Ainda nos primeiros meses da pandemia, especialistas alertavam sobre o impacto que a circulação do coronavírus teria sobre o tratamento de outras doenças, como o câncer de mama - que, se diagnosticado precocemente, tem grandes chances de cura. Um ano e meio depois, é possível verificar que, de fato, a procura pelos exames para detecção da doença caiu no Rio Grande do Sul em 2020, mas volta a crescer em 2021 com a atual situação epidemiológica e com o aumento dos índices de vacinação contra a covid-19.
Para melhorar ainda mais esse cenário, o movimento do Outubro Rosa, apoiado por órgãos de saúde e instituições independentes, busca trazer as mulheres de volta à rede de saúde.
De 2019 para 2020, o número de exames para diagnóstico do câncer de mama pelo SUS caiu 34,56% no Rio Grande do Sul no período de janeiro a julho. Só a quantidade de mamografias bilaterais para rastreamento, procedimento mais procurado, teve queda de 39,13%. Os dados foram informados pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) com base em sistema federal.
Se o impacto foi negativo por conta da pandemia, 2021 já mostra uma virada de chave: no mesmo período, de janeiro a julho, a quantidade de exames para diagnóstico da doença já cresceu 19,87% - número ainda maior quando analisadas somente as mamografias bilaterais para rastreamento, que já tiveram aumento de 21,76%. O total de exames realizados neste ano já chega a 184,9 mil e equivale a 78,43% do realizado em 2019, em um cenário pré-pandemia, no mesmo período.
A mesma curva pode ser observada em Porto Alegre no que se refere aos exames para detecção do câncer de mama realizados pelo SUS. Dados repassados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com base em sistema federal, apontam que a queda de 2019 para 2020 foi de 67,63%, no período de janeiro a agosto. A retomada em 2021 já traz 1,8 mil exames e um aumento de 141,47% no mesmo período, em relação ao ano anterior.
A coordenadora da equipe de Doenças e Agravos Não Transmissíveis da Diretoria de Vigilância em Saúde da Capital, Francilene Rainone, aponta um conjunto de fatores para o retorno de mulheres à rede de saúde pública. Além da demanda espontânea e da diminuição das restrições por causa da melhora da pandemia, há o fato de que muitas estão procurando atendimento por outros motivos e acabam sendo encaminhadas para exames de câncer de mama:
— As pessoas vão para uma outra consulta e o médico avalia o câncer. Vão procurar a rede de saúde por algo que está acontecendo com elas, e não por prevenção e check up. Isso acontece com o câncer de mama também.
Além disso, parte das mulheres busca postos de saúde ou hospitais porque está sentindo dor ou percebe um caroço na mama, o que indica sintomas graves. Essa é uma das consequências do diagnóstico tardio da doença, como alerta a presidente do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama) e chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento, Maira Caleffi.
— No caso do SUS, a gente tem visto que elas procuram as emergências já com sintomas de longo prazo, preocupadas porque está doendo ou porque têm tumores grandes. Há pessoas acima de 60 anos que não saíram de casa mesmo, e esses casos estão bem mais avançados, com outros problemas de saúde também descontrolados — lamenta a médica, que também é presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama).
Necessidade de retorno
A SES orienta que os municípios intensifiquem procedimentos como mamografias e exames citopatológicos, de prevenção do câncer de colo do útero, e que voltem ações à promoção global da saúde das mulheres. Os agentes comunitários que atuam na atenção primária devem fazer a busca ativa de mulheres das faixas etárias de rastreamento ou que estejam com exames de rotina atrasados.
Outra iniciativa prevista é a ampliação do uso do atendimento do Telessaúde/RS-UFRGS por meio do telefone 0800-644-6543, para discussão de caso e qualificação do encaminhamento no sistema de regulação de consultas especializadas.
Em Porto Alegre, a SMS intensificou a busca ativa: antes, a busca de mulheres com exames alterados levava até 60 dias, e, agora, está sendo feita semanalmente. Quando uma paciente faz algum exame que tem resultado alterado, as equipes contatam a unidade de saúde da região onde ela mora e pedem para que entrem em contato com a pessoa.
— A gente envia para a unidade de saúde da região dizendo que existe uma mulher de endereço "tal", nome "tal", CPF "tal" que tem um exame alterado. E pede que faça uma busca ativa. Com isso, sim, eu acho que a gente está incidindo na pandemia, de ir atrás da pessoa que tem exame alterado e fazer busca ativa nas unidades. É o mais próximo que a gente está conseguindo fazer para reverter essa situação — explica Francilene.
O número de casos de câncer de mama diagnosticados em Porto Alegre diminuiu nos últimos anos. No período de janeiro a agosto, foram 459 em 2019, 367 em 2020 e 248 em 2021. A expectativa é de que, com a volta da demanda por exames de diagnóstico, os casos confirmados voltem a aumentar.
O número de procedimentos para a retirada do câncer de mama, que não é necessário em todos os casos, também diminuiu na Capital: no mesmo período, foram 88 em 2019, 54 em 2020 e 35 neste ano. Já no Estado, foram 709 em 2019 e 711 em 2020 no período de janeiro a julho, número que baixou para 518 em 2021.
Autoconhecimento
A Sociedade Brasileira de Mastologia tem indicado que mulheres que não estão com os exames em atraso aguardem quatro semanas para fazer mamografias, ultrassonografias e ressonância magnética das mamas após a vacinação contra a covid-19. A recomendação ocorre porque o imunizante pode causar inchaço passageiro de gânglios embaixo do braço. No entanto, mulheres com câncer diagnosticado ou com sintomas graves não devem retardar seu tratamento.
Presidente do Imama, Maira destaca a necessidade de as mulheres conhecerem sua mama e seus fatores de risco. O autoconhecimento vai além do autoexame e deve incluir outros aspectos da vida da mulher.
— Nesses últimos dois anos, todo mundo engordou, a maioria das pessoas não fez exercícios físicos, aumentou o consumo de bebida alcoólica. Tudo isso aumenta o risco. Então o autoconhecimento é mais do que somente examinar suas mamas. Precisa entrar na cultura das mulheres que esse controle está nas mãos delas. A detecção precoce do câncer de mama é a única maneira real que a gente tem de impactar na mortalidade e de aumentar as chances de cura — diz a médica.
A campanha do Outubro Rosa deste ano destaca a prevenção em três perguntas: Você já fez sua mamografia este ano? Você tem controlado seu peso? Você tem feito atividade física regularmente? Para Maira, a provocação é essencial:
— Essa conversa pode salvar uma vida.