Pouco mais de três anos depois do início da pandemia, o Brasil superou as 700 mil mortes decorrentes da covid-19, de acordo com a última atualização dos dados oficiais do Ministério da Saúde nesta terça-feira (28). A marca foi atingida mais de um ano depois dos 650 mil, registrados em 2 de março de 2022. Este é o maior intervalo entre um número fechado e outro, desde o início da crise sanitária — desaceleração que está relacionada ao avanço da vacinação no país, apontam especialistas.
No total, são 700.239 óbitos acumulados, entre mais de 37 milhões de contaminações no Brasil, o que coloca o país como o segundo com maior índice de vítimas fatais no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que contabiliza mais de 1 milhão de mortes. Entre os óbitos em território brasileiro, 41.961 foram no Rio Grande do Sul, conforme mostra o painel de monitoramento do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Os números consolidados do MS ainda serão divulgados.
O primeiro óbito por coronavírus no Brasil foi registrado em 12 de março de 2020. Quase cinco meses depois, o país atingiu a marca de 100 mil mortos. Outros cinco meses se passaram até a chegar às 200 mil vítimas fatais.
A partir disso, a pandemia entrou em sua pior fase e a quantidade de mortos passou a aumentar rapidamente: dois meses e meio depois da última marca, em março de 2021, o Brasil ultrapassou os 300 mil. Após pouco mais de um mês, registrou as 400 mil vítimas e, em menos de dois meses, chegou a 500 mil. Os 600 mil foram superados menos de quatro meses depois, em 8 de outubro de 2021 — mais de um ano e cinco meses separam este número dos 700 mil, ultrapassados nesta terça-feira.
O infectologista José David Urbaez Brito, que é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), salienta que este número de mortes representa uma marca muito dolorosa para a sociedade brasileira e que é um dos motivos para lembrar como a pandemia foi mal conduzida, fundamentalmente pelo governo federal.
— Foi uma desastrosa e irresponsável gestão de uma situação catastrófica, que, com os recursos que dispomos, poderia ter tido outro desfecho. Somos 2,5% da população mundial e tivemos perto de 11% de todos os óbitos causados pela covid-19. E vemos isso caindo no esquecimento, mas acho que é algo que deve ficar vivo, porque foi uma barbárie — lamenta.
Para Alessandro Pasqualotto, chefe do Setor de Infectologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, também é lamentável que o Brasil tenha chegado a este número, que considera assustador. O especialista destaca que a quantidade de óbitos é um reflexo do enfrentamento a uma doença desconhecida, para qual inicialmente não se tinha vacinas, e do atraso da mobilização de políticas públicas para a contenção da pandemia. Entretanto, aponta que o cenário agora é muito favorável:
— Desde que as vacinas chegaram, elas reduziram drasticamente os números de novos casos, de hospitalizações e de mortes por covid. Hoje, vivemos com uma doença que é muito branda nas pessoas vacinadas, muito próxima a uma gripe comum. E, embora mais recentemente tenhamos tido um aumento nos casos na população, isso não resultou em um aumento de mortes ou de hospitalizações.
Brito concorda que a campanha de vacinação teve um efeito poderoso, permitindo que muitas pessoas sobrevivessem, e acrescenta que também há um enorme percentual de indivíduos que já tiveram contato com o vírus e, portanto, já “treinaram” seu sistema imunológico, obtendo uma “imunidade natural” advinda da infecção.
— Com essas duas forças tão potentes funcionando, é claro que vamos ter um outro cenário. Não vamos ter um cenário de bilhões de pessoas ainda passíveis de desenvolverem a doença pela primeira vez e, por consequência, de evoluírem para quadros graves e óbitos. Então, trabalhamos com uma estabilização de novos casos — comenta o consultor da SBI.
Convivência com a doença
Diante deste cenário, Pasqualotto acredita que seguiremos convivendo com a doença, mas espera que as campanhas de vacinação daqui para frente possam efetivamente reduzir ainda mais o número de mortes. É difícil, contudo, que as mortes cessem por completo, já que sempre haverá populações mais vulneráveis, como imunodeprimidos, idosos e aqueles que não receberam nenhuma dose dos imunizantes contra a covid-19.
— Na gripe, também existem fatalidades. E o que a gente tem feito é vacinar as pessoas anualmente e informá-las sobre os sintomas para que a doença não se espalhe. Então, acho que passaremos a conviver de modo muito benigno com a covid. Já estamos convivendo de forma tranquila, então, não é uma projeção tão futurista, já é o presente da nossa relação com a doença — afirma.
O especialista reforça que não há como ter certeza sobre o futuro da doença, em função das variantes do coronavírus. Mas, em sua percepção, é muito improvável que surja uma nova cepa com maior poder de letalidade. Além disso, com o incremento da vacinação, a tendência é que mesmo essas novas variantes enfrentem uma barreira muito grande de oposição, também resultando em quadros brandos.
— A vacinação foi o grande fator modificador da história da doença. É muito nítido como era a covid antes da vacinação e o que se tornou a covid hoje. Então, embora existam movimentos anti-vacinas, que estão muito articulados, eles têm argumentos muito falhos, porque os dados são muito evidentes do benefício da vacinação. E se a vacinação seguir incrementando, com doses de reforço e agora com vacinas melhores que passamos a ter, como a bivalente, a covid como doença letal que nós conhecemos passará a ser história — diz Pasqualotto.
Entretanto, o consultor da SBI pondera que a pandemia continua e que, mesmo com um cenário diferente, é importante lembrar de todos os impactos sociais, psicológicos, econômicos e políticos da crise sanitária que permanecem no dia a dia da população.