Situação recorrente na saúde pública no Rio Grande do Sul, a demora para realização de cirurgias eletivas e consulta com médicos especialistas foi potencializada com a pandemia da covid-19. Para tentar diminuir as longas filas para estes atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS), o governo do RS espera aumentar o número de procedimentos realizados a partir de abril.
Enquanto isso não ocorre, pacientes e familiares relatam preocupação e incerteza para ter acesso aos tratamentos. GZH conversou com gaúchos que enfrentam longa espera para fazer uma cirurgia ou mesmo consultar com um especialista.
Espera desde 2016
O motorista de caminhão Ronaldo Homrith da Silva, 42 anos, reside em Canoas, na Região Metropolitana. Em 2016, ele descobriu um nódulo de 2,5 centímetros no lado esquerdo da face. Nos exames, foi confirmado que não se tratava de um câncer, mas havia a necessidade de cirurgia. Em 2017, ele consultou pela primeira vez com um cirurgião no Hospital Universitário de Canoas.
Depois disso, passou por outras consultas e exames. Veio a pandemia e a cirurgia nunca chegou a ser marcada. Ronaldo afirma que, no momento, não tem dor. No entanto, há risco de que algo mais grave aconteça.
— Preciso da cirurgia, pois há risco de que o nódulo atinja algum músculo do rosto. Ou seja, pode se tornar algo grave. No entanto, até o momento não tenho uma previsão de quando a operação vai acontecer — desabafou.
A prefeitura de Canoas informou que última consulta de Ronaldo foi em 2020 e, por conta da pandemia, não foi possível realizar a cirurgia. Segundo a administração municipal, o Hospital Universitário de Canoas irá entrar em contato para marcar uma nova consulta e, dependendo da situação, o caso será evoluído de eletivo para emergencial.
Sem troca de prótese, idosa perdeu mobilidade
Também na região metropolitana, mas em Gravataí, a bancária Rosa Elaine Klipstein, 52 anos, vive uma situação semelhante com a mãe, de 89 anos. A idosa precisa realizar uma cirurgia de troca da prótese que possui no quadril. O problema de desgaste da prótese começou em 2016 e, no ano seguinte, foi indicada a cirurgia no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre.
Naquela época, Rosa Elaine recebeu o retorno do hospital que o tempo de espera para o procedimento era de cerca de dois anos. Porém, com a pandemia, tudo parou e, agora, a família não sabe quando a cirurgia vai ocorrer.
A bancária lamenta a perda de qualidade de vida da mãe, que se aproxima dos 90 anos.
— Quando começou a dor, ela caminhava. Chegou a ir caminhando, com alguma dificuldade, para as consultas médicas. Depois, com o tempo, a dor foi aumentando muito. Ela passou a andar de muleta e, agora, está com o andador. Não sei se a cirurgia iria resolver plenamente, mas certamente ela teria uma qualidade de vida muito melhor, pois hoje ela não sai de casa — afirmou.
O Hospital de Clínicas informou, por meio de nota, que as cirurgias de quadril estão entre os procedimentos com maior demanda represada. Muito dessa situação decorre da pandemia. Há cerca de 280 casos aguardando cirurgia de prótese primária e cerca de 180 esperando por revisão de prótese, muitos destes encaminhados de outros hospitais.
Procurada, a prefeitura de Gravataí informou que não poderia comentar sobre o caso, pois o atendimento já é de responsabilidade do governo do Estado. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) afirmou em nota que que não faz a regulação de cirurgias, somente a primeira consulta especializada. Por conta disso, não poderiam informar sobre a fila interna dos hospitais.
Além disso, a pasta ressaltou o levantamento realizado pelo Cirurgias+, onde foram constatadas as especialidades com maior tempo de espera da população, como traumatologia, cirurgia geral, oftalmologia, ginecologia e urologia.
Previsão para consulta: mil dias
A demora também é sentida para a realização de consultas com médicos especialistas. O estudante Lucas Möller Mello, de 29 anos, sofreu um acidente de moto em 2015, em Porto Alegre, e desde então sofre com problemas no tendão da perna esquerda, o que dificulta o controle e a sensibilidade do pé esquerdo.
Morando hoje em Três Coroas, ele realiza ainda o tratamento em Porto Alegre. Atualmente, o estudante precisa consultar um fisiatra e fez a marcação, em julho do ano passado, no Hospital de Clínicas.
O que ele não imaginava era o tempo de espera que seria apontado pelo sistema até o dia da consulta com o médico.
— Quando o médico fez o meu encaminhamento, fui classificado como prioridade amarela, que não é um caso grave. Com isso, preciso esperar 1.030 dias para a consulta — afirmou.
Quanto às consultas de fisiatria, o Hospital de Clínicas afirma que os encaminhamentos são todos feitos pelo gestor municipal. Em decorrência da pandemia, houve atraso no atendimento de encaminhamentos internos nesta área especifica. Ainda, o Clínicas ressalta que organizou e está executando ampliação no atendimento destes pacientes.
A prefeitura de Porto Alegre afirmou que trabalha para reduzir a demanda de consultas com especialistas e que a pandemia fez com que hospitais deixassem de atender demais especialidades e cirurgias para se dedicar exclusivamente a covid-19. Ainda segundo o município, muitos pacientes deixaram de buscar os serviços de saúde impactando a demanda reprimida a partir de 2022.
Dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Capital apontam para um aumento de 71% na procura da população por consultas nas unidades de saúde.
Óbito antes do atendimento
Longas filas para atendimentos eletivos não são novidade no Estado. No entanto, em alguns casos, as doenças se agravam e a consulta não ocorre a tempo de salvar o paciente. Foi o que aconteceu com o pai do gerente administrativo Edson da Silva Homem, 43 anos.
Conforme Edson, o pai sofreu uma parada cardiorrespiratória em 2011, e, depois disso, precisava consultar com um pneumologista, pois foi diagnosticada uma falha nos pulmões.
A família marcou a consulta. No entanto, o pai sofreu uma nova parada cardiorrespiratória e morreu em abril de 2012, aos 54 anos. O que a família não esperava era receber, mais um ano depois, uma ligação do posto de saúde de Viamão para confirmar o atendimento.
— Eles ligaram lá para casa atrás do pai para ele consultar com o pneumologista. Na época, minha mãe ficou bem incomodada com a ligação e foi irônica com a atendente. Disse que se eles quisessem marcar consulta era para ir até o cemitério. Ficamos abismados com a desorganização e a falta de comunicação entre os sistemas — revelou.
Procurada para comentar o caso, a prefeitura de Viamão não retornou até o fechamento desta reportagem.