A diretora-geral adjunta de acesso a medicamentos e produtos farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS), a médica brasileira Mariângela Simão, disse na segunda-feira (22) que o mundo está entrando em uma quarta onda da pandemia de covid-19. A declaração foi dada na conferência de abertura de um evento realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
— O mundo, na verdade, está entrando em uma quarta onda, mas as regiões tiveram comportamento diferente em relação à pandemia — apontou Mariângela. — Na região das Américas, há uma transmissão comunitária continuada, com pequenos picos, enquanto a Europa está entrando de novo em uma ressurgência de casos — explicou.
A médica não fez previsões específicas para o Brasil, que tem assistido nas últimas semanas a uma queda sustentada de internações e mortes, além de ver avanço significativo na vacinação. Comentou, porém, que a realização do Carnaval pode ser "extremamente propícia para o aumento da transmissão comunitária" no país.
O aumento no número de casos de covid-19 tem levado países a ampliar o cerco contra não imunizados — a Áustria, por exemplo, impôs um lockdown específico contra esse grupo. A estratégia visa a evitar o surgimento de novas cepas, como a Delta, identificada originalmente na Índia e depois responsável por acelerar o contágio em diversas regiões do planeta.
— A OMS tem o entendimento neste momento que é provável que a gente tenha uma transmissão continuada do vírus por conta das variantes — disse a diretora.
Segundo se observa nas curvas epidêmicas, a médica destacou que há países com ondas repetidas, outros com transmissão contínua e há ainda aqueles que tiveram um controle não sustentado no início da pandemia e que agora têm picos agudos de contaminação.
Fatores que contribuem para a transmissão
Entre os fatores que continuam influenciando na transmissão do Sars-Cov-2, Mariângela destacou quatro pontos. O primeiro são as variantes mais transmissíveis, como a Delta. Atualmente, conforme mapeamento genético realizado pelo Instituto Todos pela Saúde (ITpS), a Delta corresponde a mais de 97% das variantes em circulação no país.
O segundo aspecto é o fato de grande parte da população seguir sem acesso às vacinas. Dados da OMS apontam que menos de 5% das pessoas de países de baixa renda — grande parte na África e na Ásia — receberam ao menos uma dose de vacina anticovid, mesmo com mais de 7,5 bilhões de doses tendo sido aplicadas no mundo.
— A iniquidade no acesso à vacina é o maior desafio ético do nosso tempo — disse Mariângela.
Por fim, o terceiro e quarto fatores seriam o aumento das interações sociais, com o fim das medidas de isolamento, e ainda a desinformação em relação às formas de lidar com o vírus.
— A mensagem correta, no momento certo, em formato adequado, vinda da pessoa certa (...) pode auxiliar muito — apontou a médica.
Entre domingo e segunda, conforme apontou Mariângela, foram confirmados mais de 440 mil casos em todo mundo e um total de 6,7 mil óbitos. Com isso, o planeta chegou a 255 milhões de diagnósticos positivos da doença e já contabiliza 5,1 milhões de vítimas.
— É claro que isso reflete uma enorme subnotificação em vários continentes — disse a diretora da OMS.
Futuro da pandemia
Sobre os possíveis cenários para o futuro, Mariângela destacou o papel das vacinas e disse que, mesmo não tendo impacto significativo na transmissão, elas "diminuem a severidade da doença e a mortalidade".
— A gente já tem dados robustos, como do Reino Unido, que mostram uma dissociação de casos e óbitos, por conta da vacinação — destacou.
A diretora da OMS apontou que, pelo que se observa pelas informações de hoje, havendo altos níveis de imunidade populacional em todos os países, a mortalidade pela doença poderá reduzir significativamente. Os surtos de contaminação pela doença, acrescentou, até podem continuar acontecendo entre grupos suscetíveis, como os não vacinados, mas para este caso é necessário intensificar o processo de conscientização.
Mariângela reforçou ainda que "a vacinação sozinha não consegue conter transmissão", o que torna também importante o monitoramento contínuo da situação epidemiológica e a adoção de medidas.
— Me preocupa bastante quando vejo no Brasil a discussão sobre o Carnaval, é uma condição extremamente propícia para o aumento da transmissão comunitária. Precisamos planejar as ações para 2022 — disse a diretora da OMS.
Segundo Mariângela, um outro ponto é que há uma "associação forte" entre a cobertura vacinal e o uso de máscaras, o que também acaba sendo um fator de atenção até para países cuja vacinação avançou.
— Quanto maior é a cobertura vacinal, menor é o uso de máscaras — destacou.