Em meio ao surgimento da variante africana Omicron (não mais chamada de Nu) e às vésperas do Carnaval, analistas destacam que, para evitar piora da pandemia, o Brasil precisa adotar uma medida igual à de outros países e que deveria ter sido colocada em prática há meses: exigir passaporte vacinal contra a covid-19, junto com exame negativo, de estrangeiros que ingressem no país.
Hoje, o Brasil demanda, para entrada por avião ou pelo mar, apresentação de exame negativo de PCR realizado nas últimas 72 horas ou de antígeno produzido nas últimas 24 horas antes da viagem, sem exigência de vacina. As fronteiras terrestres estão fechadas, com a exceção de cidades-gêmeas nas fronteiras, conforme portaria federal de outubro.
Preocupada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enviou parecer ao governo Jair Bolsonaro, em 12 de novembro, recomendando que o país exija comprovante de vacinação para estrangeiros que entrarem por terra e por avião.
Se o turista não for vacinado, a recomendação é quarentena até resultado negativo de PCR realizado no 5º dia após a viagem. “Testes de diagnóstico, em combinação com a vacinação, conferem maior segurança e reduzem o risco de surto”, diz nota da Anvisa enviada ao governo federal, responsável por regular a entrada de estrangeiros.
“As viagens aéreas estão associadas à disseminação do vírus por meio de passageiros infectados e, potencialmente, por meio de transmissão durante o voo”, pontua o texto. “É necessário que seja revista a política de fronteiras brasileira, especialmente para a inclusão da cobrança de prova de vacinação, de forma a estimular que o Brasil não se torne um dos países de escolha para os turistas e viajantes não vacinados”, acrescenta a agência reguladora.
No entanto, o presidente Jair Bolsonaro é contra, afirmaram integrantes do governo ao jornal Folha de S. Paulo. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, também responsável pela decisão, afirmou na quinta-feira (25) que é contra demandar vacinação para liberar a entrada de estrangeiros e que o documento não é necessário porque a vacina “não impede a transmissão da doença”.
Contatado pela reportagem, o governo Bolsonaro enviou nota, via Casa Civil, na qual afirma que eventuais mudanças nas regras em vigor estão em análise com a participação de todos os órgãos envolvidos no assunto: Casa Civil, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Infraestrutura, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde e Anvisa.
A declaração do ministro Anderson Torres distorce uma verdade: a vacinação de fato não impede totalmente, mas reduz a transmissão da doença e o tempo durante o qual uma pessoa infectada pode passar o vírus adiante, destacam especialistas.
Imunizantes diminuem a carga viral de pessoas infectadas e, por tornarem a doença leve, reduzem a frequência de espirros e tosse, situações nas quais o vírus é exalado no ambiente. A própria Anvisa cita, na nota, estudo mostrando que profissionais da saúde vacinados transmitiram menos a covid-19 a seus familiares. Por essas razões, especialistas defendem a exigência de passaporte vacinal para entrada no Brasil.
O médico infectologista Luciano Goldani, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defende a cobrança de vacinação e pontua que a prática existe há anos para diversas doenças, como a febre amarela.
— Já há precedentes para isso, é uma medida preventiva de saúde pública para evitar que indivíduos infectados entrem no país. A vacina contra a covid diminui a transmissibilidade e o risco de doença em grande parte da população, como mostra a queda nos indicadores — afirma o infectologista.
Em meio ao surgimento da variante Omicron, a Anvisa recomendou ainda nesta sexta-feira (26) que o Brasil suspenda voos e restrinja a entrada de viajantes oriundos de seis países africanos: África do Sul, Botsuana (primeiro país a identificar a nova cepa), Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. A recomendação inclui ainda a suspensão da autorização de desembarque no Brasil de viajantes que passaram por esses países nos últimos 14 dias, seja por meio aéreo ou transportes rodoviário ou aquaviário.
