A família do pequeno Pedro de Lima Pinheiro, de um ano e três meses, corre contra o tempo para tentar encontrar um doador de medula óssea que possa ser compatível para realizar um transplante. O gaúcho de São Leopoldo faz parte do grupo de 650 pacientes que busca um doador fora da família, conforme o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). A estatística aponta que 75% dos pacientes precisam de um doador alternativo, já que apenas 25% conseguem o chamado doador ideal, alguém da própria família.
Os dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) também evidenciam que houve uma queda de 25% na entrada de novos voluntários no cadastro entre 2020 e 2021, ano em que houve uma mudança na legislação, colocando um limite de 35 anos entre os requisitos pela maior taxa de sucesso nos transplantes nessa faixa etária. No Rio Grande do Sul, a queda foi de 23% de novos doadores no mesmo período (veja no gráfico abaixo).
Em razão do tratamento de Pedro contra a leucemia, os pais dele, Suélen Corrêa de Lima Pinheiro, 31 anos, e Alan Marcel de Souza Pinheiro, 35, tomaram uma decisão difícil e hoje vivem em Estados diferentes. Enquanto Suélen fica em Curitiba, no Paraná, para acompanhar Pedro no Hospital Erastinho, Alan trabalha e mora em Joinville, em Santa Catarina, com a outra filha do casal, Manuela, de cinco anos.
Pedro foi diagnosticado ainda bebê, nos primeiros meses de vida. Nas palavras da mãe, foi "um simples azar". Com 50% de compatibilidade, o pai chegou a fazer o transplante de medula, mas não deu certo.
— Infelizmente houve rejeição, e a gente foi comunicado que precisa de um segundo transplante. Aí nosso problema maior começa nesse momento, pois o meu esposo já foi o doador com 50% de compatibilidade porque não havia um 100% compatível no banco de dados. E aí a gente ficou sabendo que precisava de um doador que não existia — desabafa Suélen.
A angústia aumenta diariamente porque a procura por alguém compatível é urgente, conforme explica o médico Gilberto Comaru Pasqualotto, oncologista pediátrico que acompanha o caso. Além de lidar com a doença, a busca por um voluntário pode ser difícil, especialmente em casos como o de Pedro, em que é preciso localizar alguém fora da família.
— Agora ele está numa situação de aplasia de medula (diminuição da produção das células sanguíneas), em que fica dependente de transfusões de sangue, de plaquetas e com risco cada vez maior de adquirir uma infecção grave. Então ele não pode ter alta do hospital até que se resolva isso, ele precisa de um novo transplante — explica Pasqualotto.
A esperança da família de Pedro é incentivar pessoas entre 18 até 35 anos a entrarem no cadastro do Redome (veja abaixo como). Diferentemente da doação de órgãos, não há uma fila para conseguir um doador de medula óssea, já que depende de características genéticas. O Brasil, inclusive, é o terceiro país com maior número de voluntários cadastrados, perdendo apenas para Estados Unidos e Alemanha.
O Redome conta com mais de 5,5 milhões de pessoas que podem ajudar pacientes de todos os Estados e até de outros países, como foi o caso de Nairo Fernandes Sanches, 52 anos. O corretor de imóveis de Porto Alegre é um dos 366.680 gaúchos que fazem parte do cadastro. Ele doou a medula para uma menina da Argentina, em 2013.
— O nome dela é Dulce, e na época ela tinha quatro anos de idade. Hoje ela tem 11. (...). É uma família que nós temos na Argentina, e foi um prazer imenso doar a medula.
Segundo o Inca, o transplante de medula óssea pode beneficiar o tratamento de cerca de 80 doenças em diferentes estágios e faixas etárias.
Dificuldades
Apesar da estimativa de mais de 39 milhões de voluntários em todo o mundo, cerca de 10% das pessoas que precisam de transplante não têm um doador compatível, segundo Danielli de Oliveira, médica e coordenadora técnica do Redome.
— Mesmo onde existem mais doadores, há pacientes que têm dificuldade de encontrar um, por uma característica genética e ancestralidade — explica.
A especialista chama a atenção que um dos maiores desafios é o fato de o cadastro ser a longo prazo, o que dificulta a localização de algumas pessoas que se registraram e não atualizaram mais informações de contato. Ela enfatiza que o processo para modificar os dados é simples e pode ser feito no site ou no aplicativo do Redome.
