É enganosa a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que "a Oxford encontrou fortes indícios de que ivermectina realmente previne ou, no primeiro momento, é salutar e começaram a estudar com mais profundidade", referindo-se à covid-19. O estudo anunciado pela Universidade de Oxford existe, mas afirma apenas que uma pesquisa randomizada será iniciada com a ivermectina, com base em estudos de laboratório e estudos-piloto. Além disso, o estudo é voltado para pessoas já infectadas, e não para a prevenção da doença.
O estudo da Oxford, entretanto, está apenas no início e a equipe responsável afirmou ao Comprova que não possui expectativa de prazo para a publicação de resultados. Além disso, em nenhum momento o comunicado fala sobre prevenção da covid e destaca que há poucas evidências de ensaios clínicos randomizados em grande escala para demonstrar que a ivermectina pode acelerar a recuperação da doença ou reduzir a internação hospitalar.
Além da declaração do presidente, diversas contas de apoiadores, algumas com grande alcance, incluindo a do deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), fizeram postagens em redes sociais ironizando as informações de que a substância não tem comprovação científica e defendendo que ela já deveria estar sendo utilizada no combate à doença.
O Comprova procurou a assessoria de comunicação da presidência e do deputado, mas nenhuma retornou. Também entrou em contato com outras três contas de apoiadores que compartilharam o vídeo, mas não houve retorno. Uma quarta não foi procurada porque, em verificação anterior, pediu para não ser mais consultada.
Como verificamos?
A reportagem avaliou a fala do presidente e as demais postagens de contas em redes sociais, comparando-as com o comunicado oficial divulgado pela Universidade de Oxford, localizando as incoerências entre as informações.
Em seguida, encaminhou e-mail para os responsáveis pelo estudo Principle, que irá analisar os efeitos da ivermectina contra a covid, pedindo detalhes sobre o trabalho a ser desenvolvido.
Também pesquisou a diferença entre o ensaio randomizado, aqui proposto, e os estudos de laboratório e piloto nos quais a universidade se baseia para aprofundar o olhar sobre a ivermectina e consultou os atuais entendimentos dos principais órgãos reguladores e fiscalizadores de medicamentos acerca da droga.
Por fim, o Comprova procurou a assessoria de comunicação da presidência e do deputado federal, além das demais contas, via mensagem direta ou resposta à publicação em questão no Twitter.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 25 de junho de 2021.
Verificação
O que a Oxford anunciou?
Em comunicado divulgado no dia 23 de junho, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, informou que passaria a investigar a ivermectina como parte do ensaio randomizado, onde os integrantes serão escolhidos de forma aleatória.
A análise se dará no contexto do estudo Principle (sigla em inglês para Plataforma de Ensaio Randomizado de Tratamentos na Comunidade para Epidemias e Doenças Pandêmicas), conduzido nacionalmente com intuito de encontrar tratamentos para a recuperação rápida de infectados pelo coronavírus e que evitem internação hospitalar.
A publicação destaca que a ivermectina é um medicamento antiparasitário seguro e de amplo espectro, com propriedades antivirais conhecidas. Os responsáveis pelo estudo afirmam que o remédio demonstrou reduzir a replicação do Sars-CoV-2 em estudos de laboratório (pré-clínicos e sem testes em humanos) e que pequenos estudos-piloto (em pequena escala) mostram que a administração precoce pode reduzir a carga viral e a duração dos sintomas em alguns pacientes com casos leves. Não é citado nenhum estudo relacionado ao uso da ivermectina como remédio preventivo.
A divulgação não esclarece quais estudos são esses. O Comprova questionou a equipe responsável sobre isso, mas ela respondeu sem citar os estudos que neste momento não estão sendo concedidas entrevistas à mídia internacional a respeito da pesquisa com a ivermectina, que apenas começou.
O anúncio divulgado pela Oxford observa, entretanto, que embora a ivermectina seja usada rotineiramente em alguns países para o tratamento da doença, há poucas evidências de ensaios clínicos randomizados em grande escala para demonstrar que ela pode acelerar a recuperação ou reduzir a internação hospitalar.
No texto, o professor Chris Butler, do Departamento de Ciências da Saúde de Atenção Primária de Nuffield da Universidade de Oxford, investigador-chefe adjunto do estudo, afirma que o medicamento tem bom perfil de segurança e que será estudado devido aos primeiros resultados promissores em alguns estudos. “Ao incluir a ivermectina em um ensaio de grande escala como Principle esperamos gerar evidências robustas para determinar a eficácia do tratamento contra a covid-19 e se há benefícios ou danos associados ao seu uso”, disse. Em nenhum momento são citados “fortes indícios” dessa eficácia.
Como será o estudo com a ivermectina
Os responsáveis pelo Principle explicam que os voluntários passarão por triagem por meio de questionário e, em seguida, serão aleatoriamente designados para receber um curso de três dias relacionado ao tratamento com ivermectina via oral. A partir disso, serão acompanhados por 28 dias e comparados com participantes que foram designados a receber o tratamento padrão do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.
Entre as pessoas elegíveis para o estudo estão aquelas com idades entre 18 e 64 anos com certas condições de saúde subjacentes/falta de ar devido à doença ou com idade acima de 65 anos, estando nos primeiros 14 dias após apresentarem sintomas ou tendo recebido um teste positivo.
A ivermectina é o sétimo tratamento a ser investigado pelo Principle, que também avalia atualmente o antiviral favipiravir, utilizado no tratamento da influenza.
