Uma mudança nos preços pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais mudou a rotina de hospitais pelo país. E um procedimento bastante comum e que, normalmente, era rápido, tem demorado muito mais para ser feito.
Trata-se da implantação ou troca de marca-passo. O equipamento é usado em quem tem o ritmo cardíaco com frequência, em média, de 30 batimentos por minuto, ajudando a aumentá-la para 70/80 batimentos por minuto.
Desde dezembro de 2021, ao menos, portarias do Ministério da Saúde têm reduzido os valores repassados pela União para a chamada tabela das OPMES (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) da área cardíaca e até de outros setores da Saúde.
Em setembro do ano passado, reportagem do portal GZH mostrou que o valor pago por um cardio desfibrilador, por exemplo, passou de R$ 51 mil para R$ 17 mil. Por um marca-passo, um dos dispositivos mais utilizados em procedimentos no país, o SUS estava repassando cerca de R$ 2.850, enquanto os fabricantes vendem na faixa dos R$ 5 mil.
Com isso, fornecedores estariam se negando a vender pelos valores da nova tabela, e instituições atendendo somente casos de urgência e emergência.
E o problema segue em 2023. No Instituto de Cardiologia, por exemplo, pacientes podem esperar mais de um mês internados para colocar marca-passos definitivos. Durante esse tempo, é usado um equipamento externo, provisório, o que limita bastante a mobilidade do paciente.
Foi o que aconteceu Enedina Alves de Jesus, 75 anos, moradora da Zona Norte de Porto Alegre. Ela ficou 25 dias esperando para colocar o marca-passo. Nesse período, ficou com o marca-passo provisório. A família de Enedia conta que quando fez a cirurgia, ela não conseguia nem ficar de pé depois do procecimento, em razão do extenso tempo que estava imóvel.
Hospitais enfrentam dificuldades
Cardiologista da instituição, Miriana Gomes afirma que existe uma dificuldade em todos hospitais que atendem SUS para fazer procedimentos como colocação de marca-passos, ressincronizadores, desfibriladores e também angioplastias.
O valor que o SUS paga por esses aparelhos não é suficiente para cobrir sequer o equipamento, quiçá o valor da cirurgia, anestesia, do próprio médico que opera, além de outros procedimentos envolvidos no processo, explica a médica.
Com isso, o hospital tem dificuldade de negociar com os fornecedores. O Instituto de Cardiologia é responsável por cerca de 60% dos atendimentos cardiológicos de Porto Alegre e recebe pacientes de todo o Rio Grande do Sul, realizando cerca de 11 mil cirurgias de colocação de stents anualmente.
— Os pacientes têm sim aguardado durante muito tempo dentro do hospital para conseguir colocar ou trocar um aparelho — conta Miriana.
A cardiologista explica que quando a pessoa tem um marca-passo, a cada seis meses é feita uma avaliação para saber como está o funcionamento e a bateria do item. Normalmente, a vida útil destes equipamentos é de oito a 10 anos, com a troca sendo feita com alguns meses de antecedência ao fim do prazo.
Espera causa angustia em pacientes
Segundo Miriana, "quando o paciente está nos últimos quatro ou três meses de bateria, é indicada a troca". Só que com a dificuldade de conseguir o equipamento, esses pacientes aguardam mais tempo, alguns internados, nos casos mais graves, ou em casa:
— Nem todos são 100% dependentes do aparelho, mas todos ficam em monitoramento. Frequentemente, um médico vai avaliando como está a bateria. E aí, em caso de alguma intercorrência, ele pode ser levado para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e receber um marca-passo provisório, que é um pouco desconfortável, até conseguirmos o aparelho definitivo.
Até a metade de março, 99 pacientes aguardavam no Cardiologia para a realização de cirurgias de ajuste no marca-passo e de cardio desfibrilador implantável (CDI). Deste total, 33 pacientes estavam internados e 66 eram considerados ambulatoriais — estavam em casa, mas seguiam sendo acompanhados pelos médicos. Miriana garante que não houve nenhuma intercorrência grave com pacientes neste período, seja na espera por marca-passos ou por desfibriladores e ressincronizadores.
Ministério cita responsabilidade de outros entes
Procurado pelo Diário Gaúcho, o Ministério da Saúde enviou nota sobre o tema. Segundo a pasta, os valores explicitados na tabela OPMES "correspondem somente a uma parte dos recursos federais, os quais provêm do orçamento da seguridade social" e que "os recursos destinados às ações e serviços de saúde de média e alta complexidade não são exclusivamente aqueles provenientes do pagamento pelos procedimentos elencados na tabela".
O ministério reforça que "esses valores compõem apenas a parte direta dos recursos públicos federais destinados", explicando que "a tabela do SUS serve apenas como parâmetro, e não constitui a principal nem a única forma de financiamento do sistema". Com isso, a pasta federal diz que "os valores da tabela seriam referenciais mínimos (piso), podendo os gestores estaduais e municipais complementarem os valores segundo suas prioridades locais ou regionais".
Estado não tem previsão orçamentária
Questionada sobre a resposta do Ministério da Saúde, a Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) afirmou que têm procurado fornecedores com custo de produção menos para itens da tabela OPMEs. Visando, futuramente, "a abertura de um processo de compra em maior quantidade e a um preço menor". Porém, a pasta explica, em nota, "que não há previsão orçamentária do Estado para OPMES" atualmente.
Na Capital, SMS ajuda com parte do valor
Em relação à Capital, a Secretaria Municipal de Saúde disse, em nota, que "preocupada em reduzir a fila de espera e com o possível agravamento do quadro de pacientes que aguardam atendimentos e procedimentos, está repassando recursos próprios para completar o valor da tabela SUS para órteses, próteses e materiais especiais da área cardíaca".
Conforme a SMS, "os valores são repassados para três prestadores de serviços, que já possuem contrato direto com o município, mediante a execução do serviço".
E informou que foram destinados recentemente R$ 600 mil para cobrir a diferença do valor repassado pelo Ministério da Saúde e o cobrado pelos fornecedores dos equipamentos. Neste caso, os valores são destinados para pacientes que moram na Capital.