Além do alto nível de transmissão, a variante Ômicron do coronavírus pode trazer outro desafio para o sistema de saúde: lidar com a grande leva de pacientes que precisam tratar as sequelas da covid-19. São problemas que persistem após a infecção, em uma etapa conhecida pela medicina como síndrome pós-covid ou covid longa.
Embora não haja estudos conclusivos sobre o comportamento da nova variante no pós-doença, espera-se um cenário de mais pessoas com falta de ar, dificuldade de locomoção, perda de memória, insônia, entre outras sequelas relatadas desde o início da pandemia.
– Como temos mais infecções, porque a Ômicron é mais transmissível, aguardamos um número maior de pacientes com a covid longa. Alguns estudos estimam que até um terço de infectados pela covid-19 pode desenvolver uma sequela persistente, mas ainda não temos uma definição consensual – aponta o médico infectologista Diego Falci, do Hospital São Lucas da PUCRS.
Como a Ômicron passou a circular em dezembro no Brasil, os especialistas afirmam que ainda é cedo para dizer se a nova variante provoca sequelas diferentes das já observadas com a cepas de Wuhan (original), Gama (identificada em Manaus) e Delta (detectada pela primeira vez na Índia e dominante no mundo até a chegada da Ômicron). Os pesquisadores percebem, no entanto, que os sintomas ficam concentrados nas vias aéreas superiores, como dor de garganta e dor de cabeça.
Uma sequela inicial é a tosse residual, que segue com o paciente mesmo após o vírus ser vencido, como observa a pneumologista Juliana Cardozo Fernandes, do Centro de Cuidados Respiratórios do Hospital Ernesto Dornelles.
– A tosse é uma sequela bem frequente dessa variante. É unânime. As pessoas procuram os médicos porque duas ou três semanas depois da doença ainda estão tossindo. É uma tosse seca, que tende a ir reduzindo até desaparecer – diz.
O que se pode afirmar é que as sequelas da covid-19 podem ficar tanto em quem teve um quadro grave quanto em quem sequer precisou de hospitalização, garante o médico e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento Regis Goulart Rosa, representante da Coalizão Covid-19 Brasil.
– Mesmo pessoas que tiveram quadros leves de covid-19 também podem apresentar sequelas incapacitantes, como uma fadiga intensa, que gera dificuldade de trabalhar. Tenho pacientes que tiveram covid-19 e ficaram com dificuldade de concentração. Uma sequela não precisa deixar a pessoa de cama para ser incapacitante – diz.
A tosse é uma sequela bem frequente dessa variante. É unânime. As pessoas procuram os médicos porque duas ou três semanas depois da doença ainda estão tossindo. É uma tosse seca, que tende a ir reduzindo até desaparecer.
JULIANA CARDOZO FERNANDES
Pneumologista do Centro de Cuidados Respiratórios do Hospital Ernesto Dornelles
Rosa é integrante de um grupo de trabalho da Organização Mundial da Saúde (OMS) que busca entender a covid longa. Segundo ele, os pesquisadores tentam responder a dúvidas prioritárias. Uma delas é se as novas variantes do coronavírus podem provocar sequelas distintas – a perda de olfato e de paladar, por exemplo, muito comum durante os primeiros contágios, agora está entre os problemas menos apontados pelos pacientes.
Outra questão muito importante é se a vacinação tem algum impacto nesse período pós-doença.
– Poucos estudos avaliam diretamente o impacto da vacina na redução da covid longa. No entanto, como as vacinas reduzem bastante o risco de desenvolver covid-19, temos uma evidência indireta de que a vacina reduz a complicação do Sars-Cov-2, incluindo a covid longa. Mas precisamos de estudos mais robustos. Provavelmente, até o fim do ano teremos alguns relacionando a vacinação com a covid longa e se a Ômicron causa sequelas diferentes das geradas pela Delta ou Gama – afirma.
Pandemia de sequelas da covid-19
A OMS estima que 20% dos infectados pela covid-19 desenvolvem a síndrome pós-covid. No Brasil, conforme projeção do Ministério da Saúde, estima-se que de 8,5 milhões a 10 milhões de pessoas poderão apresentar ao menos uma condição de covid longa. Desde o início da pandemia, o país já registrou, oficialmente, mais de 27,8 milhões de casos de coronavírus.
Nas palavras de Regis Rosa, é uma "pandemia" de sequelados, que vão precisar de atenção especial da rede de saúde.
– Da mesma forma que temos uma pandemia de uma doença infecciosa, temos uma pandemia de sequelas dessa doença. Falamos em retomar a economia, mas, para retomar a economia, teremos que recuperar as pessoas – diz.
Na quarta-feira (16), o Ministério da Saúde anunciou que repassará cerca de R$ 160 milhões para o atendimento de pessoas com sintomas pós-covid. O valor poderá ser aplicado no reforço da Atenção Primária nos municípios brasileiros e no Distrito Federal. Entre as ações propostas pela pasta estão, por exemplo, a busca ativa, o diagnóstico, o tratamento e o monitoramento de casos de covid longa e a orientação da população sobre o assunto.
A pneumologista Juliana Cardozo Fernandes faz outra observação: como a Ômicron é menos letal, provocando menos hospitalizações, existe a chance de uma grande quantidade de pacientes com quadro leve tocar a vida com alguma sequela, sem chegar ao sistema de saúde.
– Quem chega ao sistema? Os casos mais graves. Já os casos intermediários e leves ou não estão sendo encaminhados ou estão sendo subestimados. São pessoas que, no retorno à vida normal, podem apresentar uma piora da produtividade. Esses casos ficam perdidos no sistema de saúde – preocupa-se.
Na avaliação de Rosa, é oportuna a criação de centros de reabilitação para tratar as sequelas da doença, como existe no Hospital Moinhos de Vento, Hospital de Clínicas e Ernesto Dornelles – o ambulatório pós-covid da prefeitura da Capital funciona junto ao Centro de Saúde IAPI, no bairro Passo D’Areia. No entanto, esse tipo de atendimento precisa ser expandido.
– Ter centros de reabilitação é importante, mas estamos falando de milhões de pessoas sequeladas. As equipes de atenção básica têm que estar treinadas para lidar com isso. Na medida em que houver um controle da transmissão, é inevitável que as sequelas pós-covid se tornem prioridade – destaca.
Veja quais são as sequelas mais comuns entre os infectados pela covid-19:
São sintomas crônicos, que podem se manifestar diariamente ou em de forma oscilante, com altos e baixos. O cansaço, por exemplo: em um dia a pessoa pode estar disposta e, em outro, a fadiga retorna. Não há uma melhora sustentada, observam os médicos.
- cansaço;
- falta de ar;
- tosse;
- dificuldade de concentração;
- perda de memória;
- dor de cabeça;
- ansiedade;
- depressão;
- estresse;
- sono prejudicado;
- perda de cabelo;
- alteração de olfato e paladar.