Nelson Asnis (*)
Como fica o nosso emocional em termos de variantes Delta, Gama, Lambda, Mu...?
Você, como eu, deve estar louco de vontade de resgatar pelo menos parte de sua rotina de vida anterior à pandemia.
Você, como eu, possivelmente estranha o alongamento dos prazos para que isso aconteça e se pergunta, quando isto tudo vai terminar?
Eis que surge a vacina e imagino que você como eu provavelmente depositou nela todas as esperanças de que este tsunami chamado Pandemia terminasse.
E nada.
Como fica o nosso emocional quando vemos várias pessoas mesmo com 2 doses se contaminando?
Ou quando lemos que o vírus tem sofrido mutações ou quando percebemos que países como Israel foram obrigados a iniciar a terceira dose da vacina?
Bombardeada pela impressionante quantidade de mortes decorrentes da pandemia somada ao descaso e ausência de compaixão de muitos governantes, nossa mente busca, como o vírus, encontrar caminhos para sobreviver.
Tento me aproximar de algumas respostas ao preconizar que nossa mente, assim como o vírus e/ou em decorrência dele , precisa igualmente sofrer constantes mutações.
Mas, antes de mais nada, conceituemos mutação. Do latim mutare/mutatio, que significa mudança de forma ou de essência.
Do ponto de vista biológico, a mutação dá origem a uma nova variedade por alteração brusca e inesperada do material genético (DNA) de um ser vivo. E lá vamos nós tendo que conviver com as mutações do covid.
Mutações da mente pressupõem constantes mudanças na forma de pensar e agir, reformulando expectativas em relação à vacina, avaliando “em pleno voo” de quanto em quanto tempo necessitaremos nos vacinar novamente (reforço), o que podemos passar a fazer e o que ainda é cedo...
Quanto às expectativas em relação a vacinação, é muito importante revisarmos a experiência prévia com a imunização de outras doenças bem como o tempo de espera na busca de tratamento para problemas de saúde outrora incuráveis.
Daniel Landsberger, médico-chefe da Maccabi Health Services, lembra, por exemplo, que a vacina da pólio foi descoberta em 1950 e ainda em 1979 havia relatos de casos nos EUA. Uma rápida revisão histórica feita pelo jornal Jerusalem Post mostra que as pandemias não costumam ter data para término. A peste bubônica ocorrida ao longo do século 16 se estendeu por centenas de anos e ainda hoje acomete esporadicamente alguns países da Ásia e África. Se lembrarmos da aids, cujos primeiros casos datam de 1981 nos EUA, esta doença se tornou 10 anos depois a primeira causa de óbitos entre os americanos na faixa etária dos 25 aos 44 anos. Tivemos que esperar até o ano 2000 para conseguirmos tratamentos que, se não curaram a doença, passaram a permitir que o paciente pudesse conviver com ela, sem levá-lo ao óbito.
Em relação às mutações da covid-19, enquanto houver vírus, haverá variantes. Os vírus se replicam, mas não sofrem mutações no ar, lembra Nachman Ash, do Ministério da Saúde de Israel; eles sofrem mutações dentro do seu hospedeiro, as pessoas.
O problema é que quanto mais pessoas infectadas, maior o risco de variantes. Reduzir o número de pessoas que adoecem seria então o principal objetivo, e aí entram as vacinas e os protocolos de cuidados.
E nossa mente neste contexto necessita igualmente sofrer mutações se readaptando a todo o momento às novas incertezas e aos novos cenários impostos pelo vírus.
Mas nem tudo é caótico. Lembremos que graças a vacinação o número de óbitos e hospitalizações tem caído a cada dia em nosso país. Máscaras, álcool em gel, dentre outras medidas de higiene, pelo visto vieram para ficar.
Bombardeada pela impressionante quantidade de mortes (cerca de 4 milhões no mundo e perto de 600 mil no Brasil) decorrentes da pandemia somada ao descaso e ausência de compaixão de muitos governantes, nossa mente busca, como o vírus, encontrar caminhos para sobreviver. Lutamos contra o vírus e seu grande aliado, os negacionistas.
Do ponto de vista científico, estamos “trocando o pneu com o carro andando”. Temos muito ainda a aprender e, por conseguinte, nossa mente estará por um longo tempo ainda, tudo indica, constantemente necessitando sofrer mutações.
Hoje já dispomos, no entanto, de subsídios científicos suficientes para preconizar que a vacinação em massa é inadiável e que cada um a se vacinar estará cuidando não só de si, mas de toda a sua comunidade. Cabe aqui enaltecer o exaustivo e precioso trabalho dos cientistas e profissionais da saúde (que comprometem a sua própria saúde mental, como posso aferir atendendo em psicoterapia colegas da linha de frente) na busca de recursos profiláticos e terapêuticos para o controle da pandemia. Está ainda em questionamento a necessidade da terceira dose (há indicativos neste sentido) e com que periodicidade deveremos nos vacinar. Caminhamos possivelmente para lidarmos com a covid como agimos hoje, por exemplo, com a gripe A com vacinação periódica anual.
Medidas tais como vacinação sistemática, riscos calculados de saídas sem aglomerações, protocolos de segurança sanitária, cuidados com a nossa saúde física (não negligenciar consultas e revisões médicas) e mental (reencontrar familiares e amigos, manter uma boa psicoterapia) passaram a ser fundamentais neste contexto para evitar a preocupante fadiga pandêmica e suas sequelas.
Neste cenário de renúncias, transformações e descobertas, nossa mente mutante necessita trabalhar com uma realidade na qual teremos que conviver com a covid, tudo indica, por um longo e ainda indeterminado tempo.
Resiliência é palavra de ordem.
(*) Psiquiatra e psicanalista