Assédio pela internet, ameaças de morte e inclusive tentativas de homicídio. As consequências para os cientistas que têm tido presença na mídia devido à pandemia de covid-19 têm sido violentas em algumas ocasiões, segundo uma pesquisa publicada pela revista Nature nesta quarta-feira (13).
Quando pensou em tirar uma folga na tarde de 17 de maio, o virologista belga Marc van Ranst ignorava que aquele detalhe salvaria sua vida.
Este cientista era o alvo de Jürgen Conings. Perseguido pela polícia, este militar de extrema direita conseguiu fugir e acabou suicidando-se em 20 de junho com uma arma de fogo. Em seu carro foram encontrados munições e quatro lança-granadas.
A investigação demonstrou que Conings estava perto da casa de Van Ranst naquele 17 de maio.
— As câmeras de vigilância mostram que seu carro estava estacionado na rua, esperando que voltasse (do trabalho) — conta o virologista à AFP. — O que ele não sabia é que pela primeira vez em 18 meses, tinha tirado meio dia de descanso e estava na minha casa.
Marc van Ranst e sua família vivem com proteção policial desde então e durante cerca de um mês estiveram alojados em vários locais secretos. Este cientista belga se tornou o inimigo das pessoas contrárias ao uso de máscaras por suas participações na mídia durante a crise sanitária.
— Tenho uma pasta com cerca de 150 mensagens de ameaças. Em algumas, me comparam com Hitler ou com o médico nazista Mengele, mas outras são ameaças de morte.
"Extremamente violento"
Ele não é o único. Segundo a pesquisa da revista Nature divulgada nesta quarta, os cientistas que apareceram na mídia para falar do coronavírus foram, frequentemente, alvo de ameaças e assédio.
No total, 321 cientistas, a maioria de Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, responderam à pesquisa da prestigiosa revista científica.
Apenas um terço afirmou não ter sofrido consequências negativas depois de ter falado publicamente sobre a covid-19. Mais da metade acredita que sua credibilidade foi posta em dúvida e 15% asseguram ter recebido ameaças de morte.
— Foi extremamente violento. Nunca tinha vivido algo assim — explica à AFP a infectologista francesa Karine Lacombe, coautora em dezembro de 2020 de uma carta publicada na revista médica The Lancet denunciando o assédio sofrido por mulheres cientistas.
Figura midiática durante a pandemia, Lacombe se tornou alvo de ameças quando se posicionou contra o uso da hidroxicloroquina, tratamento promovido pelo polêmico médico francês Didier Raoult.
— Aí começa tudo — lembra. — Era insultada na rua. Enviaram cartas anônimas, ameaçaram me estuprar com fio de arame. Coisas do tipo. Foi uma época muito difícil.
"Estresse pós-traumático"
— Um dia, recebi mil e-mails com o mesmo texto e algumas pessoas colocaram no início do texto uma mensagem pessoal muito humilhante. No fim, a repetição da mesma mensagem te deixa louca — insiste Karine Lacombe.
Lacombe faz parte de um coletivo de médicos e cientistas conhecidos por seu compromisso contra a desinformação da covid-19. No começo de setembro, denunciaram os insultos e as ameaças que sofrem há meses, assim como a inação e a passividade política.
— Deixei de apresentar denúncias — lamenta Lacombe, "psicologicamente sobrecarregada", admite. — Desenvolvi uma espécie de estresse pós-traumático: durante vários dias, não voltei para minha casa porque achava que haveria gente me esperando.
Para "ter perspectiva", apoiou-se em "psicólogos que conhecem bem os mecanismos do ódio pela internet" e em "grupos que lutam contra o ódio e a desinformação online". No fim, "reforçaram minhas convicções", assegura:
— Querem nos calar. Sobretudo, não se deve ceder à chantagem.
O mesmo diagnóstico de Marc van Ranst:
— Não me tornei mais prudente, continuo me opondo com força às mensagens antivacina e à desinformação. Senão, eles vencem.