O recém-empossado presidente do IPE Saúde, Bruno Jatene, aponta o corte de despesas do plano médico dos servidores públicos estaduais como o principal desafio da sua gestão. Em um momento no qual o instituto enfrenta grave crise, com dívida de R$ 1,06 bilhão com hospitais e clínicas, Jatene avalia que o nível de gastos do IPE Saúde, e a velocidade do seu crescimento, estão em patamar que “não deveria ser aceitável”.
De perfil técnico e apegado aos detalhes, Jatene diz que o crescimento da receita também será perseguido, inclusive admitindo as hipóteses de aumento de alíquota de segurados ou cobranças diferenciadas por risco de sinistralidade, mas somente num segundo momento.
A prioritária redução de gastos começou a ser implantada antes da posse de Jatene, com a adoção de novas tabelas de remunerações para órteses, próteses e dietas, reduzindo o valor pago aos prestadores de serviço pelo atendimento a segurados nesses itens. Agora, caberá ao presidente levar a cabo a atualização dos preços pelo uso de medicamentos, também com redução de valores — essa nova referência teve sua entrada em vigor adiada, após entidades de hospitais se rebelarem e ameaçarem com o rompimento de contratos.
Jatene diz que pretende apresentar outras ações em abril:
— O IPE Saúde vive momento que exige medidas estruturantes. A primeira frente que estamos atacando é a da despesa. Não estamos ainda atacando a frente da receita. A despesa é onde enxergamos o maior reduto de problemas. Só nisso que listamos (redução de tabelas de órteses, próteses, dietas e, agora, dos medicamentos), a expectativa de redução de despesa fica entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões por ano.
A economia é significativa, entende o presidente, mas ainda terá de ser cotejada com a revisão das tabelas de preços de diárias e taxas, com correção de valores pagos aos prestadores de serviço para cima. Essa medida foi anunciada para acalmar as entidades hospitalares e ajustar a precificação de referências que não tinham correção há mais de uma década.
A análise de Jatene, no item da velocidade do crescimento de despesa, encontra guarida nos números. Na comparação entre 2020 e 2021, as receitas cresceram R$ 22 milhões e as despesas aumentaram R$ 419,1 milhões. O IPE Saúde historicamente tem mais contas a pagar do que recursos em caixa (2020 foi uma exceção recente), mas o cenário de 2021 exorbitou o tradicional por causa da pandemia. Somente em gastos atrelados à Classificação Internacional de Doenças (CID) do coronavírus, os gastos no ano passado foram de R$ 186,8 milhões. No mesmo período, também houve um estouro de pessoas em busca de consultas, exames, tratamentos e procedimentos eletivos que haviam sido suspensos ou adiados em 2020, período de maiores restrições à circulação.
— As contas apresentadas (faturas dos prestadores de serviços médicos e hospitalares) cresceram (cerca de) meio bilhão em 2021, comparando com 2020. Não só de coronavírus, mas de tudo — diz o presidente.
O fato de o Estado não ter feito repasses extraordinários ao IPE Saúde para aplacar os impactos da pandemia é objeto de crítica de entidades de servidores públicos. O governo estadual rebate dizendo que, entre 2020 e 2021, pagou quatro cotas patronais atrasadas e que foram deixadas por governos anteriores, no valor total de cerca de R$ 200 milhões.
A pirâmide etária dos segurados do IPE Saúde mostra outro desafio à viabilidade financeira. Os usuários com mais de 59 anos são 31% dos usuários, o dobro do índice dos planos privados. Nessa faixa etária, a sinistralidade — relação entre o que o segurado paga e o que ele gera de gasto — é maior devido à necessidade frequente de atendimento. A segunda maior fatia (16,85%) de vínculos do IPE Saúde é com jovens de zero a 18 anos. No plano público, é um grupo majoritariamente formado por dependentes que não recolhem contribuição ao instituto.
— Normalmente, o nosso plano já é mais barato do que um privado. Mas ele vai ficando muito mais barato quando a idade vai aumentando. Uma pessoa de 60 anos, hoje, se for fazer um plano privado, não vai pagar menos do que R$ 1,2 mil ou R$ 1,5 mil. Se a gente pegar no Estado uma pessoa que ganha R$ 10 mil de salário bruto, o recolhimento dela no plano principal do IPE Saúde será de R$ 310 (a alíquota é de 3,1%). Essa conta não fecha — diz Jatene.
