O Rio Grande do Sul ultrapassou, neste sábado (1º), Dia do Trabalhador, a marca de 25 mil vítimas do coronavírus. São 25.086 mortes, de acordo com estatísticas da Secretaria de Estado da Saúde (SES). É como se o equivalente à população de Jaguarão, na Região Sul, ou se 2,5 vezes o número de moradores do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, perdesse a vida durante a pandemia.
A marca foi atingida um mês após o Estado chegar aos 20 mil óbitos pela covid-19 e menos de dois meses após as 10 mil mortes – indicativo de como a pandemia se mantém, em território gaúcho, em ritmo acelerado de novas infecções e mortes.
Das 25 mil vidas perdidas, quase 16 mil se foram apenas de janeiro de 2021 para cá, quando já existiam vacinas disponíveis contra a covid-19 no mercado – e mais de 4 mil faleceram fora de uma unidade de tratamento intensivo (UTI). Março, mês mais letal da pandemia, registrou, pela primeira vez na história recente, mais mortes do que nascimentos, como mostrou GZH.
O Estado chega às 25 mil vítimas em meio às mudanças no sistema de distanciamento controlado promovidas pelo governo Eduardo Leite (PSDB) – uma mudança generalizada no Rio Grande do Sul, que passou da bandeira preta para a vermelha, com retorno das aulas presenciais e perspectiva de menos restrições às atividades.
Após figurar entre os Estados com menor mortalidade por coronavírus a cada 100 mil habitantes, resultado do distanciamento social mantido pela sociedade entre março e maio de 2020, os números do Rio Grande do Sul degringolaram a partir de novembro. Hoje, o Estado apresenta a oitava maior mortalidade do país – a mais alta da Região Sul.
As razões para a piora, destacadas por analistas, são a retomada das atividades nos meses anteriores à bandeira preta, o cansaço da população e o avanço da cepa P.1, originária em Manaus.
— A piora pode ter relação com novas variantes, mas, independente disso, a forma como as pessoas não se protegem e se aglomeram também. Quando o apelo é mais forte e a saúde está colapsada, a mobilidade reduz. Fora isso, é difícil. O impacto no psicológico das pessoas de uma catástrofe aguda é muito maior do que de uma catástrofe crônica. Em um dia, morreu no Brasil o equivalente à tragédia de um Word Trade Center — reflete o médico Eduardo Sprinz, chefe do serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). — É preciso ver onde as pessoas se aglomeram, se há alguém positivo e ir atrás de quem entrou em contato. Isso ajudaria no controle da infecção. Mas não fizemos desde o início o dever de casa de ir atrás dos contatos e colocá-los em quarentena — acrescenta.
As nove semanas consecutivas de bandeira preta trouxeram ao Rio Grande do Sul uma melhora nos indicadores, mas a estabilização aconteceu em alto nível: a soma de pacientes confirmados e suspeitos para coronavírus em leitos clínicos e de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) é o dobro do registrado antes do terceiro pico da epidemia no Rio Grande do Sul, de acordo com estatísticas do Comitê de Dados do Palácio Piratini.
O Estado voltou a ter leitos de UTI livres, a ocupação geral é de 84,4% e não há mais macrorregiões com lotação acima de 100% – mas, regionalmente, ainda há cenários de risco.
Em Porto Alegre, por exemplo, o uso de leitos intensivos está em 91,1%, sendo que quatro hospitais estão lotados ou superlotados neste dia 1º de maio: Moinhos de Vento, Ernesto Dornelles, Restinga e Santa Ana.
A média móvel de mortes ao longo da última semana está ao redor das cem vítimas diárias, cerca de 60% abaixo do pior momento, em 20 de março, enquanto que a média de novas infecções está por volta das 10 mil por dia, ou 80% menos do que no ápice, em 1º de março – os dados dos últimos dias costumam ser atualizados com a inclusão de novas estatísticas, após o resultado dos exames.
— A gente vê uma queda das hospitalizações em leitos clínicos e de UTI, o que é uma coisa boa, junto com aumento de leitos livres. Ao mesmo tempo, há uma grande demanda de pacientes não covid, que estavam em espera por atendimento. O comportamento da sociedade face à bandeira preta melhorou, mas, por outro lado, a velocidade da queda diminuiu e estamos em patamares muito altos. Os números de internação estão ainda muito acima do pior momento de 2020, apesar da queda — reflete a médica epidemiologista Lucia Pellanda, professora na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do Comitê Científico do Palácio Piratini.
Das 25 mil vítimas do coronavírus, 27% têm entre 70 e 79 anos, 24,7% têm entre 60 e 69 anos, 23,3% têm mais de 90 anos. Mas, nas últimas semanas, a proporção de jovens vem aumentando e a de idosos, caindo, o que analistas acreditam ser resultado da vacinação e avanço da cepa P.1.
Com uma população de 11,4 milhões de habitantes, o Rio Grande do Sul tem 2,2 milhões de vacinados ao menos com a primeira dose. Cerca de 68% das aplicações são de CoronaVac e 32%, da vacina de Oxford.
Em termos proporcionais, o Rio Grande do Sul vacinou 19,8% da população, percentual que o coloca na liderança nacional da campanha de imunização – em segundo lugar, Mato Grosso do Sul vacinou 17,7% dos habitantes.
Dentre os motivos apontados para o bom desempenho, estão a experiência há anos do Rio Grande do Sul com a gigantesca campanha de vacinação da gripe, que mobiliza o Estado todos os anos em um inverno rigoroso, e a decisão da Secretaria de Estado da Saúde (SES), tomada ao lado de secretários municipais da Saúde do Rio Grande do Sul, de usar as vacinas disponíveis para a primeira dose, sem fazer a reserva de aplicação.
No entanto, ainda há um longo caminho para o Estado ver sua população protegida: 8% dos gaúchos receberam a segunda dose, sendo que a CoronaVac, o imunizante mais aplicado, tem efeito protetor duas semanas após o reforço. Apenas na semana passada é que os primeiros vacinados com o imunizante de Oxford/Fiocruz começaram a receber a segunda dose, injetada após três meses de intervalo.
Projeção feita pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington e que costuma acertar em projeções, antevê mais de 45 mil mortes por coronavírus no início de agosto no Rio Grande do Sul, se mantido o ritmo atual da pandemia. Caso a população use máscaras o tempo todo, o número de vítimas cairia para 37,3 mil.
— A vacinação atual é suficiente para amenizar, mas, se pensarmos no Chile, que teve muito mais vacinação e continuou tendo muitos casos, a vacinação sem comportamento adequado não contém uma nova onda. Uma festa de 400 pessoas é um absurdo sem tamanho. Enquanto acontecer isso, não tem como se livrar desse problema — observa a médica epidemiologista Lucia Pellanda.
Números do dia
O RS superou 25 mil mortos por coronavírus com o registro de mais 135 óbitos neste sábado. Também foram contabilizados 4.874 novos casos da doença, totalizando 979.807. A cidade com maior número de mortes oficializadas no dia foi Porto Alegre, com 27 vítimas. Depois, vieram Canoas, com 10, e Caxias do Sul e Santa Maria, com oito mortes cada.
São considerados recuperados da covid-19 no Rio Grande do Sul 939.790 pessoas, o equivalente a 96% dos infectados. Outros 14.854 casos estão em acompanhamento.