Goldani destaca que, apesar da escassez de informações sobre a variante Omicron, é melhor estar vacinado do que não vacinado contra qualquer nova variante.
— O aparecimento de uma cepa reforça a importância de as pessoas se vacinarem. Existe chance de as vacinas atuais protegerem contra novas variantes, assim como protegem contra a Delta, a Alfa e a Gama. Essa variante está ocorrendo em jovens não vacinados da África do Sul. Certamente, os não vacinados podem ficar mais expostos — acrescenta o infectologista.
O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-Ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, acredita que, neste momento, o Brasil deveria cobrar, além da vacinação, o teste PCR negativo realizado entre 48 e 72 horas antes da viagem, assim como outras nações fazem (veja a seguir).
— A nova variante pode ser um aviso de que estamos de novo entrando em movimento de geração de novas cepas. Eu incluiria, em situação de crise como de agora, não apenas controle de voos, mas exigir de todos os voos passaporte vacinal e teste, ou, se chegar sem teste, fazer o teste e quarentenar. Pode não impedir toda a entrada de vírus, mas mapeia e controla quem entraria no país com o vírus.
É difícil precisar em números o quanto passaportes vacinais contribuem para reduzir a transmissão, mas Spilki destaca que, na fronteira, eles controlam a entrada de novas variantes. Ele acrescenta, ainda, que o controle de fronteiras efetuado nos últimos dois anos em diferentes países foi relevante para que distintas variantes predominassem em cada continente (e não se espalhassem de forma homogênea pelo planeta). E ele ecoa o receio, apontado pela Anvisa, de que o Brasil se torne centro turístico de indivíduos antivacina:
— Podemos nos tornar um polo de atração de férias de indivíduos que, em seus países, têm atitude negacionista e veem o Brasil como uma das poucas oportunidades de viagem internacional. Isso nos exporia a um risco e desqualificaria o turismo. Em um universo no qual temos vacinas, é natural que países abram fronteiras, mas exijam salvaguarda, e a mais importante possível que tem impacto em reduzir transmissão é a vacinação — diz o virologista.
Veja o que cobram outros países na entrada por avião:
Estados Unidos
- Cobertura vacinal com esquema completo: 59%
- Exigência na entrada: vacinação com esquema completo 15 dias antes da chegada e exame PCR negativo feito 72 horas antes do embarque.
Canadá
- Cobertura vacinal com esquema completo: 76%
- Exigência na entrada: vacinação com esquema completo 14 dias antes da chegada e teste negativo feito 72 horas antes do embarque.
Chile
- Cobertura vacinal com esquema completo: 83,4%
- Exigência na entrada: vacinação com esquema completo 14 dias antes da chegada e exame negativo realizado antes do embarque; pessoas sem dose de reforço precisam realizar novo PCR ao chegar e ficar em quarentena até resultado do exame.
Portugal
- Cobertura vacinal com esquema completo: 88%
- Exigência na entrada: não cobra vacinação, mas exame PCR negativo realizado 72 horas antes do embarque ou teste de antígeno negativo realizado 48 horas antes do embarque. O país não aceita passaporte vacinal brasileiro, então, para entrar em bares e restaurantes, é preciso apresentar testes negativos realizados nos prazos citados (o que exige novos exames conforme o tempo de estadia).
Espanha
- Cobertura vacinal com esquema completo: 80,4%
- Exigência na entrada: certificado de vacinação completa 14 dias antes do embarque, ou exame negativo, ou certificado de recuperação de covid ao menos 11 dias após resultado positivo.
Reino Unido
- Cobertura vacinal com esquema completo: 67,8%
- Exigência na entrada: certificado de vacinação completa 14 dias antes do embarque e teste negativo realizado 72 horas antes do embarque.
França
- Cobertura vacinal com esquema completo: 69,3%
- Exigência na entrada: certificado de vacinação, sem exigência de teste. Não vacinados devem apresentar motivo “imperioso” e teste negativo realizado até 48 horas antes da viagem.