Em meio à quarta onda de covid-19 na Europa, analistas destacam cada vez mais os riscos gerados a si e ao outros por pessoas que não se vacinam — a ponto de um novo fenômeno se desvelar ao redor do mundo: a “pandemia dos não vacinados”.
A expressão descreve a piora de indicadores nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, onde a aplicação de duas doses empacou e não passa dos 70% da população. A situação mais crítica é em países do Leste Europeu, onde sequer 50% dos habitantes completaram o esquema vacinal.
De outro lado, nações com cobertura acima de 75%, como Portugal, Chile e Dinamarca, apresentam baixo índice de novas mortes, apesar de uma taxa de transmissão maior do que no Brasil — o que demonstra que a alta vacinação impede o aumento de casos graves, como mostram as estatísticas a seguir.
Analistas pontuam que a pandemia ainda não foi resolvida de vez porque muitas pessoas não se vacinaram, o que gera "bolsões" de alta transmissão da covid-19 e eleva o risco de surgirem novas variantes. Imunizantes reduzem — embora não impeçam — o contágio porque a pessoa vacinada carrega menor carga viral, transmite por menos tempo, e tosse e espirra menos.
— A pandemia atualmente é de não vacinados. A doença mais grave e a morte acontecem em não vacinados. Pessoas não vacinadas mantêm a circulação do vírus entre elas e acabam prejudicando também os vacinados, que acabam se contaminando — observa o médico Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
No Brasil e no Rio Grande do Sul, a covid-19 apresenta tendência de queda, puxada também pelo grande número de pessoas que se infectaram e ainda apresentam imunidade natural — o Brasil é o 10º país com maior taxa de pessoas contaminadas. Mas há temores sobre o que pode ocorrer nos próximos meses, sobretudo com grandes aglomerações como as do Carnaval.
Ao alertar sobre a "pandemia de não vacinados" na Europa, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacou, em relatório da semana passada, que apenas 60% dos brasileiros estão com duas doses, índice semelhante ao de países na quarta onda, como Alemanha, Áustria, Holanda e Bélgica.
O sanitarista Christovam Barcellos, pesquisador da Fiocruz e um dos autores do relatório, entende que o Brasil está mais próximo de vivenciar uma piora parecida com a que ocorre em países da Europa Central, onde a vacinação está entre 60% e 70%, do que semelhante ao Leste Europeu.
— Não devemos ter um risco como na Rússia, com baixa cobertura vacinal e inverno muito frio. É possível termos um padrão mais parecido com Inglaterra e França: taxa razoável de vacinação e menos casos graves. Mas precisamos aumentar a testagem e conscientizar a população de que é preciso as duas doses para reduzir a transmissão e termos apenas doença leve no verão — diz o sanitarista.
Não vacinados jamais tiveram tanto risco de adoecer por coronavírus, destaca a médica epidemiologista Lucia Pellanda, professora na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Dados da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) apontam que nove em cada 10 mortes por covid-19 na faixa etária até 39 anos são de pacientes sem vacinação completa. No grupo dos idosos, 99% dos indivíduos não receberam a dose de reforço.
— Quem tinha mais risco antes eram idosos, mas, agora, o risco maior é para quem não está vacinado. O vírus terá mais tendência a pegar quem não está vacinado, porque há menos pessoas não vacinadas — diz Pellanda.
Imunizantes são benéficos inclusive para quem já teve coronavírus: estudos mostram que esse grupo, ao ser vacinado, tem defesas maiores do que quem não teve covid e se vacinou. E, para quem tem covid longa, quando a doença provoca sintomas por meses, as vacinas têm apresentado redução dos transtornos.
— Os estudos demonstram que pessoas vacinadas transmitem menos do que não vacinados e por menos tempo. A pessoa, ao tomar a vacina, protege a si e aos próximos — resume o médico Eduardo Sprinz, chefe do setor de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretário nacional da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, lembra que estudos sugerem que, depois de seis meses, a imunidade gerada tanto pela vacina quanto pela infecção natural começa a cair — por isso, a importância da vacinação e da dose de reforço, sobretudo antes do Carnaval, quando será completado um ano do ápice da epidemia brasileira.
— Com a movimentação que temos agora, não acredito em nova onda (no Brasil) porque está difícil de a Delta encontrar novos suscetíveis. Mas, se tivermos o Carnaval, teremos um desastre. Tudo que fazemos agora tem certo controle de quem pode ir e vir, porque precisa estar vacinado ou com PCR. Mas um evento de massa sem controle tem grande probabilidade de encontro com quem não tem nenhuma proteção — afirmou Vecina Neto durante exposição no programa InfoVacina da Agência Bori, na semana passada.
A Fiocruz destaca que o alerta da epidemia de não vacinados na Europa aponta que, para evitar o avanço descontrolado do vírus, é preciso elevar a cobertura de duas doses, manter o uso de máscaras em ambientes fechados, exigir passaporte vacinal e distanciamento em locais de interação. A médica epidemiologista Lucia Pellanda observa que encontros ao ar livre trazem menor risco, mas que não é possível entender as flexibilizações atuais como sinônimo de fim da pandemia:
— Festas ao ar livre são menos problemáticas, mas Carnaval é mais problemático. O ideal seria usar máscara por mais tempo e observar com cuidado o resultado de cada flexibilização. Não temos uma cobertura no Rio Grande do Sul tão grande para flexibilizar tanto. Não podemos fazer o que esses países fizeram. Precisamos olhar para frente — conclui.