"Para nós, aqueles três dias no hospital pareciam um ou dois anos". É assim que o motorista de ônibus Anderson Alex de Almeida, 37 anos, define a angustia da espera pela transferência da filha, Lívia, de 2 anos e 6 meses, para um hospital de maior complexidade. Em junho, ela foi internada no Hospital Dom João Becker, em Gravataí, na Região Metropolitana, após ter uma convulsão febril e, segundo o pai, não reagiu bem ao medicamento.
O agravamento do quadro exigiu a transferência para um hospital de maior complexidade, que se deu por meio do Gerint, o sistema de gerenciamento de internações hospitalares da Secretaria Estadual de Saúde (SES). Na época, Anderson acreditava que filha corria risco de vida e, por isso, a angústia aumentou na espera pela transferência. Hoje, após ser tratada no Hospital Santo Antônio, em Porto Alegre, ela está recuperada.
Entretanto, a percepção de demora no processo de transferência não é, nem de longe, uma exclusividade do pai de Lívia. Há quem espere por muito mais tempo, como a cabelereira Jaqueline da Rosa, de 31 anos. A avó, Osmilda Domingos da Silva, 77 anos, morreu em março, depois de ser internada com água no pulmão, em janeiro, no Hospital Santa Luzia, em Capão da Canoa, no Litoral Norte.
De acordo com a neta, a família foi informada de que no hospital da cidade não havia o equipamento necessário para o diagnóstico da origem desse problema de saúde. Osmilda morreu enquanto aguardava pela transferência.
— Só nos diziam que "é tudo no sistema", que não podiam fazer nada. Uma vez ela foi para o Gerint, e a gente entendeu que ela iria ser transferida, pegou até roupa para ela, coisas de higiene. Quando chegamos lá (no hospital) nos disseram que não havia nada e que ela não seria transferida — conta Jaqueline.
O que é o Gerint e como ele funciona?
O sistema de gerenciamento de internações hospitalares está vinculado ao Departamento de Regulação Estadual e a sua estrutura, de equipamento e pessoal, está abrigada entre outros prédios da SES no bairro Partenon, em Porto Alegre.
É nesse local que médicos reguladores recebem, por meio de um software, os pedidos de transferências — nos seis primeiros meses de 2023, foram mais de 144 mil solicitações, uma média de 800 por dia.
Para definir se um paciente é ou não movido para outra instituição, diversos fatores são considerados: risco de vida, doença, se o paciente vai resistir ao deslocamento e o tipo de estrutura disponível para diagnóstico e tratamento nos demais hospitais da região.
As decisões judiciais contra o Estado, como tinham Lívia e Osmilda, também são consideradas, mas, ao contrário do que muitos pensam, não são garantias de remoção imediata. A autoridade sanitária é o médico regulador, que trabalha com as informações repassadas e atualizadas pelo hospital de origem do paciente.
— A ordem judicial é um dos fatores de decisão em um processo regulatório de urgência. Ela tem peso, deve ser cumprida, mas, por óbvio, se tivermos pacientes piores ou em risco de vida ou crianças em risco de vida, a decisão do médico regulador, que, naquele momento é soberana como autoridade sanitária, vai prevalecer — explica o diretor do Departamento de Regulação Estadual, Eduardo Elsade.
Ainda conforme Elsade, pacientes em estado terminal deixam de ser prioridade de transferência. Entretanto, esse diagnóstico não parte do Gerint, mas do hospital onde o paciente está. A situação deve ser, sempre, conversada com a família antes.
Além disso, na hora de definir a urgência, a regulação considera o tempo para o início do tratamento. Ou seja, quanto menor o tempo para iniciar o tratamento e menos recursos a unidade solicitante dispor, maior urgência tem o caso. O tempo que o paciente está aguardando a transferência também é um dos critérios, conforme a SES.
Os municípios de Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas possuem gestão plena do sistema de internação. Nesses três casos, o Gerint não tem interferência direta no acesso dos pacientes aos leitos. No entanto, quando há moradores de fora dessas três cidades que precisam ser transferidos para Porto Alegre, Caxias do Sul e Canoas, o Gerint compartilha a solicitação com a equipe do sistema local que, por sua vez, procura uma vaga. O Gerint conta com 25 médicos reguladores e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.