Quem pode ajudar
Para entrar no registro como voluntário no Brasil é preciso ter entre 18 e 35 anos de idade. De acordo com Danielli, o limite de idade é recente. Em junho de 2021, o Ministério da Saúde editou uma portaria alterando a legislação.
— O que acontece é que publicações científicas mais recentes vêm mostrando que quanto mais jovem o doador, melhor o resultado para o paciente. Além de ser melhor para quem doa, porque os mais velhos podem ter questões de saúde que comprometem a própria doação — esclarece.
Apesar da regra, o doador ainda pode ser chamado para ajudar até os 60 anos. Danielli explica que a probabilidade de isso acontecer é menor em razão de complicações da idade que podem oferecer riscos à doação. Antes da alteração, era permitido se registrar até os 55 anos. Quem já se registrou, mesmo acima dos 35 anos, permanece com o cadastro ativo, segundo o Ministério da Saúde.
O que acontece se eu for chamado?
O médico regulador e coordenador adjunto da Central Estadual de Transplantes, Rogério Caruso, explica que é feito um novo teste para confirmar se a compatibilidade permanece, já que pode haver mudanças com o passar dos anos. O doador também passa por outros exames para garantir suas condições de saúde e aptidão para passar pelo procedimento.
Conforme Caruso, a coleta mais comum de medula óssea é realizada no osso da bacia através de pulsões. Para isso, é aplicada uma anestesia geral ou raquidiana (que bloqueia temporariamente a sensibilidade de uma parte específica do corpo).
"Minha mãe me deu a vida de novo"
Em 2018, Rafaela da Silva Aguirre, 24 anos, foi jogar futebol com a irmã quando sentiu um cansaço extremo e um gosto ruim na boca. Na hora, a moradora de São Jerônimo, na Região Metropolitana, não se preocupou muito, mas o problema continuou afetando sua disposição. Ela percebeu que a execução de tarefas simples, como se deslocar até o banheiro, ficou bastante exaustiva.
O diagnóstico foi difícil de receber: câncer. Mesmo assim, Rafaela não se entregou para a doença de nome longo: leucemia linfoblastica aguda (LLA) tipo B.
— Eu nunca me deixei abalar. Eu sabia que era câncer, mas eu botava na minha cabeça que era uma doença qualquer, que ia passar. Nunca pensei que eu ia morrer. Eu sempre tentava ter a maior força possível, sempre sorrindo, porque se eu me deixasse abalar ia ser pior para mim.
Após a quimioterapia, Rafaela precisou de um transplante. A mãe da jovem, Vanda Leci da Silva Aguirre, 54 anos, decidiu tentar. Ao contrário de casos como o de Pedro, o transplante de medula ocorreu com a doação de um familiar.
— Fizeram o teste em mim, e para a minha surpresa eu era 50% compatível e podia ser a doadora. Daí foi só felicidade (...). Bateu aquele desespero que eu ia perder ela, mas na verdade ela que me deu força — conta Vanda.
O transplante ocorreu em 2020 e foi um sucesso. Dois anos depois, Rafaela está recuperada. Hoje, mãe e filha celebram essa etapa difícil e a consideram uma forma de renascimento.
— Graças a Deus a minha mãe doou para mim, me deu a vida de novo e deu tudo certo. Já faz dois anos que eu sou transplantada e em todo esse período foram muito importantes as pessoas que doaram sangue, não só pra mim, mas para todos os pacientes. Se não fossem eles, eu não estaria aqui — salienta Rafaela.
Em tratamento no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Débora Elen Moraes, 20 anos, é outra paciente que conseguiu um doador dentro da própria família. Diagnosticada com leucemia linfoblastica aguda (LLA), em agosto de 2019, a jovem conta que teve que adaptar sua vida diante da doença. Débora tentou fazer os trabalhos da escola no hospital, mas foi ficando difícil de acompanhar.
No início, a indicação médica para o seu caso era fazer quimioterapia, mas houve uma mudança. Ela conta que o nível de toxicidade de seu sistema imunológico começou a trazer complicações que prejudicaram, por exemplo, a capacidade motora. Com a necessidade de um transplante de medula, a família se mobilizou e recebeu a melhor notícia: o irmão de Débora era compatível.
— Eu fiz o meu transplante, foi em outubro de 2021. O meu doador foi o meu irmão mais velho. Ele ficou muito feliz em poder me ajudar. E eu sou muito grata a ele, porque realmente, sabe... eu renasci.
Como se cadastrar para ser um doador de medula óssea
Quais são os requisitos?
