Por vários meses, o Rio Grande do Sul permaneceu na confortável posição de segundo Estado com melhor cobertura de duas doses de vacina contra a covid-19. Todavia, estagnou no fim do ano passado e caiu para a sétima posição. A piora ocorre por desinformação, pouco receio da doença e sensação de fim de pandemia, dizem autoridades ouvidas por GZH.
Mais de 75% dos gaúchos estão vacinados com duas doses, índice superior ao de países ricos. Tradicionalmente, o Estado costuma ter altíssima vacinação no comparativo ao resto do país. Mas, se meses atrás o Rio Grande do Sul estava apenas atrás de São Paulo, agora foi ultrapassado também por Piauí, Paraíba, Paraná, Ceará e Santa Catarina.
Entre adultos gaúchos, 90,8% estão com duas doses, nível considerado alto. Entretanto, apenas 64% dos adolescentes e 5% das crianças completaram o esquema primário, de acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS). A meta do Ministério da Saúde é imunizar 90% dos habitantes aptos à vacinação.
Nesta quarta-feira (16), 683 mil gaúchos estavam com segunda dose atrasada e mais de 3 milhões já poderiam, mas não haviam tomado o reforço. A maior parte de quem está com segunda dose atrasada é composta por jovens de 15 a 29 anos.
— Durante muito tempo, o Rio Grande do Sul esteve entre os Estados com melhor cobertura vacinal de duas doses, mas estagnou, e cada vez mais Estados passam nossos números. Falta comunicação mais forte do governo estadual e das prefeituras para estimular a vacinação. Infraestrutura para vacinar temos, pessoal capacitado temos, vacinas temos. O que atrapalha é a falsa sensação de que a pandemia terminou, além da desinformação — diz Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e médico em Porto Alegre.
Para Tani Ranieri, chefe da Vigilância em Saúde do governo do Estado, a perda de posições do Rio Grande do Sul no ranking nacional de duas doses ocorre devido à abstenção de adolescentes, que se sentem menos ameaçados pela covid-19.
— Nossa cobertura vacinal para segunda dose na população acima de 18 anos é de 90%, o que é excelente, mas em adolescentes está bem baixa. E temos um reflexo, sentido também a nível nacional, da onda de adolescentes e adultos jovens que contraíram covid, o que atrasou a segunda dose em 30 dias. Também existe a falsa ilusão nas pessoas de que, se tiveram covid, estão protegidas, o que é inverdade, porque a proteção da vacina é muito maior do que a adquirida pela infecção — analisa Ranieri.
Na dose de reforço, o Rio Grande do Sul tem a segunda melhor cobertura do país, mas em nível baixo: 35% dos gaúchos (os dados mudam em relação às estatísticas comparadas nacionalmente porque há atraso na notificação de sistemas). A abstenção é mais crítica entre indivíduos dos 25 a 39 anos, um pouco mais velhos do que quem está com atraso na segunda dose.
Na avaliação de Tani Ranieri, o principal gargalo gaúcho na vacinação é o grande número de pessoas com terceira dose em atraso. Ela diz que, além de sensação de fim de pandemia, há desconhecimento sobre a necessidade do reforço. Para resolver o problema, a Secretaria Estadual da Saúde discute a criação de uma campanha de conscientização sobre a importância da terceira aplicação.
— O esquema vacinal completo não é de duas doses, é de três doses, tirando a Janssen. Mas esse entendimento não está ocorrendo por parte da população. Entre essas 3 milhões de pessoas que não tomaram o reforço, há grande percentual de indivíduos que desconhece a necessidade de completar seu esquema vacinal. Isso é grave, é a terceira dose que garante a manutenção da imunidade para ter grande proteção quando a pessoa for infectada — diz Ranieri.
Já para o presidente do Conselho dos Secretários Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS), Maicon Lemos, o principal gargalo são os mais de 600 mil gaúchos com segunda dose atrasada. Ele destaca que prefeituras realizaram mutirão para registrar no sistema as doses aplicadas, portanto, não há problema de represamento e dados atrasados.
— Antes de avançar para a dose de reforço, é importante vencer a barreira da segunda dose. Há quantitativo expressivo de pessoas que não foram se vacinar, seja por reação à primeira dose, por não ter tido tempo ou pela percepção de que a pandemia passou. O que nos preocupa é a adesão de adultos jovens, população economicamente ativa. Mas municípios colocam vacina de noite, sábado e, muitos, aos domingos — afirma Lemos, destacando que autoridades organizam um “Dia D” para vacinar adultos.
Estado e prefeituras afirmam que não há falta de vacinas. Questionada, Tani Ranieri, porta-voz da Secretaria Estadual da Saúde, afirma que o Rio Grande do Sul, assim como outros Estados, não possui doses de estoque para vacinar crianças a partir de três anos com a CoronaVac, caso a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) libere a aplicação. Para iniciar a nova faixa etária, será necessário o envio de doses pelo governo federal.
— Com a liberação da vacinação de crianças com cinco anos ou mais, o Ministério da Saúde perguntou aos Estados se havia estoque de CoronaVac para vaciná-las. Tínhamos estoque significativo e fizemos uso — afirma a porta-voz do governo do Estado.
Quarta dose
Maicon Lemos, presidente do Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul, acrescenta que gestores aguardam o anúncio do Ministério da Saúde para a quarta dose, ainda neste ano.
— A vacina da covid deve ter, minimamente, um reforço anual, assim como a vacina da gripe. O vírus da influenza muda todos os anos, e o da covid, provavelmente, também — diz Lemos.