De outubro a outubro, um ano se passou. O tratamento mais pesado, com químio e radioterapia acabou. E eu continuei. Subiram as letrinhas do fim do filme e, como protagonista da minha própria história, segui em cena me perguntando: o que vem depois?
O novo cabelo cacheado cresce sem parar e dá a dimensão do tempo. Que corre. Rapidamente saí do momento do diagnóstico, em que a ordem era “enfrente!”, para o novo convite: seguir “em frente”.
A dimensão da vida muda quando a nossa vulnerabilidade aparece em sua forma mais material, como acontece em situações delicadas de saúde. Eu mudei. Definitivamente. E quando digo isso vem logo à cabeça a cena de uma animação que assisti mil vezes com meu filho, Martin. Um dos últimos filmes do Toy Story, em que o patrulheiro espacial Buzz Ligthyear tem um botão nas costas e basta mudá-lo de posição para sua personalidade se transformar completamente.
Ninguém mexeu na minha chavezinha de transformação depois da vivência com o câncer de mama. Não existe o tal botão. Existe, sim, uma nova intenção. Procuro perceber mais rapidamente o que tem ou não valor, a que devo ou não dar atenção. E, assim, seguir.
Poder seguir é motivo de agradecimento diário. De vez em quando me pego aproveitando intensamente sensações que antes eu nem perceberia. Sair da academia com o corpo cansado, entrar em um banho e sentir a água quente na pele, passar a tolha macia no corpo e no cabelo. Cada instante do cotidiano se torna grandioso.
Os momentos ruins seguem existindo, obviamente. Não vivo no país ao qual meu nome é ligado, aquele das maravilhas. Tem dia em que acordo sem vontade, brigo por bobagem, fico arrependida e culpada. Tem dia em que quero fugir, ficar escondidinha em algum canto. Mas todo dia tem uma noite de sono no fim. E, assumindo toda a pieguice da fala, todo novo dia é uma chance, real, de recomeçar.
Enquanto celebro a oportunidade de seguir viva, lembro que o câncer de mama é a doença que mais mata mulheres no mundo e que tem o Rio Grande do Sul como recordista brasileiro em número de casos. Só existe um caminho para melhorar o cenário: a prevenção.
A pandemia fez diminuir quase pela metade a procura por consultas ao ginecologista ou mastologista. Sem contar com os tratamentos paralisados no meio por medo do vírus. Por isso, precisamos aproveitar esse mês e falar ainda mais sobre esse tema.
Durante todas as sextas-feiras do Outubro Rosa, o Globo Esporte vai exibir a segunda temporada da série “Vitórias”. Vamos reencontrar mulheres com quem conversamos no ano passado e mostrar como a vida pode e deve seguir, e também apresentar novas histórias em que a atividade física e o esporte foram aliados importantes.
Entre elas, a da Cristina Ranzolin, minha colega e amiga, apresentadora do Jornal do Almoço, na RBS TV, que completa um ano de diagnóstico nesse mês, justamente quando termina seu tratamento. A Cris só vai poder comemorar agora o fato de estar curada porque descobriu cedo. Exames de rotina, principalmente a mamografia, garantem um diagnóstico precoce e é ele quem pode garantir a cura.
O que vem depois da cura? A vida. Na minha última consulta com o oncologista fui preparada para ouvir sobre o arsenal de medicações que eu precisaria tomar. Com que frequência, doutor? Por quanto tempo? Quais os outros tratamentos complementares?
A resposta foi tão definitiva quanto simples: não existe pílula mágica. Tomo um remédio todos os dias e seguirei assim por alguns anos. Mas o tratamento eterno é a boa alimentação, exercício físico constante, hábitos saudáveis. Para que o “enfrente” fique apenas para um ou outro dia mais difícil e a vida possa seguir sempre em frente.