Um dos momentos mais aguardados da vacinação contra o coronavírus chegou: as primeiras pessoas sem comorbidades ou vulnerabilidades sociais já podem buscar sua injeção. A segunda fila da vacina, que deve avançar gradativamente de quem tem 59 anos para os mais jovens, traz o otimismo de abrir a imunização para todos, apesar da ressalva de que ainda há poucas doses circulando no Brasil.
Na interpretação da médica infectologista Andréa Dal Bó, do Hospital Virvi Ramos, em Caxias do Sul, abrir uma fila paralela à dos grupos prioritários foi uma decisão pertinente do Ministério da Saúde. Diante da baixa procura de quem tem comorbidades, o que é confirmado pelo ministério, o mais acertado, no momento, era dispor as doses para quem está ansioso para se vacinar, aponta. Outro fator que age a favor da imunização do público em geral é a quantidade de pessoas mais jovens nas estatísticas do contágio pelo coronavírus.
— Vejo com ótimos olhos. A gente vê nos hospitais que houve uma diminuição da faixa etária do público que está sendo internado por causa da covid-19. Não vemos mais comorbidades como um fator de risco. Estamos vendo pessoas jovens com sobrepeso e sem outras comorbidades — diz ela, que também é coordenadora do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde de Caxias.
Para a médica epidemiologista Jeruza Lavanholi Neyeloff, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, atender as pessoas fora dos grupos prioritários é um marco que deve ser comemorado. O principal ganho, na sua avaliação, é que a estratégia de imunizar por idade simplifica a vacinação. Não é mais necessário comprovar determinada doença ou deficiência física. Basta chegar na fila apresentando um documento de identidade e o comprovante de residência.
— Paciente com comorbidade precisa marcar consulta, ir no médico para produzir o atestado, e isso tudo acaba dificultando o processo. De forma geral, esse acesso facilitado é o grande benefício. Nos permite colocar as vacinas o mais rápido possível na população — analisa Jeruza.
Por outro lado, a oferta de doses ainda é baixa. Recentemente, o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsáveis pela CoronaVac e pela vacina de Oxford/AstraZeneca no Brasil, paralisaram o envase por falta de matéria-prima, o que expõe a dependência do Brasil da tecnologia externa. No caso da CoronaVac, a interrupção gerou atrasos que seguem interferindo na fila da vacinação: segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), ainda há 230 mil segundas doses desse imunizante que ainda não foram aplicadas no Rio Grande do Sul.
De forma geral, esse acesso facilitado é o grande benefício. Nos permite colocar as vacinas o mais rápido possível na população
JERUZA LAVANHOLI NEYELOFF
Médica epidemiologista do Hospital de Clínicas
Professor do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do maior estudo sobre a propagação do coronavírus no Brasil, o Epicovid, Pedro Hallal argumenta que começar a atender o público em geral sem solucionar a oferta de vacinas é uma ilusão porque a imunização seguirá de forma lenta.
— A gente está criando várias formas de distribuir uma pizza pequena, sendo que precisávamos de uma pizza tamanho família. É uma ilusão porque o número de doses é o mesmo. Tem pessoas na fila ainda esperando a segunda dose. O governo federal precisa fazer uma negociação efetiva com os fornecedores — argumenta.
Doutor em epidemiologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Petry faz coro ao colega. Abrir a segunda fila não significa necessariamente que se alcançará em breve uma taxa ideal de vacinação na população, capaz de baixar a curva de contágios.
— Ninguém sabe quando teremos de 70% a 80% por cento da população vacinada. Precisamos aumentar o número de vacinas, estimular a produção dos nossos institutos, trazendo para eles maiores quantidades de insumos. Que bom que se abriu a vacinação para os de 59 anos, que bom que vão se vacinar os de 58, 57 anos, mas ainda faltam vacinas. A notícia é boa, mas a vacinação ainda está em ritmo lento — diz.
Que bom que se abriu a vacinação para os de 59 anos, que bom que vão se vacinar os de 58, 57 anos, mas ainda faltam vacinas. A notícia é boa, mas a vacinação ainda está em ritmo lento
PAULO PETRY
Epidemiologia e professor da UFRGS
Há divergências. Uma segunda fila de pessoas em busca do imunizante até poderá andar devagar, mas não vai, necessariamente, gerar uma maior escassez de doses, contrapõe Andréa Dal Bó:
— Lógico, não temos que abrir a porteira, vacinar de 18 anos para cima, tem que ser gradativo. Cabe aos municípios fazerem a administração disso, alertar quantas doses têm, fazer agendamentos, administrar da forma mais adequada. Espero que nesse intervalo o governo esteja ampliando a distribuição das vacinas.
A velha fórmula
Avançar a campanha para pessoas mais jovens, sem doenças ou outras dificuldades também pode gerar a sensação de conforto de que haverá mais imunizados — sendo que pessoas já vacinadas podem seguir transmitindo o vírus, apontam especialistas. A vacina diminui as chances de a pessoa evoluir para um quadro grave da covid-19 ou mesmo morrer em decorrência da doença, e devem ser mantidas as medidas para conter o número de contágios, como os já disseminados uso correto da máscara e o distanciamento social, reforçam.
— As duas medidas precisam andar juntas. Distanciamento e vacinas. Só se libera o distanciamento quando se atinge um percentual de vacinados bem expressivo, que ainda não é o nosso caso. Precisamos manter medidas de distanciamento social, ventilação de ambientes, uso de máscaras — frisa Petry.