No que diz respeito ao chimarrão, os gaúchos estão diante de uma aproximação com seus irmãos uruguaios e argentinos. Pelo fato do compartilhamento do mate ter sido contraindicado pelas autoridades em saúde desde os primeiros meses da pandemia, como uma forma de minimizar os riscos de contaminação por coronavírus, a tendência é de que o hábito do mate individual, que é tradição nos países vizinhos, mantenha-se no Rio Grande do Sul também.
De acordo com Pedro Schwengber, diretor executivo do Instituto Escola do Chimarrão, em Venâncio Aires, boa parte dos gaúchos — muitos dos quais já não eram tão afeitos ao compartilhamento da bomba — continuará a beber o mate da mesma forma que tem feito nos últimos meses: cada um com a sua cuia.
— No Uruguai e na Argentina, o hábito do chimarrão é bem mais individualizado. Há inclusive uma piada que diz que, quando o uruguaio não está com o thermo (que é a térmica) debaixo do braço, ele assim mesmo anda com o braço levantado, tamanho o costume. O chimarrão tem essa magia da integração entre pessoas e por isso as rodas devem voltar também. Mas, para algumas pessoas, a forma mais individualizada vai permanecer —afirma Schwengber.
O chimarrão foi o passatempo de Cássio do Nascimento, 44 anos, e de sua mãe, Carmen Regina do Nascimento, 76, enquanto aguardavam para ir a uma consulta médica, aproveitando o sol no Parque Moinhos de Vento. Eles estão vacinados e relatam sentirem-se confortáveis para compartilhar a cuia, já que moram na mesma casa, assim como a esposa de Cássio e a filha de três anos deles. Mas o compartilhamento com outros amigos ainda vai ter de esperar.
— Somos mãe e filho e, agora que ela está morando comigo, estamos mais de boa para dividir a cuia, até porque procuramos manter distância segura de pessoas que não são da nossa casa. Quando eu e minha esposa saímos para encontrar amigos em parques, cada família leva a sua cuia. É algo que continua entre o casal por enquanto, mas acredito que, daqui a um pouco mais de tempo, teremos mais liberdade para voltar a compartilhar um chimarrão com os amigos — projeta Cássio.
O casal que há 23 anos tem uma carrocinha de pipoca no Parcão também restringiu o hábito da mateada. Andreia Mulder, 43 anos, e seu marido, Guinter Ricardo, 44, costumavam dividir a bebida com clientes e amigos, dando origem a pequenas rodas de pipoca e chimarrão no parque, mas tiveram de parar na pandemia. Pretendem retomar o hábito quando for seguro.
— Eu e meu marido tomamos chimarrão todos os dias. E eu tenho algumas amizades que costumavam vir aqui no parque para tomar, comer pipoca, mas tivemos que parar. Eles entenderam que é para o nosso bem e para o bem deles. Eu espero que as coisas melhorem, com o pessoal sendo vacinado, até porque o gaúcho é comunicativo e gosta de fazer roda de mate — afirma Andreia.
Uso individual
O compartilhamento entre membros da família que convivem diariamente, de acordo com a coordenadora da Comissão de Controle de Infecções do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Caroline Deutschendorf, não é visto como um problema, já que o chimarrão não ofereceria mais risco do que o que já é apresentado pelo convívio diário. Ainda é cedo, no entanto, para que se vislumbre o retorno das grandes rodas de chimarrão. Tanto Caroline quanto o chefe do serviço de infectologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Alessandro Pasqualotto, entendem que só faz sentido a volta do mate compartilhado entre amigos e colegas de trabalho em um cenário em que o uso de máscara já não seja mais necessário.
— A covid-19 é transmitida por via respiratória, inclusive na saliva. Por mais que na saliva o vírus esteja em quantidade menor do que quando comparada a que temos no nariz, ainda assim, é um material potencialmente contagioso. O momento da liberdade para compartilhar saliva é o momento no qual a infecção tenha praticamente sido extinguida do nosso meio — afirma Alessandro.
No entendimento do infectologista, o ideal é que cuia e bomba continuem sendo de uso individual até que haja um controle melhor da pandemia, com uma parcela maior de população totalmente vacinada, imunização das crianças contra o coronavírus e poucos casos de covid-19 na comunidade.
Somente quando as autoridades em saúde passarem a considerar seguro o fim do uso da máscara é que poderão começar a ser consideradas algumas condições para o retorno do chimarrão compartilhado de forma menos arriscada.
— Poderemos ter o cuidado de não compartilhar a bebida com alguém que apresente qualquer sintoma de doença respiratória. Outra ideia é higienizar a bomba com álcool 70% a cada uso, aguardando alguns instantes para o produto volatilizar e a pessoa não correr o risco de ingerir o produto. São medidas que ajudariam a ter mais segurança, pois a chance de haver transmissão pela bomba, embora pequena, existe — afirma Caroline.