Em quase dois anos, 650 mil pessoas morreram por coronavírus no Brasil, conforme mostram dados oficiais do Ministério da Saúde nesta quarta-feira (2). Com mais 370 óbitos registrados nas últimas 24 horas, o país acumula o segundo maior índice de vítimas fatais do mundo, em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos. A marca é ultrapassada com uma média móvel de 511,5 mortes diárias, aproximadamente cinco meses depois de alcançar as 600 mil vítimas fatais.
Entre o primeiro óbito por covid no Brasil, em 12 de março de 2020, e a marca de 100 mil, foram quase cinco meses. Outros cinco se passaram até chegar às 200 mil vítimas. Mas, a partir disso, o país entrou em uma espiral acelerada e, dois meses e meio depois, em março de 2021, ultrapassou os 300 mil mortos. Após pouco mais de um mês, registrou as 400 mil vítimas e, em menos de dois meses, chegou a 500 mil. Os 600 mil foram superados menos de quatro meses depois, em 8 de outubro de 2021.
Para especialistas, foi o avanço da vacinação contra o coronavírus que ajudou a desacelerar o aumento de óbitos no Brasil, mesmo diante dos recordes de novos casos registrados a partir da chegada da variante Ômicron. De acordo com a plataforma coronavirusbra1.github.io, que é mantida por cientistas com base em dados das Secretarias Estaduais de Saúde, 81% da população está imunizada com a primeira dose e 72,7% fez as duas aplicações ou dose única. O desafio atual, porém, é melhorar o índice de pessoas que já receberam o reforço, que está em apenas 30,6%.
O Rio Grande do Sul contabiliza, desde o início da pandemia, um total de 38.312 mortes — 40 delas confirmadas nas últimas 24 horas. Em relação à vacinação, o Estado tem 85,6% da população residente com a primeira dose, 75,2% com a segunda, mas somente 32,6% com o reforço, conforme dados do painel da Secretaria Estadual da Saúde (SES), atualizados nesta quarta.
Alessandro Pasqualotto, presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI) e chefe do Setor de Infectologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, afirma que a variação do número de mortes por covid-19 se relaciona com a história da pandemia no Brasil. Quando não havia vacina, as vítimas fatais eram principalmente os pacientes idosos e mais frágeis, com alguma comorbidade. Mas, com o início da campanha de imunização, que tinha os mais velhos como público prioritário, a doença passou a atingir os adultos e, com o avanço da aplicação de doses, foram os jovens que passaram a ser hospitalizados.
Agora, as formas graves e os óbitos pela doença ocorrem especialmente entre as pessoas que ainda não estão imunizadas ou com o esquema vacinal completo (duas doses e reforço).
— É triste ver que chegamos neste número de mortos por uma doença que é prevenível com vacina, que pode ser evitada. Mas, seguindo essa lógica, chegará um momento em que não vamos mais ter mortes por covid-19. Só que, para isso, precisamos ser mais efetivos na campanha de vacinação daqueles que nunca se vacinaram, daqueles que só tomaram uma dose e também daqueles que tomaram as duas doses, porque a vacina vai se tornando menos eficaz com o tempo, então as pessoas precisam se vacinar de novo — alerta.
Pasqualotto comenta que o pico de mortes entre março e abril do ano passado, quando o país registrou 100 mil óbitos em um intervalo de 36 dias, foi ocasionado por dois fatores: aglomeração e cobertura vacinal insuficiente. Naquela época, o vírus se espalhou de forma expressiva e causou muitos danos, diferentemente do que ocorreu nos dois primeiros meses deste ano. O especialista destaca que o vírus continua sendo transmitido, mas é bem menos letal do que antes, graças à vacinação — o que torna o momento atual mais favorável e otimista.
O médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, que é gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), concorda que as vacinas são as principais responsáveis pela redução das formas mais graves de covid-19, que causam internações e óbitos. Por isso, a tendência para os próximos meses é de uma diminuição progressiva no número de mortes, o que já vem sendo observado desde outubro de 2021 e se manteve mesmo com o crescimento exponencial de casos causado pela Ômicron.
— Ainda temos um avanço para fazer na dose de reforço. O esquema vacinal completo é formado por duas doses e o reforço, e é essa intervenção que vai ser a grande responsável pela manutenção da tendência de diminuição de casos e óbitos — esclarece.
Além de ampliar a cobertura vacinal com terceira dose e entre o público infantil, a fim de proteger o máximo possível de pessoas, o presidente da SRGI ressalta que existe o desafio de seguir combatendo a desinformação e as notícias falsas sobre a eficácia e a segurança dos imunizantes.
Novas variantes podem atrapalhar o atual cenário
Mesmo diante do cenário positivo, existe o risco do surgimento de novas variantes do coronavírus, principalmente porque, ao contrário do Brasil, outros países do mundo seguem com baixos índices de cobertura vacinal entre a população adulta. A consultora de biosegurança da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sylvia Lemos Hinrichsen, opina que os acontecimentos dos próximos três meses dependem do surgimento ou não de outras cepas.
Ela cita como fator de preocupação uma nova variável: a guerra entre Rússia e Ucrânia, que tem feito com que pessoas se desloquem de áreas onde ainda não há números significativos de vacinados.
— Então, não sabemos se vai haver uma nova variante, se ela vai ser leve, moderada ou grave, se é altamente transmissível, não sabemos nada. Essas previsões dependem muito do comportamento das pessoas no mundo, não especificamente no Brasil, porque, enquanto alguns estão se deslocando para sobreviver a uma guerra durante a pandemia, que ainda não acabou, outros aqui estão aproveitando o Carnaval — comenta Sylvia.
Kuchenbecker também salienta que ainda não se tem a exata dimensão do quanto o aumento de casos causado pela Ômicron pode impactar no surgimento de outras cepas. O epidemiologista afirma que ainda levará algumas semanas para entender o cenário resultante disso, mas acredita que é pouco provável que novas variantes voltem a impactar de forma alarmante no número de mortes, já que as vacinas têm sido capazes de evitar quadros graves de covid-19.
A visão do especialista é corroborada por Pasqualotto, que acrescenta que os altos índices de letalidade observados durante a pandemia estavam mais relacionados à baixa cobertura vacinal em momentos de grande transmissão do que especificamente às variantes.
— Espero pelo momento em que vamos nos acostumar a viver com a covid-19, que vai ser mais branda, talvez tão branda que não nos cause mais nenhuma preocupação. Acho que estamos muito perto desse ponto, mas não sabemos com certeza se será ainda neste ano — diz o presidente da SRGI.
Para Kuchenbecker, a utilização de máscaras, sobretudo em ambientes fechados, como escolas e locais de trabalho, ainda será uma constante pelos próximos meses. Ele destaca que o mês de março pode ser o grande termômetro para entender o quão necessárias ainda serão as medidas de prevenção contra o coronavírus. Entretanto, a redução dos protocolos também depende do aumento do índice de população com esquema vacinal completo para diminuir a circulação do vírus.