundamental, a principal dica dos especialistas é fazer visitas frequentes ao oftalmologista, anualmente.
*Produção: Yasmim Girardi