Quem frequentava academia de ginástica há alguns anos se lembra bem. Em busca da "barriga tanquinho", flexões abdominais eram os exercícios mais praticados.
— Na década de 1990, tinha até campeonato nas academias, chegávamos a fazer mais de 200 abdominais por dia — lembra a personal trainer Evelyn Siqueira.
Professor de Educação Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Marcelo Almeida tem lembrança semelhante.
— Eu dava uma aula coletiva de abdominal e glúteos. Era meia hora só de abdominal — conta.
Essa cultura, porém, parece ter saído de moda. As séries do exercício agora são curtas. A mudança, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, deve-se a avanços na compreensão da biomecânica da coluna, de como os músculos se formam e da contribuição da dieta para a musculatura.
— Não é que saiu de moda, ele continua sendo executado — diz o especialista em fisiologia do exercício da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Maurício dos Santos:
— Mas, com o avanço dos estudos, ficou claro que a quantidade gigantesca do exercício tinha muito pouco efeito e, pior, causava lesões. Houve um aprimoramento da análise do movimento.
As abdominais começaram a se popularizar nos anos 1940, quando o Exército americano as incluiu no treinamento de soldados: os recrutas deviam completar o maior número possível de abdominais em dois minutos. Não era só uma forma de desenvolver força física e construir músculos, mas, sobretudo, de medir essa força.
Como profissionais de educação física costumam se inspirar em treinamentos militares, não demorou para o exercício ganhar escolas e ginásios e academias.
— O teste de abdominais era usado pelas forças militares como prova de proficiência física e se tornou um padrão não apenas no Exército, mas também nas escolas — diz o especialista em fisiologia do exercício Claudio Gil, diretor de pesquisa e educação da Clinimex.
— Nos anos 1980 e 1990 o padrão nas academias era a ginástica localizada, e as aulas tinham muitos abdominais.
Criadores dos principais fundamentos da fisioterapia, os americanos Henry e Florence Kendall foram também pioneiros em determinar que a principal função dos músculos abdominais não é gerar movimento, mas estabilizar a coluna. Juntamente com os músculos dos glúteos, dos quadris e da parte inferior das costas, eles seriam responsáveis pelo alinhamento do corpo, a postura e a proteção dos órgãos internos.
— Havia também outra ideia errada de que se fizéssemos muitas abdominais iríamos queimar a gordura da barriga. Mas os estudos também foram deixando claro que a perda de gordura é total, não local, e que as abdominais estavam longe de ser os melhores exercícios — lembra Almeida.
Dor nas costas
Em 2015, o professor da Universidade de Waterloo, no Canadá, Stuart McGill, especialista em biomecânica, lançou o livro Back Mechanic, em que reunia suas conclusões depois de mais de 30 anos de pesquisa sobre dores nas costas, tornando-se, rapidamente, a grande referência para o problema. Uma das importantes conclusões do livro é que a maioria das pessoas que apresentava lesões crônicas na lombar tinha o hábito de fazer longas séries de abdominais.
McGill explica no livro que, quando uma pessoa curva e tensiona a coluna para deslocar algo pesado, ela tende a impactar de forma negativa os discos intervertebrais. Por essa razão, por exemplo, quem trabalha carregando peso costumam chegar à meia idade com dores de coluna. A única forma de evitar o problema, segundo McGill, é fortalecer todos os músculos do centro do corpo - o core - de forma a proteger a coluna e dividir o esforço com músculos maiores, como os das pernas.
O especialista em biomecânica demonstrou que as abdominais tradicionais violavam esses princípios. Ao levantar toda a parte superior do corpo a partir da posição deitada não é possível reforçar o núcleo do corpo nem transferir parte do esforço para as pernas. Além disso, o exercício é, por natureza, repetitivo.
Atualmente, o core é trabalhado com séries curtas de abdominais com peso progressivo e também com exercícios isométricos e estáticos, como as pranchas. Para quem almeja um "tanquinho", é preciso focar não só no treino correto, mas também na alimentação e na perda de gordura. E não é fácil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.