Em abril deste ano, a universidade relatou evidências provisórias do primeiro medicamento eficaz do Reino Unido para tratar a covid em pacientes em casa, a budesonida inalada, mostrando que o tratamento pode reduzir o tempo de recuperação em uma média de três dias. Desde então, o medicamento foi incluído nas diretrizes clínicas para o tratamento em estágio inicial no Reino Unido, Canadá e Índia.
O estudo também já concluiu que as substâncias azitromicina e doxiciclina não são um tratamento eficaz para reduzir o tempo de recuperação ou o risco de internação hospitalar para pessoas com suspeita de covid.
Ao Comprova, por e-mail, os responsáveis pelo Principle informaram não haver, ainda, número definido de participantes a serem recrutados para a análise da ivermectina ou um tempo definido para quando os resultados estarão disponíveis.
Eficácia do antiparasitário não foi comprovada
O anunciado pela Universidade de Oxford afirma apenas que uma pesquisa randomizada será iniciada com a ivermectina, com base em estudos de laboratório e estudos-piloto. Até o momento não há, contudo, estudo concluído que comprove a eficácia do antiparasitário para tratamento ou prevenção da covid.
A OMS, por exemplo, recomenda o uso da substância apenas em ensaios clínicos, como é o caso aqui verificado, tendo em vista que a evidência atual sobre o uso desse medicamento para tratar pacientes com a doença é inconclusiva.
Já a Food and Drug Administration (FDA), agência de regulação dos Estados Unidos, também desaprova o uso da substância para tratar ou prevenir a covid-19 e alerta que doses excessivas do medicamento podem causar danos. A European Medicines Agency (EMA) desaconselha o uso fora de ensaios clínicos.
No Brasil, a Anvisa já esclareceu que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento, mas destacou que não existem estudos que refutem o uso: “Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”, diz. Apesar deste posicionamento, acrescenta que “o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico prescritor”.
O laboratório Merck, fabricante da ivermectina nos Estados Unidos, afirmou em fevereiro de 2021 que os cientistas da empresa examinam cuidadosamente todos os estudos disponíveis e emergentes de ivermectina para o tratamento da doença para evidências de eficácia e segurança, mas ainda não foi identificada base científica para um efeito terapêutico potencial contra a covid de estudos pré-clínicos.
Como reiterado frequentemente pelo Comprova, não há, até o momento, estudos que comprovem a eficácia ou segurança do uso de medicamentos associados ao “tratamento precoce” para o combate à covid. Os órgãos se baseiam em estudos grandes, bem desenhados e publicados em revistas científicas respeitadas.
Anúncio não incentiva uso de ivermectina contra a covid
Em nenhum trecho do anúncio feito pela Universidade de Oxford é recomendado o uso da ivermectina para tratamento da covid antes de haver resultados que comprovem a eficácia da droga neste sentido.
Além da declaração do presidente Bolsonaro aos apoiadores, o Comprova identificou postagens no Twitter e no Facebook sobre um suposto sucesso que uma pesquisa realizada na universidade estaria obtendo para confirmar a eficácia da ivermectina. Porém, o Principle, como já dito aqui, sequer admitiu em resposta ao Comprova que os estudos sejam da própria universidade ou em quais estaria se baseando.
Tuítes nos perfis @PolitzOficial, @spinellirio, @paulofilippus e @BrazilFight enfatizam quanto o presidente apostou no medicamento para o “tratamento precoce” da doença e que, agora, a pesquisa conduzida pela instituição inglesa teria fortes indícios da eficácia da ivermectina, além de questionar se a CPI da Pandemia, no Senado, e o Jornal Nacional vão divulgar o fato.
No Facebook, a postagem na página do deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) apresenta com ironia a notícia da análise anunciada pela universidade com a seguinte frase: Será que vão contestar com tanta ênfase os estudos da Oxford agora? Em seguida, reproduz trecho da notícia veiculada no Portal Terra sobre os resultados da droga em testes laboratoriais e estudos-piloto.
As assessorias de comunicação do presidente e do deputado foram procuradas e não retornaram. Os demais, à exceção do @Politz, foram contatados pelo Twitter, mas também não responderam. O Politz não foi procurado porque em verificação anterior afirmou não ter interesse em ser consultado em novas checagens.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal.
Quando o conteúdo envolve medicamentos ou tratamentos contra o novo coronavírus, a checagem é necessária porque informações incorretas podem levar as pessoas a colocarem a saúde em risco. Aqui o caso é ainda mais grave, pois a desinformação foi propagada pelo presidente, a maior autoridade do país, o que pode impactar fortemente na forma como as pessoas lidam com a doença.
Até o momento, as medidas eficazes contra o novo coronavírus incluem a vacinação, a higienização das mãos, o uso de máscaras e o distanciamento social.
Em dois dias o vídeo com a fala de Bolsonaro publicado no Youtube somou 181 mil visualizações e 2,3 mil comentários. Também no dia 25 de junho a postagem do deputado federal no Facebook já alcançava 16 mil reações, 9,4 mil comentários e 7,7 mil compartilhamentos. No Twitter, as demais postagens somaram 9,4 mil interações.
O vídeo do presidente e conteúdos semelhantes nas redes sociais também foram verificados pela AFP Checamos e pelo Estadão Verifica. Neste ano, o Comprova já publicou outras verificações relacionadas à ivermectina, como os malefícios de altas doses da droga e que a OMS não indica o uso da ivermectina no combate à covid.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.