Uma reportagem do jornal norte-americano New York Post chamou atenção ao colocar em xeque um tradicional hábito gaúcho: tomar chimarrão. Em publicação na qual afirma que "beber este chá é tão perigoso quanto fumar 100 cigarros", o periódico cita "vários estudos" sobre o tema para defender que o consumo constante da bebida à base da Ilex paraguariensis pode provocar diversos tipos de câncer, principalmente o de esôfago.
Um desses trabalhos mencionados data de 2008 e é batizado de "Um estudo prospectivo da temperatura do consumo de chá e risco de carcinoma de células escamosas esofágicas". Entre seus autores, está o professor Renato Fagundes, do Programa de Pós-Graduação em Ciências em Gastroenterologia e Hepatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que explica, contudo, que a conclusão não é bem como descreveu a manchete do jornal norte-americano. Convidado a explicar se de fato a bebida preferida dos gaúchos é tão maléfica quanto o consumo de dezenas de carteiras de cigarro, o especialista fez questão de esclarecer, em entrevista à Rádio Gaúcha:
— Esse jornal é disseminador de pânico. Tem que colocar as coisas dentro do contexto.
O contexto é o seguinte: segundo ele, Rio Grande do Sul, Uruguai e o norte da Argentina são áreas na América do Sul com grande incidência de câncer esofágico. Nos anos 1990, houve uma profusão de estudos nessa região que avaliou o hábito de pessoas com e sem a doença. Observou-se que quem tomava chimarrão tinha maior risco de desenvolver esse tipo de câncer.
No entanto, as pessoas que tinham câncer no esôfago também fumavam e bebiam - e muito, não socialmente.
— Câncer não é coisa de única causa. Observou-se que as pessoas que tinham câncer esofágico, além de tomarem chimarrão, elas fumavam e bebiam. Essa tríade - tabagismo, alcoolismo e chimarrão - conferia risco bem maior de câncer — explicou Fagundes.
Por isso, o chimarrão, quando associado ao vício em cigarro e álcool, torna-se um fator de risco para o câncer. Não é uma simples relação de causa e efeito, garante o professor. Ele também frisou que a bebida, quando servida em temperatura muito alta, pode causar lesão térmica. Mas nem isso dá para amarrar com o desenvolvimento do câncer:
— Vamos deixar bem claro: não dá para afirmar que a lesão térmica vá levar ao câncer. Tem que ter somatório de outras coisas.
A pesquisa indicou a presença, na erva-mate, de substâncias chamadas hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Essas podem ser potencialmente cancerígenas, se ligadas à temperatura muito quente da água.
— Na ótica de quem fez a pesquisa, seria um provável mecanismo adicional à temperatura. Mas esse fator de ter contaminação de produtos possivelmente carcinogênicos seria algo acrescentado no processo de secagem, quando se utiliza a combustão de madeira, fumaça, tudo isso aí — explicou.
No fim das contas, o professor dá um alento: as pessoas podem seguir tomando chimarrão, se não associarem a hábitos nocivos para a saúde. E se água não fizer queimar os beiços.
— Não podemos causar pânico na população leiga, que vai querer deixar de tomar chimarrão. Até porque o chimarrão tem propriedades benéficas — disse.