Não é novidade que as canetas de aplicação subcutânea são usadas tanto para controlar a diabetes tipo 2 quanto para tratar a obesidade. Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a recomendar a liraglutida como tratamento auxiliar na perda de peso. Antes, a substância era indicada somente para melhorar a ação da insulina.
Em 2018, a Anvisa liberou exclusivamente para o controle da diabetes a semaglutida, considerada uma evolução da liraglutida, portanto mais potente. Aqui no Brasil, o medicamento disponível é o Ozempic, à venda nas farmácias sem necessidade de receita médica. Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) já liberou a semaglutida também para obesidade.
Enquanto a liraglutida é de aplicação diária, a semaglutida só se usa uma vez por semana, o que proporciona maior conforto aos pacientes, já que são menos injeções. A semaglutida também tem efeito maior na perda de peso, segundo já demonstraram alguns estudos confiáveis, garantem médicas endocrinologistas ouvidas por GZH. Por isso a expectativa em torno do Ozempic, apelidado de "caneta emagrecedora". Nesse caso, o uso é off label, ou seja, fora do que está prescrito na bula.
— Essa caneta de aplicação semanal, em comparação às outras que já existem no mercado e que são de uso diário, está associada a uma taxa maior de perda de peso. Já tem estudos mostrando que os pacientes que usaram perderam em torno de 15% do peso no período de um ano. Nos Estados Unidos, a semaglutida já é liberada para obesidade. Aqui no Brasil, somente para diabetes tipo 2. Mas já há estudos robustos mostrando benefícios e segurança para o tratamento da obesidade. Mas é off label, fora da bula — reforça a médica Carolina Leães Rech, chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Porto Alegre e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Ozempic é uma medicação que faz parte dos medicamentos análogos ao GLP-1, substância produzida pelo corpo humano e considerada o que há de mais moderno tanto para tratar a diabetes quanto a obesidade. Segundo a médica endocrinologista Melissa Barcellos Azevedo, do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, esse remédio é indicado nos Estados Unidos para a diabetes. Para a obesidade, foi criada uma nova medicação, com dosagem maior de semaglutida, batizada de Wegovy.
— O Ozempic é uma semaglutida com até 1,4 miligramas. Mas a dosagem para tratar a obesidade é maior do que para tratar diabetes. Por isso, no ano que vem, será lançada a semaglutida até 2,4 miligramas. Essa nova medicação, chamada Wegovy, com semaglutida de até 2,4 miligramas, já foi para a aprovação na Anvisa, e já está liberada nos Estados Unidos e na Europa — diz Melissa.
É importante ressaltar que quando um médico no Brasil indica a semaglutida para tratar obesidade, ele precisa deixar claro ao paciente que essa recomendação é fora do que está previsto na bula.
— Tudo o que é off label deve ser bem explicado ao paciente. O médico precisa discutir os prós e os contras e mostrar o que está nos estudos. Não se recomenda o uso de medicação off label se não há estudos robustos mostrando os efeitos benéficos. No caso do Ozempic, há estudos controlados, mas o paciente precisa estar muito bem informado e concordar com seu uso dessa forma — reforça Carolina.
Uso da caneta
A caneta com semaglutida tem uma agulha pequena e costuma ser aplicada na barriga, mas também pode ser injetada em outros locais do corpo, como no braço. Quando as doses terminam, descarta-se. A média de duração de cada caneta é de um mês, e seu custo é de cerca de R$ 1 mil. Já as canetas de uso diário, contendo liraglutida, costumam sair pela metade do preço.
Segundo a médica endocrinologista Carolina Leães Rech, a semaglutida, além de liberar substâncias que reduzem a glicose, provoca maior sensação de saciedade. Outra vantagem é que reduz o risco de problemas cardiovasculares.
— A semaglutida tem efeito de retardo do esvaziamento gástrico, ou seja, reduz a velocidade do esvaziamento gástrico, promovendo saciedade maior. O paciente se sente com o estômago cheio por mais tempo, e isso contribui para a redução do peso. Mas essa classe de medicação tem sido muito usada em pacientes com diabetes porque demonstrou benefício no risco cardiovascular, reduzindo as chances de infarto e derrame — explica.
Os piores efeitos adversos estão relacionados a problemas gastrointestinais, como náuseas, vômitos, desconforto abdominal e constipação.
— Porque o medicamento segura o alimento, evitando que ele seja eliminado tão rápido, há maior dificuldade para os pacientes evacuarem — descreve Carolina.
A médica endocrinologista Melissa Barcellos Azevedo observa que o principal fator de diabetes é a obesidade. Portanto, para diminuir a incidência da doença, é necessário estar atento ao ganho de peso.
— A obesidade causa vários danos ao organismo, impedindo a circulação de hormônios como a insulina. Os pacientes que têm obesidade têm resistência insulínica, ou seja, a insulina simplesmente não funciona adequadamente na circulação. Até é produzida, mas quando chega na circulação não consegue agir, porque a quantidade de gordura altera todo o metabolismo. Não adianta dizer que a diabetes terá cura se não tratarmos a obesidade — diz.
Mas nenhum tratamento para obesidade é focado somente em uma medicação, ressaltam as especialistas. É fundamental uma reformulação no estilo de vida, investindo na alimentação saudável e na prática diária de exercícios físicos.
— É importante reforçar que a base do tratamento da obesidade é a mudança no estilo de vida. Todos os estudos que mostram os efeitos da semaglutida na redução do peso fizeram associação com a alimentação e com as atividades físicas — diz Carolina.