Com o aumento do interesse pelo Ozempic, medicamento injetável para tratamento de diabetes tipo 2 que passou a ser utilizado para emagrecer, e a diminuição da disponibilidade do produto, uma possível alternativa natural começou a ganhar força na internet. A berberina, como é conhecida, é um fitofármaco que promete efeitos semelhantes à caneta injetável. O que preocupa especialistas é que o produto não é regulamentado e carece de estudos clínicos que comprovem a eficácia.
Alguns registros apontam que as folhas, o caule e as raízes de arbustos da espécie Berberis são usadas como plantas medicinais há mais de 2,5 mil anos. Essa espécie pode ser encontrada em diversos países, sendo mais comum em continentes como a Europa, a Ásia e a América do Norte. A berberina é um produto isolado das plantas dessa espécie.
— Ela não pode ser classificada como um fitoterápico porque esses são medicamentos à base de plantas. A berberina é isolada. Por ser pura, ela é considerada um fármaco de origem natural, também chamado de fitofármaco. A morfina, cafeína e pilocarpina são exemplos de fitofármacos — conceitua o farmacêutico e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Eduardo Luis Konrath.
Comparação com o Ozempic
O Ozempic, por outro lado, não é natural. Fabricado pela Novo Nordisk, da Dinamarca, o medicamento é originalmente usado como tratamento para diabetes tipo 2. Contudo, a caneta também pode ser utilizada off label para obesidade e perda de peso. Em um cenário de alta demanda e baixa oferta do fármaco, a berberina aparece como alternativa natural.
Konrath afirma que é perigoso comparar os dois medicamentos, um sintético e um natural. Isso faz com que as composições e as moléculas sejam diferentes, afetando diretamente nos mecanismos de ação, efeitos e eficácias de cada um. Para o emagrecimento, a atuação dos dois produtos não é parecida.
— A berberina atuaria reduzindo a glicose no sangue, o que resulta em mudanças hormonais que levam a perda de peso. Já o Ozempic age retardando o esvaziamento gástrico. Ou seja, o alimento demora mais tempo para sair do estômago, o que faz com que as pessoas apresentem saciedade por mais tempo e ingiram uma menor quantidade de calorias — explica a endocrinologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Janine Alessi.
Falta de estudos comprobatórios
Na internet, além do emagrecimento, diversos outros benefícios são atribuídos à berberina: controlar os níveis de açúcar no sangue, reduzir o colesterol, melhorar sintomas de depressão, contribuir para o bom funcionamento do intestino e diminuir a pressão arterial, entre outros. Poucos estudos, porém, já foram realizados sobre os efeitos da substância no organismo.
— Devemos desconfiar de tudo que é mágico e que tem muitas condições. Chamam isso de ações amplas, que cura desde dor de cabeça até câncer — pontua Konrath. — A berberina é muito testada. Consegui encontrar mais de sete mil estudos com ela em um banco de dados, mas são estudos muito preliminares — acrescenta.
Segundo o farmacêutico, estudos com células ou animais provam alguns dos benefícios prometidos. Isso significa que a substância tem um efeito preliminar comprovado. É necessário, porém, investigar mais e entender como o composto funciona nos seres humanos.
— Tem um gap entre uma coisa e outra e, por isso, precisa ter ensaios clínicos, que seguem critérios éticos e uma série de protocolos da área da saúde. Divulgar os efeitos preliminares é ruim porque as pessoas acreditam. Quando a pessoa encontra propagandas como essa, vai acreditar e adquirir o produto — afirma.
Sem regulamentação
Vendida em cápsulas com pó amarelo, a berberina é comumente encontrada em sites e lojas de produtos naturais. O fitofármaco, porém, não é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em nota enviada a GZH, o órgão ressaltou a necessidade de comprovação da segurança e eficácia do produto.
“Não há impedimento para que a berberina seja utilizada como insumo para a fabricação de medicamentos, desde que seja demonstrada a segurança, eficácia e qualidade do produto, e este passe por avaliação e aprovação da Anvisa. Contudo, ainda não houve solicitação por parte de qualquer empresa para o registro de produto contendo berberina como medicamento", escreveu.
— O fato de não estar registrado ou regulamentado significa que não vai ter indicação terapêutica aceita. Então, a pessoa vai consumir um produto que não vai passar por um acompanhamento médico — defende Konrath.
Riscos
A falta estudos comprobatórios impossibilitam a garantia de eficácia do produto. Ainda, por não ter passado pelas análises de composição e outros testes exigidos pela Anvisa, também é difícil afirmar se o produto encontrado na internet é puro ou se tem a adição de alguma outra substância. Essas questões influenciam a avaliação de riscos do produto.
— Parece contraintuitivo, mas o potencial de toxicidade de ervas e produtos naturais é conhecido há anos. Faltam estudos controlados que esclareçam os potenciais riscos associados. Mas as preocupações com a utilização da berberina são especialmente relacionadas ao potencial risco de toxicidade para o fígado e à possível interferência na metabolização de outros medicamentos, podendo resultar em quadros de intoxicação — explica Janine.
Qualquer medicamento que seja comercializado sem ter passado por uma avaliação séria de segurança e efetividade é potencialmente nocivo para a população.
JANINE ALESSI
Endocrinologista do Hospital São Lucas da PUCRS
A endocrinologista afirma que a adição de substâncias pode significar que o efeito em termos de perda de peso possa ser resultado desses compostos, e não apenas do efeito do fitofármaco. Ela relata que, nestes casos, é comum que diuréticos sejam adicionados à composição de medicamentos desse tipo. Então a perda de peso seria, na verdade, o resultado da redução de líquidos no corpo.
— Qualquer medicamento que seja comercializado sem ter passado por uma avaliação séria de segurança e efetividade é potencialmente nocivo para a população. Muitas vezes, o barato sai caro, porque coloca em risco a saúde de quem utiliza — conclui.
*Produção: Yasmim Girardi