
Por Camile Cesa Stumpf (*)
O câncer de mama é a neoplasia que mais acomete mulheres no mundo. No Brasil, permanece como um dos maiores desafios à saúde feminina, devido à alta incidência e à expressiva mortalidade. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são estimados mais de 70 mil novos casos por ano — um número alarmante que reforça a urgência de políticas públicas eficazes, informação acessível e, sobretudo, respeito aos direitos das pacientes.
No sul do país, o cenário é ainda mais preocupante. Em 2023, o Rio Grande do Sul registrou mais de 5 mil novos casos de câncer de mama, com uma incidência de 89,53 a cada 100 mil mulheres — uma das mais altas do Brasil. A doença pode atingir mulheres de todas as idades, embora seja mais comum após os 50 anos. No entanto, há um crescimento progressivo de diagnósticos em mulheres jovens, o que exige mudanças nas estratégias de rastreamento e prevenção.
Direitos fundamentais
Para muitas, o diagnóstico marca o início de uma luta que vai além da saúde física. É também uma batalha por dignidade, acolhimento e acesso a tratamento de qualidade. A jornada da paciente oncológica envolve exames, cirurgias e medicamentos, mas também o enfrentamento de um sistema de saúde frequentemente sobrecarregado, desigual e, por vezes, desinformado.
A legislação brasileira estabelece alguns direitos fundamentais para essas pacientes, como o início do tratamento pelo SUS em até 60 dias após o diagnóstico e o acesso à cirurgia de reconstrução mamária. Mas, na prática, essas garantias estão longe de ser universalmente cumpridas.
Em 2023, o Rio Grande do Sul registrou mais de 5 mil novos casos de câncer de mama, com uma incidência de 89,53 a cada 100 mil mulheres — uma das mais altas do Brasil
O início precoce do tratamento é essencial: quanto mais cedo a intervenção — seja ela cirúrgica, medicamentosa ou quimioterápica —, maiores são as chances de cura. Ainda assim, a demora no atendimento é recorrente e pode agravar o quadro clínico, além de comprometer o prognóstico. A fiscalização e o engajamento da sociedade são cruciais para que esse direito se cumpra.
Reconstrução mamária
Outro direito pouco conhecido, mas fundamental, é o da reconstrução mamária. Mulheres que passam por mastectomia têm garantido o acesso à cirurgia reparadora, realizada no mesmo ato ou em momento posterior, conforme indicação médica. O procedimento, que pode envolver implantes ou retalhos musculares, visa restaurar a simetria entre as mamas. Mais do que uma questão estética, ele impacta diretamente na autoestima, na saúde mental e na reconstrução da identidade.
Esses direitos não são concessões: são garantias legais. Representam justiça para mulheres que, além de enfrentar o câncer, não devem carregar também o peso da negligência, da espera ou da falta de suporte emocional. O direito à informação, à escolha do tratamento e ao acompanhamento psicológico faz parte de uma abordagem humanizada e integral — como deve ser todo cuidado em saúde.
Prioridade contínua
O câncer de mama não atinge apenas o corpo. Ele afeta identidades, relações e vínculos afetivos. As cicatrizes, a queda de cabelo e as transformações físicas influenciam como a mulher se vê e é vista. Por isso, o acolhimento psicológico deve estar presente nas rotinas hospitalares, assim como programas de reabilitação e reinserção social.
O início precoce do tratamento é essencial: quanto mais cedo a intervenção — seja ela cirúrgica, medicamentosa ou quimioterápica —, maiores são as chances de cura
Falar sobre isso é urgente. Espalhar informação é salvar vidas. Exigir o cumprimento da legislação é uma responsabilidade coletiva. O combate ao câncer de mama precisa ir além das campanhas pontuais e se tornar uma prioridade contínua — nas escolas, comunidades, ambientes de trabalho e políticas públicas.
O câncer de mama não espera. E a reconstrução vai muito além do físico: ela é autoestima, identidade e esperança.
(*) Médica cirurgiã do corpo clínico do Hospital Moinhos de Vento e integrante do programa Novos Talentos da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre Zero Hora e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) em março de 2022. Uma vez por mês, o caderno Vida publica conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos da entidade, que completou 30 anos em 2020, conta com cerca de 90 membros de diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia, otorrinolaringologia etc.) e atualmente é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA. Os textos são assinados por um profissional integrante do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação do eletrofisiologista Leandro Zimerman, e por um tutor com larga experiência na área.