- Ter entre 18 e 35 anos de idade;
- Apresentar documento oficial de identidade com foto;
- Estar em bom estado geral de saúde;
- Não ter doença infecciosa ou incapacitante;
- Não apresentar doença neoplásica (câncer), hematológica (do sangue) ou do sistema imunológico;
- Há outras complicações de saúde que não são impeditivas para doação, sendo analisado caso a caso
Como é feito o cadastro?
- O voluntário assina um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e preenche uma ficha com informações pessoais;
- Será retirada uma pequena quantidade de sangue do candidato para a identificar suas características genéticas
Onde posso fazer?
Veja abaixo os locais no Estado onde é possível fazer o cadastro para ser um doador:
Hemocentro do Estado do Rio Grande do Sul
- Endereço: Av. Bento Gonçalves, 3.722, Partenon, Porto Alegre
- Telefone: (51) 3336-6755
- E-mail: hemorgs@saude.rs.gov.br
- Horário de funcionamento: para cadastro de doador de medula óssea o atendimento é de segunda à sexta feira das 8h às 15h.
Hemocentro Regional de Passo Fundo
- Endereço: Av. Sete de Setembro,1055, Centro, Passo Fundo
- Telefone: (54) 3311-5555
- E-mail: hemopasso@saude.rs.gov.br
- Horário de funcionamento: para cadastro de doador de medula óssea é de segunda a sexta, das 8h às 13h30min, e aos sábados das 7h às 11h (com agendamento prévio pelo telefone: (54) 3311-1427.
Hemocentro Regional de Pelotas
- Endereço: Av. Bento Gonçalves, 4569, Centro, Pelotas
- Telefone: (53) 3222-3002
- E-mail: hemopel@saude.rs.gov.br
- Horário de funcionamento: para cadastro de doador de medula óssea é de segunda a sexta das 8h às 18h e no primeiro sábado do mês das 8h às 13h.
Hemocentro Regional de Santa Maria
- Endereço: Rua Alameda Santiago do Chile, 35, Bairro Nossa Senhora d e Lourdes, Santa Maria
- Telefone: (55) 3221-5262 ou 3221-5192
- E-mail: hemosm-adm@saude.rs.gov.br
- Horário de funcionamento: para cadastro de doador de medula óssea é de segunda a sexta das 8h às 14h e no terceiro sábado do mês das 8h às 12h.
Hemocentro Regional de Cruz Alta
- Endereço: Rua Barão do Rio Branco, 1445, Cruz Alta
- Telefone: (55) 3326-3168
- E-mail: hemocruz@saude.rs.gov.br
- Horário de funcionamento para cadastro de doador de medula óssea é de segunda a sexta das 7h30min às 11h30min
Hemocentro Regional de Caxias do Sul
- Endereço: Rua Ernesto Alves, 2260, Centro, Caxias do Sul
- Telefone: (54) 3290-4536 ou 3290-4543
- E-mail: hemocsadm@caxias.rs.gov.br
- Horário de funcionamento para cadastro de doador de medula óssea é de segunda a sexta das 8h30min às 17h
Hemocentro Regional de Alegrete
- Endereço: Rua General Sampaio, 10, bairro Canudos, Alegrete
- Telefone: (55) 3426-4127
- E-mail: hemoeste@alegrete.rs.gov.br
- Horário de funcionamento para cadastro de doador de medula óssea é nas segundas, terças, quintas e sextas das 7h30min às 14h30min. Nas quartas, das 8h às 14h
Hemocentro Regional de Santa Rosa
- Endereço: Rua Boa Vista, 401, Centro, Santa Rosa
- Telefone: (55) 3513-5140
- E-mail: hemocentrosantarosa@yahoo.com.br
- Horário de funcionamento para cadastro de doador de medula óssea: de segunda a quinta das 7h30min às 11h e das 13h30min às 17h
Hospital de Clínicas de Porto Alegre
- Endereço: Rua São Manoel, 543, Rio Branco, Porto Alegre
- Telefone: (51) 3359-8504
- Horário de funcionamento para cadastro de doador de medula óssea: de segunda a sexta das 8h às 15h
Hospital Nossa Senhora da Conceição
- Endereço: Avenida Francisco Trein, 596, Cristo Redentor, Porto Alegre
- Telefone: (51) 3357-2139
- Horário de funcionamento para cadastro de doador de medula óssea: terças e quintas, das 9h às 11h e das 14h às 16h.