Nesse terreno, ele considera necessário aumentar a receita do IPE Saúde, embora sempre enfatize que isso é matéria para o segundo tempo. Sobre crescimento de receitas, Jatene deixa a porta aberta para todas as hipóteses, desde aumento de alíquota até cobrança diferenciada para grupos que representam maior sinistralidade.
— Não vou antecipar que haverá alguma alteração de 3,1% para outro percentual (de alíquota) para melhorar a fonte de financiamento. Ainda é incipiente qualquer estudo. Talvez a gente tenha alguma coisa nesse sentido ainda neste ano. A reestruturação completa exige isso. Não descarto pensar em uma situação em que se reformule o percentual ou se trabalhe com escalas de faixas etárias diferentes — diz.
Jatene evita comentar o assunto para além de bases numéricas, mas ampliar a cobrança sobre os servidores é um problema político, já que a maioria das categorias do funcionalismo está sem receber revisão salarial desde 2015. Até por esse aspecto, a decisão de Jatene de começar o combate pela despesa mostra-se o mais viável politicamente, apesar do abalo já na relação com os hospitais.
— A reestruturação do IPE Saúde não é simples como se desenha, no sentido de que seria simplesmente aumentar a folha salarial (o que aumentaria a arrecadação) para poder cobrir, porque a despesa também poderia continuar aumentando — afirma.
Em entrevista de mais de duas horas, Jatene esteve rodeado por quatro quadros técnicos do IPE Saúde. Com o auxílio deles, apesar do pouco tempo à frente do instituto, já domina números e situações. É enfático ao afirmar que o Estado está em dia com as contribuições patronais desde novembro de 2021 e diz que o setor de auditoria, responsável pela liberação de procedimentos e verificação da correção das cobranças, será reforçado.
O IPE Saúde deverá contratar, ainda neste ano, 95 novos servidores aprovados em concurso público que está em processo de homologação. A nomeação somente poderá ocorrer após a adesão definitiva do Estado ao regime de recuperação fiscal.
Por último, e não menos enfático, repeliu qualquer hipótese de o IPE Saúde ser privatizado pelo governo Eduardo Leite.
— Em momento algum isso foi colocado, de que seria privatizado, deixaria de ser público ou teria tratamento de sucateamento. Pelo contrário, o governador sabe da importância do IPE Saúde. Venho com a missão de reestruturar, valorizando a equipe que temos aqui —assegurou Jatene, do 10º andar do prédio envidraçado da Avenida Borges de Medeiros, sede do plano de saúde.
Composição de receitas do IPE Saúde
- Os servidores estaduais segurados do IPE Saúde recolhem 3,1% dos salários brutos por mês para o instituto. O governo estadual recolhe a cota patronal em igual percentual e valor. Essas duas contribuições somadas, dos servidores e do governo, rendem cerca de R$ 100 milhões ao mês
- Os dependentes dos servidores públicos que são segurados pelo IPE Saúde não pagam contribuição ordinária mensal
- O IPE Saúde tem, atualmente, contratos para assistir servidores de 304 prefeituras e Câmaras de Vereadores. Esse nicho gerou, em 2021, receitas de R$ 34,5 milhões e despesas de R$ 28 milhões
- Também há outras duas classes de segurados. Uma delas é o “optante”, que deixou o serviço público e optou por permanecer vinculado ao IPE Saúde, com adesão a um plano específico. E o Plano de Assistência Médica Complementar (PAC), destinado a segurar jovens que perderam a condição de dependentes e que desejam manter o vínculo em plano específico
- A coparticipação paga por titulares e dependentes por consultas e exames não é receita do IPE Saúde. O valor é diretamente repassado aos prestadores de serviços médicos. Na coparticipação, os servidores públicos são distribuídos em categorias que vão do 1 ao 5, conforme a faixa salarial. Quanto mais alta a remuneração, maior a coparticipação. No caso das consultas, esse pagamento adicional varia de R$ 9 (categoria 1) a R$ 28 (categoria 5)
Segurados do IPE Saúde
- O plano de saúde possui 985.305 mil usuários (dado de janeiro de 2022)
- No chamado plano principal, estão segurados 323.613 mil servidores estaduais. Os seus dependentes são 257.496 mil. Isso totaliza 581.109 mil usuários
- Depois, são 194.608 mil usuários em contratos com prefeituras, Câmaras de Vereadores e autarquias
- Outros 31.929 mil são optantes
- E, por fim, 177.659 mil são do Plano de Assistência Médica Complementar (PAC)