Familiares dos seis pacientes que morreram em decorrência da falta de oxigênio no Hospital Lauro Reus, em Campo Bom, no Vale do Sinos, realizaram uma manifestação em frente ao Fórum de Campo Bom neste domingo (19), data que marca dois anos do ocorrido. As pessoas que morreram estavam internadas na UTI e na emergência do Lauro Reus devido à covid-19.
As famílias pedem justiça e punição aos gestores do hospital e da associação que administrava a casa de saúde, a Associação Beneficente São Miguel (ABSM). Em setembro de 2022, o Ministério Público (MP) denunciou nove pessoas por homicídio culposo, incluindo funcionários da empresa que fornecia oxigênio à instituição, a Air Liquide. Conforme a promotoria, os denunciados "agiram com negligência, imprudência e imperícia". Há ainda uma notícia-crime em tramitação para investigar outras 15 mortes decorrentes de sequelas geradas pela falta de oxigênio.
"Completados dois anos, ainda permanece em nós, famílias das vítimas, o sentimento 'estranho' da ausência de um familiar amado. Talvez, isso seja o normal e 'comum' em outros lutos, mas ainda não é para nós, pois a origem é uma tragédia que não terminou. Negligência, culpa, omissão, indiferença, banalização, ou o quê? Esperamos a cada dia desse nosso luto estendido receber uma resposta final. Somente o reconhecimento do Judiciário poderá trazer sentido ao ocorrido", diz um trecho do manifesto dos familiares dos falecidos na tragédia.
No final de novembro de 2022, foi divulgada a sentença com o reconhecimento do MP de que as mortes se tratam de homicídio culposo, e não morte natural como havia sido registrado anteriormente.
— Nosso intuito com a manifestação foi pressionar a Justiça para que se tenha agilidade no processo. Nossa pressão é para que o caso não caia em esquecimento — afirmou Luciana Diesel, filha de uma das vítimas.
Na sexta-feira (17) à noite, a associação dos familiares instalou um outdoor em memória aos entes queridos, porém, já no sábado (18) pela manhã, a faixa foi retirada sem a autorização deles.
"Acreditamos que a justiça será feita e vamos acompanhar cada passo do processo sendo atuantes junto aos órgãos responsáveis", afirma outra parte do texto escrito em conjunto pelas famílias.
Relembre o caso
O Hospital Lauro Reus, de Campo Bom, ficou sem oxigênio no tanque principal na manhã de 19 de março de 2021, durante uma grande onda da pandemia, quando seis pacientes com covid-19 que estavam entubados morreram.
A conclusão apurada pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) aponta que o problema no Lauro Reus foi "multifatorial", ou seja, mais de um fator contribuiu para que o tanque principal de ar esvaziasse sem ser reposto e para que o sistema de reserva não fosse acionado imediatamente. Estão na lista desses fatores: a falta de treinamento adequado para agir nesse tipo de situação, falhas na comunicação interna e no uso do Plano de Operação Padrão justamente para casos de emergência.
Também está registrado no sistema de telemetria que o nível de ar do tanque principal caiu abaixo de 30% já no dia 18 e, segundo protocolos de segurança, quando isso é registrado, é preciso fazer o reabastecimento, o que não ocorreu. Somente depois do incidente foi feita a reposição no tanque principal.
O hospital era administrado pela Associação Beneficente São Miguel (ABSM). Em abril do mesmo ano, o então presidente da ABSM, o oncologista Rafael França, já havia admitido ao GDI que a Air Liquide, empresa na época responsável pelo abastecimento, teria ficado de reabastecer oxigênio às 6h de 19 de março, mas não o fez. Às 8h13min, segundo França, teria começado o problema que impediu que pacientes da covid-19 entubados recebessem o ar.
A apuração da Secretaria Estadual da Saúde (SES), com base em informações de telemetria da Air Liquide, mostrou que faltou oxigênio no tanque principal que abastece o hospital. E que o sistema de backup, que são as baterias reservas, demorou a funcionar.
Este é o segundo ponto de falhas identificado pela auditoria: funcionários do hospital não tinham treinamento para acionar a reserva. Havia oxigênio estocado, mas não foi aproveitado imediatamente. Isso explicaria o motivo de cilindros de ar de fora do hospital terem sido buscados com urgência naquela manhã.
Em nota, a direção do hospital informou que havia 26 pacientes na UTI e na emergência recebendo ventilação mecânica entre 8h10min e 8h40min. "Não houve em momento algum falta de oxigênio aos pacientes, devido à rápida ação da equipe assistencial que acionou imediatamente o Plano de Contingência — em decorrência de uma instabilidade na rede central de distribuição de O2 que durou aproximadamente 30 minutos", diz a nota. Entretanto, familiares de pacientes disseram ter visto “uma cena de terror” em frente ao hospital.
Em agosto de 2022, a prefeitura de Campo Bom decidiu romper contrato com a administradora do hospital, a Associação Beneficente São Miguel (ABSM). Entre os motivos foram apontados ausência de profissionais, precariedade nos atendimentos e falta de pagamento de tributos. Atualmente, o caso segue em investigação no Ministério Público.
Produção: Leonardo Martins