É falso o argumento de Onyx Lorenzoni (PL), candidato ao governo do Rio Grande do Sul, de que “a melhor vacina é pegar a doença”, proferido durante o debate realizado pela RBS TV na noite de quinta-feira (27), com a participação do oponente, Eduardo Leite (PSDB). O tema era a covid-19, mas Onyx menosprezou a importância da imunização para “todas as doenças”.
— Eu tive covid em junho de 2020. Meu médico me acompanha desde lá, e ele me aconselhou a fazer o monitoramento porque a melhor vacina que existe é pegar a doença. Todo mundo sabe disso. Em todas as doenças é assim — declarou o concorrente do PL.
As redes sociais foram tomadas de manifestações incrédulas e indignadas de pesquisadores, que continuam estudando a covid-19 e os imunizantes que mudaram a história da maior crise sanitária em um século, e de profissionais de saúde que atuaram no atendimento direto a pacientes com a doença em hospitais que atingiram o ponto de colapso. A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico-Brasil) emitiu uma nota de repúdio e indignação (veja mais abaixo) e chamou a atenção para o número de vítimas da doença no país.
GZH conversou com os infectologistas Alessandro Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia, e Alexandre Zavascki para repetir a mensagem sobre a importância da vacinação como fator protetor individual e coletivo, capaz de prevenir enfermidades, quadros graves, hospitalizações e mortes.
“A melhor vacina que existe é pegar a doença (covid-19)”?
“De modo algum. É um engano que existia no início da pandemia, e hoje esse argumento soa como absurdo. A vacinação leva à produção de anticorpos em quantidade muitíssimo maior do que a doença prévia. Nem a vacina de única dose nem a doença protegem por muito tempo. Mas a vacina tem efeito protetor muito maior se associada à dose de reforço. A vacina é bastante segura, não tem comparação.”
Alessandro Pasqualotto, médico infectologista e presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia
“Não, definitivamente. Primeiro ponto: nem a vacina e muito menos a doença conferem proteção definitiva, capaz de impedir que se contraia uma segunda covid. Com a doença, você tem uma resposta, em termos de proteção a uma segunda infecção, muito heterogênea, variável. Pode ter uma proteção mais forte, que vai durar mais tempo, mas pode ter uma proteção muito fraca, muito ineficaz. E há o risco mais elevado para doença grave.
A vacina faz um treinamento do sistema imunológico para a pessoa se proteger no caso de uma segunda infecção. Você ensina o sistema imunológico sem que ele tenha sido exposto ao agente da doença. Esse treinamento protege, diminui o risco de segunda infecção. Mas, acontecendo uma segunda vez, impede que a doença se agrave, se dissemine para outros órgãos e leve à morte.
Não há a menor dúvida de que a melhor proteção é a vacinal. Como é muito variável a resposta imunológica que você vai montar a partir da infecção, e a resposta da vacina é mais homogênea, (a proteção proporcionada pela vacina) em geral acaba sendo superior à resposta da infecção.”
Alexandre Zavascki, médico infectologista
O que diz a ciência sobre as outras doenças para as quais existem vacinas? É melhor pegar a doença ou estar vacinado?
“A vacina sempre é uma opção melhor do que pegar a doença. Algumas doenças protegem por toda a vida, mas, por vezes, se manifestam de modo grave. Podem se complicar, agravar, matar, levar a sequelas não desejadas. Vacina é uma das principais aquisições da medicina moderna. Lamento que ainda exista, no nosso meio, um movimento antivacina tão forte, no mundo inteiro.”
Alessandro Pasqualotto
“A vacina é sempre melhor. As doenças para as quais temos vacinas hoje ou vão causar risco de morte, ou sequela gravíssima, caso da poliomielite. Podem incapacitar o indivíduo, levar a agravamento, hospitalização, e também podem matar. Rubéola é uma doença desagradável de pegar, tem risco pequeno de complicações, mas uma gestante que pega rubéola tem problemas gravíssimos, a rubéola congênita, e as crianças ficam com diversas limitações. Algumas infecções podem gerar, sim, resposta superior à da vacina, em termos de proteção, mas ao custo de um risco de morte muito alto, por exemplo.”
