Mesmo com a média móvel de óbitos por covid-19 apresentando tendência de queda depois de quase dois meses, infectologistas e virologistas consultados por GZH consideram precipitado falar em rebaixamento da doença para endemia, como anunciou nesta semana o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Para os especialistas, a vacinação, sim, ajudará neste processo, mas é preciso ampliar o número de vacinados com esquema completo para, só então, planejar esta transição.
Segundo o ministro, a vacinação contribui para acabar com o "caráter pandêmico da covid-19", favorecendo a reclassificação da doença para uma endemia, que é o status de doenças típicas e recorrentes, manifestadas com frequência em uma determinada região, onde os serviços de saúde já estão preparados.
Com quase 650 mil mortos, o Brasil mantém a média móvel de óbitos nos últimos 14 dias é de 786 diárias e a média móvel de casos, nas duas últimas semanas, está acima de 85 mil. No Rio Grande do Sul, a média móvel de casos é de 3.949, nos últimos 14 dias, e a média móvel de óbitos está em 50,6. Em todo o período de pandemia no Estado, o pico de casos ocorreu há apenas um mês, quando a média móvel atingiu 18.606, ao contrário dos óbitos, cujo pico ocorreu em março de 2021, quando a média móvel chegou a 313 mortes diárias. Em entrevista a GZH na sexta-feira (25), Suzi Camey, professora de Estatística e Epidemiologia da UFRGS, e integrante do comitê de dados do governo do Estado, destacou que números atuais de óbitos já eram esperados, dado o número de casos das semanas anteriores, e que o patamar de cerca de 300 óbitos por semana no Estado deve permanecer até depois do Carnaval.
— Este é um patamar baixo de mortes perto do que já tivemos (nos piores momentos), mas ainda é muito, muito alto. A pandemia não terminou, o que terminou é a nossa paciência, a nossa resiliência de tomar algumas medidas — avaliou.
Hoje, 28% dos leitos gaúchos de UTI estão ocupados por pacientes com suspeita ou confirmação de covid-19. Os números no Estado, ainda que altos, mas em declínio, comprovam que a vacinação tem causado efeito positivo no combate à covid-19.
Em entrevista ao programa Atualidade, da Rádio Gaúcha, na quinta (24), o médico infectologista e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda, destacou que as vacinas são o "grande aliado" no combate às pandemias.
— As vacinas, no momento atual, se provaram, independente das variantes, muito efetivas para proteger a população das formas graves, hospitalização e óbito, mesmo com a circulação de uma nova variante, com uma taxa de contágio de três a quatro vezes mais transmissível que a variante original, duas a três vezes mais transmissível que a variante gama, que causou até 4 mil óbitos diariamente no Brasil — comentou.
Croda ressaltou que quando houver diminuição dos casos, principalmente, dos óbitos, talvez, será o momento da transição para um período pandêmico.
— Ainda não estamos perto disso. Virá o mês de março e, a partir deste momento, se não tiver nenhuma outra variante importante que possa ter escape de resposta imune em relação às formas graves, é possível que tenhamos este momento de transição — acrescentou.
Para o virologista Fernando Spilki, que é pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão da Universidade Feevale, há uma precipitação em mudanças, pois ainda não se tem ideia de qual será o número de casos constantes ao longo do tempo, a chamada linha basal. Em outros países que já estão com declínio após surto de Ômicron consolidada há mais tempo, alerta Spilki, se observa uma linha basal num contingente muito alto. Isso significa, acrescenta o pesquisador, que o vírus continua circulando em grande quantidade, um prenúncio de problemas, de novas variantes e de novos surtos.
— Antes de qualquer decisão, precisamos saber qual será o normal que encontraremos após efetivamente o declínio desta curva, deste surto de Ômicron que começa a se encerrar. Precisamos ter uma linha basal. Se for muito alta, a doença continuará pressionando que as pessoas precisem faltar ao trabalho, que continuem o processo de atenção com distanciamento e com as poucas medidas restritivas que temos, incluindo usar máscara. Ainda estamos no processo — completa Spilki.
Presidente da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), Alessandro Pasqualotto destaca que o grande termômetro para a previsão do que será a pandemia é a capacidade que o Brasil terá de vacinar plenamente a população com três doses. O médico destaca que o percentual ainda é baixo. Ele acredita que o Carnaval possa causar uma nova onda de casos, mas muito menor do que a de janeiro deste ano porque o número de vacinados será maior.
— O grande indicador do futuro, em médio prazo, serão os primeiros 10 dias depois do Carnaval. Teremos uma ideia o quanto de recurso de saúde será consumido e muitos precisarão fazer teste para evitar a transmissão. Inevitavelmente, terá algum reflexo em hospitalização e morte, principalmente nos idosos não vacinados. Cabe reforçar a importância da vacinação completa para voltarmos a ter uma vida mais próxima do normal — destaca.
No Rio Grande do Sul, 80% da população vacinável completou as duas doses da vacina, mas apenas 34% da população vacinável recebeu a dose de reforço. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, além do estímulo à vacinação, as regiões devem agir localmente para reduzir o risco de contágio, ampliando e mantendo a fiscalização do cumprimento de protocolos obrigatórios, também reforçando protocolos recomendados.
Conforme a diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, Cynthia Molina Bastos, as próximas semanas serão fundamentais para observar a movimentação do vírus. Ou seja, ainda não é hora de afrouxar as medidas de combate à pandemia.
— Temos pós-Carnaval e retorno das aulas, que são mudanças marcantes no comportamento social, e em cima disso poderemos confirmar se a tendência é de continuar baixando o número de casos. A tendência é piorar novamente. Mas, se continuar reduzindo, a OMS já sinalizou que pode começar a ter uma luz no fim do túnel — comenta Cynthia.
A diretora destaca que o Estado segue a legislação que fala de uma emergência nacional, divulgada pelo Ministério da Saúde, e também as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). E mesmo quando houver a retirada das máscaras, Cynthia afirma que continuará recomendando o uso delas para quem estiver com suspeita de resfriado ou rinite, sem testagem para a covid-19.
"Condução da pandemia é dinâmica"
De acordo com o pesquisador da Fiocruz, o fim da pandemia não ocorre por decreto. Por isso, será necessário um planejamento adequado, trabalhando com os indicadores, a partir de metas. Ele aponta a retira das máscaras em ambientes abertos, quando tivermos uma baixa transmissibilidade, como primeira flexibilização futura. Mas será necessário monitoramento constantes, pois, eventualmente, haverá casos de hospitalizações e óbitos.
Ainda na lista de providências futuras, Croda projeta que, com a cobertura vacinal elevada e sem impacto no serviço de saúde, poderá ser pensada a retirada das máscaras em ambientes fechados, a descontinuidade de isolamento de contato e, por último, o isolamento de casos sintomáticos. Tudo progressivamente, a partir da melhora dos indicadores.
— Importante entender que isso tudo pode mudar em períodos sazonais e pode ser recomendado o uso de máscara no futuro, principalmente, se a população não se vacinar. A condução da pandemia é dinâmica, tem que ser avaliada por meio de indicadores e ajustada de acordo com eles — finalizou Croda, na entrevista à Rádio Gaúcha.