Um implante de última geração realizado pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é uma alternativa para pessoas com insuficiência cardíaca avançada que não estão aptas ou não podem esperar por um transplante de coração.
O aparelho, chamado de “HeartMate 3”, foi instalado com sucesso em um homem de 67 anos em março deste ano. O HCPA é a única unidade no Estado com equipe capacitada para a cirurgia de implantação da tecnologia e para o acompanhamento do paciente após a alta.
Na prática, o HeartMate 3 funciona como uma “bomba de suporte circulatório” que vai ajudar o coração a impulsionar o sangue, explica a enfermeira Dayanna Lemos, coordenadora de dispositivos de suporte circulatório do HCPA. O aparelho é composto pela “bomba”, que fica no coração, e por um controlador do tamanho de um celular, fora do corpo. Ambos são conectados por meio de um cabo inserido na barriga. Assim, a vida do paciente fica atrelada a um dispositivo externo dependente de uma fonte de energia.
—A única incisão que fica depois da cirurgia é uma saída no abdômen do paciente, um cabo da “bomba” que desce por dentro do tórax e vai se comunicar com essa parte externa. Isso exige uma série de cuidados e curativos para evitar infecções — explica.
De acordo com Dayanna, o homem que recebeu o dispositivo em março já faz caminhadas e sobe escadas, atividades que não conseguia antes devido à insuficiência cardíaca avançada. Além de prolongar a sobrevivência, o aparelho também é capaz de tornar os pacientes mais ativos e independentes.
Sobrevida de cinco anos
O implante do HeartMate 3 é indicado para pacientes que não estão em condições de receber um transplante de coração, como alguns idosos. De acordo com estudos clínicos, a sobrevida de pacientes com insuficiência cardíaca grave após a implantação do aparelho foi de cerca de cinco anos, na média.
Em alguns casos menos frequentes, o uso do dispositivo pode até auxiliar o órgão a melhorar a ponto do paciente poder deixar de usá-lo, a chamada “recuperação miocárdica”, explica a médica cardiologista Lívia Goldraich, coordenadora do Programa de Transplante Cardíaco do Serviço de Cardiologia do HCPA.
— Nos mais idosos, por volta dos 70 anos, às vezes, o transplante vira um risco alto, seja pela cirurgia ou pelas complicações da imunossupressão, então nem sempre é a melhor alternativa. Dispositivos como o HeartMate, essencialmente o único disponível em grande escala e com resultados muito superiores aos outros, são uma alternativa para que o paciente aumente a sobrevida com qualidade de vida — afirma Lívia.
A médica cardiologista explica que, para se prevenir a formação de coágulos sanguíneos dentro da bomba, o que pode levar a tromboses e acidentes vasculares, pacientes precisam realizar o uso contínuo de anticoagulantes, classe de remédios que “afina” o sangue.
Com isso, além das chances de infecções por conta dos cabos do aparelho que atravessam o corpo, o paciente convive com o risco de hemorragias e sangramentos.
Nem pelo SUS, nem pelo plano
O aparelho ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) e não consta no rol de tratamentos aprovados para cobertura de planos privados. Hoje, o HeartMate 3 custa ao menos R$ 800 mil – os pacientes gaúchos que já receberam versões anteriores do implante (como o HeartMate 2) o fizeram por meio de uma parceria filantrópica com o Hospital Sírio-Libanês, mediada pelo HCPA.
O paciente de 67 anos, que fez o procedimento em março, implantou o dispositivo porque ganhou pela via judicial. O plano privado de saúde do paciente foi processado e teve de pagar pela terapia. Na avaliação de Dayanna, a terapia deveria ser incorporada ao SUS.
— Embora seja caro, ela “desospitaliza” o paciente. Um cardiopata que precisa, muitas vezes, passar meses no hospital ganha condições de ir para casa com o dispositivo — diz a enfermeira.
Hoje, o implante costuma ser feito em cirurgias semelhantes aos próprios transplantes de coração, realizados em quantidade insuficiente para a demanda no país. São cerca de 300 ao ano, enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, são mais de 3 mil, revela Lívia. Segundo ela, por lá, a quantidade de implantes de HeartMate já é semelhante a de transplantes.
— Para pôr o aparelho, é preciso uma cirurgia cardíaca da magnitude de um transplante, que é, de certa forma, muito parecida com a de ponte de safena, troca de válvula, com a diferença que os pacientes que costumam usar o dispositivo são mais graves. Os que transplantam costumam ser mais jovens — explica a médica cardiologista.