Alexandre Zavascki
Deixar a população se infectar com o coronavírus foi um método eficiente de combater a pandemia em algum país do mundo?
“Desconheço. Esse argumento foi muito forte no Brasil, onde já tivemos quase 700 mil mortos. É um absurdo. Do ponto de vista teórico, no início da pandemia, até fazia algum sentido alcançar a imunidade de rebanho, mas o pessoal esqueceu, nessa equação, que os anticorpos desaparecem depois de alguns meses. Existia um racional teórico no início, mas não se provou verdadeiro.”
Alessandro Pasqualotto
“Até se acreditou, em alguns países, como na Suécia e no Brasil, por parte dos gestores da saúde, que isso poderia ser uma estratégia, mas nenhum país, quando a vacina ficou disponível, deixou de vacinar. A imunidade de rebanho foi cogitada no início. Na Suécia, se acreditou muito nisso. Mas a tese não foi provada, falhou na experiência real. Tivemos muitas infecções e mortes antes de ter vacina, e antes de ter vacina já estávamos com a segunda onda. Com a variante Ômicron, já tínhamos uma enorme parcela da população vacinada. Muitos se infectaram de novo mesmo vacinados, mas as pessoas não adoeceram gravemente.”
Alexandre Zavascki
Repúdio
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 publicou uma nota de repúdio após a declaração. Veja o manifesto na íntegra:
"A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO-BRASIL) manifesta sua indignação e repúdio às declarações do candidato Onyx Lorenzoni, as quais se inserem no marco da disputa eleitoral para o governo de um estado cuja pandemia vitimou mais de 40 mil pessoas, muitas das quais poderiam estar vivas não fosse a crueldade e incompetência do governo Bolsonaro.
É estarrecedor e assombroso o que o candidato ao Governo do Rio Grande do Sul disse durante o debate da Rede Globo na noite de ontem (27/10) sobre o combate à Covid-19. Para ele, “a melhor vacina que existe é pegar a doença”.
Como ex-ministro e um dos maiores aliados do governo Bolsonaro, Lorenzoni repete inverdades e evidencia a estratégia mortífera de que se valeram o Presidente da República e seus aliados para viabilizar a chamada “imunidade de rebanho por contaminação”.
Após dois anos e 9 meses de pandemia de covid-19, o Brasil se encontra com mais de 688 mil mortos e 34 milhões de sobreviventes da doença, sendo que segundo a OMS, de 10% a 20% apresentam sequelas da Covid Longa. Do total de vítimas fatais, mais de 2500 óbitos são de crianças e adolescentes de até 17 anos que não puderam se vacinar. Das crianças de até 5 anos, os óbitos por covid são o triplo das causas, em uma década, se comparados com outras 14 doenças que podem ser evitadas por vacinação e outras medidas de promoção à saúde por parte do governo.
As falas de Lorenzoni corroboram com o que foi denunciado nas recentes declarações de Andrea Barbosa, ex-esposa de Eduardo Pazuello, o qual esteve à frente do Ministério da Saúde no decorrer da pandemia: existiu no país uma estratégia que, no mínimo, expôs ao risco toda população brasileira.
É por aqueles que poderiam estar vivos e pela paz de espírito dos que continuam vivos que estamos aqui, familiares de vítimas e sobreviventes da Covid-19, em luta constante contra as políticas que consideramos genocidas do atual governo. Nestas eleições apoiaremos criticamente o candidato que se mostra em defesa da vida e da ciência em contraposição ao candidato Onyx Lorenzoni, aquele que representa a morte, o obscuro, a desumanidade.
ELES PODERIAM ESTAR VIVOS!
Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO-BRASIL)"