Muitos laboratórios, institutos e universidades do Brasil estão envolvidos em uma corrida para fabricar as primeiras vacinas brasileiras contra a covid-19. Desde 2021, ao menos cinco imunizantes já tiveram algum grau de envolvimento com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – a agência é a responsável por avaliar e aprovar pedidos de registro de imunobiológicos desenvolvidos pela indústria farmacêutica. Desse total, somente dois laboratórios solicitaram e já receberam autorização para pesquisa clínica, ou seja, com humanos.
A mais avançada é a vacina Butanvac, do Instituto Butantan, em São Paulo, que concluiu no dia 30 de janeiro os estudos de fase 1. Já o imunizante do Senai Cimatec, em Salvador, iniciou sua primeira fase de estudos-clínicos em 13 de janeiro. As outras três vacinas – todas em fase pré-clínica – já tiveram parte da documentação necessária apresentada à Anvisa e estão preparando protocolos de pesquisa para iniciar os estudos clínicos. São elas: SpinTEc, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a Fiocruz; Versamune, criada pela Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, em parceria com as empresas farmacêuticas Farmacore e PDS Biotechnology; e a S-UFRJVac, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O ritmo das pesquisas no país é impactado por fatores como o avanço da vacinação geral da população, que fez com que diversos protocolos de estudo fossem modificados, de forma a abarcar voluntários que já receberam doses de outros imunizantes. A falta de insumos também é um empecilho.
Vale lembrar que, antes de chegar ao mercado e aos postos de saúde, toda vacina passa por uma série de etapas para confirmar sua eficácia e segurança. Tudo começa com os estudos pré-clínicos, onde são feitos estudos laboratoriais e testes, geralmente com animais, para avaliar questões como segurança, toxicidade e capacidade de resposta do imunizante.
Os dados desses estudos são avaliados pela agência reguladora que, no Brasil, é a Anvisa. Se aprovados, parte-se para os ensaios clínicos, geralmente divididos em três fases e que abrangem um número maior de voluntários a cada etapa.
Na fase 1 é avaliado principalmente a segurança do imunizante, a produção de efeitos colaterais importantes e a imunogenicidade, que é a capacidade de produzir células de defesa, os anticorpos. Na fase 2 utiliza-se uma população ainda maior do que na primeira etapa para confirmar a segurança e realizar testes para mostrar efetividade (o quanto a vacina protege o indivíduo de desenvolver a doença e ter uma complicação como hospitalização ou UTI), eficácia (o quanto a vacina protege de pegar a infecção) e imunogenicidade. A última etapa é a fase 3, que aumenta ainda mais o número de pacientes para confirmar se o imunizante é seguro e eficaz para evitar a infecção e a evolução de uma doença.
Abaixo, confira um levantamento de GZH sobre o andamento das pesquisas de cinco vacinas brasileiras.
Butanvac é a mais acelerada
Referência no desenvolvimento de soros e vacinas no Brasil, o Instituto Butantan produziu o primeiro imunizante contra a covid-19 usado no país: a CoronaVac, feita em parceria com a chinesa Sinovac. Desde o ano passado, o instituto também trabalha no desenvolvimento de uma vacina nacional, ainda que a Butanvac use tecnologias de pesquisas do Hospital Mount Sinai e da Universidade do Texas, ambos nos EUA. O estudo de fase 1 já foi concluído.
– Posso adiantar que a vacina ButanVac foi muito bem aceita, não tivemos efeitos colaterais graves. Esse estudo de fase 1 foi bem complexo, pois avaliou três doses da vacina e contou com "braços de controle" para poder fazer comparações, que foram os braços de imunização só com CoronaVac e outro grupo com primeira dose placebo e depois CoronaVac. Quando comparamos os braços do estudo, não vemos diferença estatisticamente significativa de segurança, no sentido de reações adversas – afirma o diretor médico do Butantan, Wellington Briques.
Algumas mudanças terão que ser feitas para adaptar o estudo ao atual momento da pandemia, principalmente no protocolo do ensaio clínico (o que inclui o número de participantes da pesquisa) e no próprio objetivo do estudo. Nas fases 2 e 3, a eficácia da ButanVac será avaliada não em relação a uma população não vacinada, como os ensaios clínicos de novos imunizantes tradicionalmente fazem, mas quanto à sua eficiência para potencializar a proteção de quem já fez duas ou três doses.
Segundo Briques, a ideia é que a Butanvac seja uma vacina anual, aplicada em duas doses. Mesmo com diversas outras vacinas já em uso no Brasil, o pesquisador defende a importância do imunizante, por ser sustentado por dois pilares estratégicos: ser uma vacina de baixo custo, que possa ser incluída no PNI e utilizada por todas as esferas do governo de forma menos onerosa, e também ser uma vacina com uma plataforma segura e já bem conhecida no país, a da Influenza.
– Acredito que essa vacina vai ser aprovável em qualquer agencia regulatória de qualquer país. Para a América Latina e a Ásia, onde também está sendo estudada, deve ser uma vacina de muito interesse, pois é de baixo custo e de plataforma conhecida – projeta Briques.
Senai Cimatec e o desafio de encontrar voluntários
Financiada pelo governo Federal por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a RNA-MCTI-Cimatec-HDT enfrenta o dilema de encontrar voluntários, diante do estágio avançado da imunização no país. A fase 1 começou no dia 13 de janeiro, em Salvador.
– Já tivemos cerca de 40 indivíduos triados para ver se atendem ou não aos critérios do estudo. Desses, já vacinamos seis pessoas. Nós estamos vendo uma resposta positiva da sociedade no sentido de querer participar da pesquisa, mas, infelizmente, muitos não entram no critério de serem indivíduos de 18 a 55 anos, saudáveis, que ainda não tomaram a dose de reforço ou que não se vacinaram contra a covid-19 – afirma a líder técnica do projeto, a farmacêutica bioquímica Bruna Machado.
A vacina será avaliada em um cronograma de duas doses com intervalos diferentes (intervalo de 29 dias ou de 57 dias) ou de dose única. Os primeiros resultados, segundo Bruna, são esperados até maio, e as fases 2 e 3 estão planejadas para começar ainda em 2022. A expectativa é recrutar 400 pessoas para a fase 2 e de 3 mil a 5 mil pessoas para a fase 3.
– Esse é o primeiro estudo clínico no Brasil que acontece com essa tecnologia de replicon de RNA e essa pode ser inclusive a primeira vacina aprovada que utiliza essa tecnologia no mundo que utiliza essa tecnologia. É uma tecnologia muito promissora que tem sido estudada em outros países para desenvolver vacinas para HIV e câncer – afirma Bruna.