Após uma segunda onda pandêmica em meio à liberação das atividades e circulação das variantes Gama, originária de Manaus, e Lambda, dos Andes, o Chile vem testemunhando de forma marcante o resultado do avanço na vacinação, tendo a CoronaVac como carro-chefe. Nas últimas semanas, há uma consistente queda em casos e mortes por covid-19 a ponto de o governo optar pela reabertura e retomada das atividades.
Vice-líder nas Américas na aplicação proporcional de duas doses, depois do Uruguai, o Chile aplicou o esquema completo em 63% da população e uma dose em 72% dos habitantes. Com isso, vacinou proporcionalmente mais do que Israel, Estados Unidos e Reino Unido.
Três quartos das doses aplicadas são CoronaVac – o resto é Pfizer, AstraZeneca e Cansino. Até setembro, o objetivo é vacinar adolescentes de até 12 anos. O sucesso da campanha, segundo analistas, se deve à rapidez do presidente Sebastián Piñera em firmar no ano passado acordos com várias farmacêuticas, antes mesmo dos resultados dos estudos em fase 3. A aplicação começou em dezembro.
Agora, a pandemia começa a ser controlada. Veja, no gráfico a seguir, como a curva de casos começa a cair em junho, quando o Chile chega a 50% da população vacinada com duas doses. A curva de mortes, que sempre reflete um cenário de cerca de um mês antes, começa a cair em julho.
Na terça-feira (28), a média móvel de novos casos foi de 1.318, quase 70% menos do que um mês atrás e bem abaixo do pior momento, na metade de abril deste ano, quando a média era de 7.320 novos casos por dia.
O número de vítimas também foi reduzido. Na terça-feira, a média móvel foi de 81 óbitos diários, ante 115 um mês atrás e bem abaixo dos 240 registrados no ápice da curva, na metade de junho de 2020.
Por fim, a taxa de reprodução está em 0,73, segundo o Our World in Data – ou seja, nem toda pessoa infectada transmite o vírus adiante. Quando o indicador está abaixo de 1, significa que a epidemia está sendo controlada. O Chile já teve taxa de 2,83.
No início do mês, o país permitiu a retomada das aulas presenciais nas regiões com melhora mais acentuada. Nesta semana, a Região Metropolitana de Santiago, onde vive a maior parte dos chilenos, esteve livre da quarentena pela primeira vez em quase oito meses. Diversas cidades do país permitiram a reabertura de restaurantes, bares, cinemas e teatros.
Vacinados que apresentem um "passaporte" comprovando duas doses – espécie de QR code – podem se deslocar a outras regiões, ir para academia e espaços fechados de restaurantes. Por fim, chilenos com esquema vacinal completo poderão viajar ao Exterior.
O exemplo do Chile desmente os comentários do presidente Jair Bolsonaro e boatos em redes sociais que buscam desqualificar a CoronaVac, citando que essa vacina não seria capaz de proteger contra a covid-19 ou que não teria comprovação científica – o presidente chegou a afirmar que o imunizante é "experimental", o que não é verdade.
A ciência já sabe que a CoronaVac funciona. Estudo publicado no New England Journal of Medicine e realizado com mais de 10 milhões de chilenos mostrou que o imunizante trouxe 86,3% de proteção contra mortes, 90,3% contra internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e 65,9% contra infecções sintomáticas.
Outro estudo comprovando a proteção da CoronaVac foi realizado na cidade de Serrana, no interior de São Paulo. Após 95% da população receber duas doses, as mortes por coronavírus caíram em 95%, as internações diminuíram 86% e os casos sintomáticos foram reduzidos em 80%.
É verdade que, durante quatro meses, entre março e início de junho, o Chile viu uma segunda onda pandêmica, com grande aumento no número de casos e repique nas mortes, em menor proporção.
O fenômeno ocorreu na volta das férias, em meio ao relaxamento de restrições por algumas semanas e a consequente maior circulação da população com novas variantes da covid-19. Até o momento, a ciência entende que as vacinas não impedem que um imunizado transmita o vírus – e sim que não adoeça gravemente. Por isso, médicos pedem que vacinados sigam usando máscaras.
Essa piora no Chile em meio à vacinação foi utilizada por críticos para afirmar que a CoronaVac não funciona em comparação à Pfizer em países ricos. Como todos os boatos, essa afirmação ignora o contexto essencial que explica os resultados diferentes, dizem médicos
O Instituto Butantan, produtor da CoronaVac no Brasil, emitiu nota em junho na qual pontua que o aumento de casos ocorreu sobretudo em pessoas não vacinadas. Médicos ouvidos pela reportagem destacam que, até a cobertura vacinal ser alta, a vacinação sozinha não é capaz de controlar a pandemia se a população não se cuidar.
Nos Estados Unidos e em Israel, para além da vacinação rápida houve lockdown, o que contribuiu para esmagar a circulação do vírus e, com isso, derrubar o número de infecções e óbitos, dizem médicos.
— Mesmo vacinado, é muito difícil não se infectar quando há muita gente ao redor infectada e se não houver distanciamento, máscara e álcool em gel. Não dá para comparar os países só olhando para vacinação. O contexto epidemiológico e as medidas adotadas têm impacto importantíssimo. A Inglaterra, quando vacinou, vinha de um lockdown de três meses — diz o médico Fabiano Ramos, chefe do serviço de Infectologia e coordenador do estudo da CoronaVac no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Nenhuma vacina dará conta de conter rapidamente a pandemia se a transmissão do vírus estiver alta entre a população não vacinada, pontua Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
— Depende da circulação da doença e do percentual de pessoas vacinadas. Houve um relaxamento muito precoce lá das medidas não farmacológicas — destaca Cunha.
O médico Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), destaca que a CoronaVac, assim como outros imunizantes, funciona para proteger contra a covid-19, mas que são necessárias as duas doses para alcançar a proteção máxima, o que pode ter contribuído para o Chile levar mais tempo para controlar a pandemia.
— A CoronaVac começa a realmente proteger duas semanas após a segunda dose. São, então, seis semanas entre a primeira aplicação e esse prazo para ela começar a funcionar. Mas ela protege contra as formas mais graves da covid e faz o seu papel — afirma Sprinz.