Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine traz uma ótima notícia para o tratamento do câncer de mama, com ênfase no tipo HER2+, que é um dos mais agressivos e incide em 20% das mulheres do mundo. Uma nova droga, chamada Trastuzumabe-Deruxtecan, é considerada revolucionária pela eficácia entre os meios já disponíveis e pela redução dos efeitos colaterais.
Conforme a publicação, entre 524 pacientes selecionados aleatoriamente que receberam a medicação, 75,8% não tiveram progressão da doença em 12 meses. Além disso, houve redução dos efeitos adversos: menos queda dos cabelos, menos dores no corpo e cansaço e menor toxicidade, o que permite seguir com o tratamento por mais tempo. Os testes foram realizados em vários países, como Estados Unidos, Japão, China, Coreia do Sul, Espanha e o Brasil, que tem participantes no Hospital Conceição, em Porto Alegre.
Aprovada pela Anvisa, a Deruxtecan foi testada em pacientes que estão em fase de metástase, ou seja, quando a doença já se espalhou para outras partes do corpo, além da mama. Para o pesquisador do Serviço de Mastologia e Pesquisa Clínica do Hospital Conceição, José Luiz Pedrini, estes são casos em que a chance de cura é praticamente nula com os recursos disponíveis hoje.
— Eu faço pesquisa clínica há 23 anos. Eu nunca vi uma potência de droga desse tamanho preservando a integridade física do indivíduo — afirma Pedrini.
O profissional explica que esta é uma medicação autodirigida, formada por uma vacina (anticorpo) e um composto quimioterápico, que atacam diretamente a célula com o tumor, quebrando a cadeia do DNA responsável pela reprodução de outras células cancerígenas. O mastologista é um dos autores do estudo e coordenou a participação do Brasil na experiência, que envolve outros países.
Para participar do estudo, foram selecionadas voluntárias que passaram por pelo menos dois tipos de tratamentos anti-HER, sem sucesso. Elas recebem a droga a cada 21 dias e seguem com o procedimento enquanto houver efeito. A duração da aplicação na veia dura em média 30 minutos.
No Hospital Conceição, em Porto Alegre, 17 pacientes participaram do experimento. Dez delas tomaram a nova medicação. Destas, sete tiveram ótimos resultados e seguem em acompanhamento há cerca de dois anos.
A moradora de Campo Bom Carmine Carina da Silva Dutra, 36 anos, é uma das voluntárias que permanecem na pesquisa. A autônoma foi diagnosticada em 2018, após descobrir um caroço no seio enquanto amamentava a filha, hoje com cinco anos. Carmine chegou a ouvir que não havia mais o que ser feito no seu caso e queria parar com os exames. Ela relata que procura não saber detalhes de seu diagnóstico atualmente, mas sabe ter metástase nos ossos, coluna e pulmão.
A paciente entrou no experimento no Hospital Conceição no final de 2019, depois de ter não ter respondido aos tratamentos que vinha realizando pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados com a nova medicação já apareceram logo no começo.
— Não conseguia tossir, nem espirrar. Hoje, eu convivo (com o câncer) sem dor, Em dez dias da primeira aplicação, eu não tive mais dores — recorda Carmine, que também comemorou que o tratamento permitiu que voltasse a pegar a filha no colo sem sentir as lesões.
Outra paciente que está no grupo é Jaqueline dos Santos, 38 anos. Seu primeiro diagnóstico de câncer de mama veio em 2019, após exames. A voluntária passou por quimioterapia, radioterapia e fez cirurgias pelo SUS. O tratamento com a nova droga iniciou em 2020 após o terceiro diagnóstico, com o aparecimento de mais nódulos.
— Com seis meses de tratamento, ela já deu resultado. Desde início de 2021, eu já tenho a doença estabilizada, não tenho mais nada de nódulos, mas preciso continuar com essa medicação nova — conta.
Pesquisa vai ser ampliada
Os pesquisadores já começaram a ampliar as análises para outros tipos de câncer de mama, como o HER2-low. Com isso, Pedrini estima que mais da metade das mulheres que precisam deste tipo de droga poderão ser contempladas futuramente.
A terceira fase da pesquisa, prevista para iniciar em abril, terá ênfase nas pacientes que ainda não fizeram nenhum tratamento e vão fazer a cirurgia. Esses são os casos considerados curáveis e que também poderão se beneficiar com o novo tratamento nos próximos anos.
— Possivelmente, no futuro, nós substituiremos essas quimioterapias tradicionais em que cai cabelo, unha, sobrancelha, enfim... dão muita diarreia, vômito e outras coisas, por essas novas medicações que, além de não cair o cabelo, também têm poucas reações adversas no organismo. Estamos marchando para um tipo de tratamento autodirigido, que destrói a célula tumoral e preserva ao máximo possível a integridade da pessoa — projeta o médico.
O mastologista afirma que alguns planos de saúde já estão começando a oferecer o tratamento. De acordo com ele, uma ampola custa em média R$ 15 mil e uma pessoa precisa de mais de uma conforme o peso. O preço elevado faz com que a droga ainda não esteja disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, quem tem acesso são as voluntárias da pesquisa e aquelas que conseguem judicialmente.
Para a presidente do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama) e da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Maira Caleffi, esse é o desafio atual para fazer com que esses novos tratamentos cheguem às pacientes que não têm recursos financeiros.
— Para a metastática (HER2+), ela é muito importante. É uma esperança, uma linha de tratamento que estava sendo esperada pelos médicos. Nós precisamos começar a ter acesso, porque provavelmente ela vai crescer a importância nos próximos anos — comenta Maira, que também é chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento.
O Rio Grande do Sul tem uma taxa de mortalidade por câncer de mama estimada em 18,49 casos para cada 100 mil mulheres, conforme o levantamento realizado em 2019 e divulgado no ano passado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). A doença é a primeira causa de morte por câncer na população feminina em todas as regiões do Brasil, com exceção da Norte, que tem o câncer do colo do útero na primeira posição.