Diante do risco de outra onda da pandemia, o governo do Estado pretende colocar em prática novas medidas de combate ao coronavírus, como ampliar o monitoramento de novos casos de covid-19 nas regiões mais atingidas e sobre a circulação de variantes.
Uma das iniciativas, a ser implantada a partir do dia 1º de junho, é um programa de reforço na testagem com rastreamento das pessoas que tiveram contato com os doentes identificados. A intenção é interromper a cadeia de contágio por meio do isolamento desses indivíduos.
Segundo a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, a aplicação dessa metodologia será feita inicialmente com 35 mil testes rápidos de antígeno — que permitem resultado em poucos minutos, mas são menos sensíveis do que outro exame disponível, chamado PCR. Esse lote inicial, que equivale a pouco menos de 1% de todos os testes aplicados desde o começo da pandemia, será enviado principalmente para regiões que estejam enfrentando um avanço mais acelerado da covid-19, como cidades do Noroeste.
— Vamos enviar os testes para regiões com maior aumento (de casos), para testar os sintomáticos e monitorar os contatantes. Esperamos que esse projeto possa ir além dos municípios e alcançar também algum setor específico que queiramos, como a educação, conforme a importância epidemiológica — revela Arita.
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), além dos 35 mil kits iniciais, o Estado deverá receber uma parcela ainda não definida de um estoque de 2,4 milhões do Ministério da Saúde e adquirir outros por conta própria. O rastreamento de quem teve contato com pessoas com coronavírus é uma antiga recomendação feita por especialistas em saúde como forma de ampliar o controle sobre a pandemia e interromper a cadeia de transmissão da doença.
O infectologista Ronaldo Hallal, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, lembra que os testes de antígeno têm uma sensibilidade inferior em comparação aos exames de PCR.
— Ele é menos sensível que o PCR principalmente em assintomáticos e nos primeiros três a cinco dias do início dos sintomas. O recomendável é usar a metodologia PCR não só para populações específicas, mas na rede de saúde como um todo — observa.
Para reduzir o risco de falsos resultados negativos, a secretária de Saúde garante que serão realizados exames mais precisos de PCR em todos aqueles que o teste rápido não reconhecer o coronavírus, mas demonstrarem sintomas compatíveis. Hallal avalia como fundamental que esse segundo nível de verificação seja feito, além da ampla disponibilidade de testes na rede de saúde.
A estratégia da SES para tentar conter uma nova onda da covid-19 inclui ainda um reforço já realizado nos exames genéticos feitos por amostragem para identificar a eventual presença de novas variantes em circulação no Rio Grande do Sul, como a cepa indiana encontrada há pouco no Brasil e em países próximos como a Argentina.
A nova edição do boletim genômico estadual, com divulgação prevista para esta quarta-feira (26), já traz resultados desse maior esforço para tentar identificar precocemente novas variações do vírus no Estado. Foram analisadas 516 amostras de regiões de “especial interesse”, que alcançaram 112 municípios gaúchos — boa parte deles em zona de fronteira, por onde podem chegar essas variantes, e cidades do Noroeste já com crescimento significativo de casos.
O documento, conforme informações preliminares obtidas por GZH, indica que, em relação ao mês de maio, “a totalidade dos exames avaliados são atribuíveis à VOC (variantes de preocupação) P.1”. Ou seja, a mutação que começou a se alastrar em solo gaúcho no final do ano passado e foi vinculada ao pico da pandemia registrado entre fevereiro e março, hoje é praticamente absoluta. A possibilidade de um maior controle sanitário nas áreas de fronteiras seria discutida em uma reunião entre representantes da SES e de prefeituras gaúchas também nesta quarta.
Em relação à capacidade hospitalar, caso o número de internações siga subindo no RS, Arita sustenta que o Estado voltará a colocar em prática o nível 4 do plano estadual de contingência se a ocupação das UTIs novamente ultrapassar 90% de uso (nesta quarta, estava em 82%). Isso resultaria em ações como o cancelamento de cirurgias eletivas e o uso de estruturas como salas de recuperação para atender pacientes graves de covid-19.
A secretária informa ainda que serão adquiridos novos kits de medicamentos para intubação por meio da assinatura de um convênio com o Unops, um braço da ONU especializado em infraestrutura, compras e gestão, na próxima semana.
Especialistas destacam importância de barrar circulação do vírus
Além de ações como ampliação de testagem, especialistas em saúde consideram fundamental a adoção de restrições à circulação nas áreas mais afetadas pelo vírus para evitar que se consolide uma nova onda da pandemia no Estado.
A avaliação é de que os gaúchos seguem sob a ameaça do coronavírus porque jamais conseguiram reduzir a transmissão do vírus a níveis minimamente seguros antes de retomar atividades e a mobilidade. Por isso, o Estado já passou por três ciclos de crescimento da doença (embora, em nível nacional, sejam dois) e corre risco de um quarto repique.
— Ainda sofremos as consequências da falta de uma resposta vigorosa à pandemia. Nunca reduzimos a contaminação de forma intensa, como é recomendado, para retomar atividades econômicas e escolares — observa o infectologista Ronaldo Hallal.
Nós costumamos agir tarde e flexibilizar as medidas de restrição muito cedo
LUCIA PELLANDA
Professora de Epidemiologia
Para voltar às atividades cotidianas sem agravamento da covid-19, o ideal é derrubar significativamente o grau de transmissão do vírus ao longo de duas a três semanas, ou contar com uma proporção de exames positivos inferior a 5%. No Estado, esse percentual costuma variar sempre acima de 20%.
Professora de Epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Pellanda afirma que a hora de se adotar medidas mais duras contra a covid-19 era duas semanas atrás, quando os indicadores de novos casos já apontavam para a retomada do crescimento.
— Nós costumamos agir tarde e flexibilizar as medidas de restrição muito cedo. A questão é que as pessoas precisariam ter maior suporte econômico para poder ficar em casa mais tempo antes de reabrir tudo. Não adianta só falar que precisa ficar em casa — pondera Lucia.
A secretária estadual de Saúde, Arita Bergmann, afirma que o Estado mantém o monitoramento constante da situação epidemiológica de todas as regiões e, pelo novo sistema 3 As, emite avisos e alertas de agravamento que podem exigir a apresentação de planos de ação por parte das prefeituras — em um modelo de gestão mais compartilhada com os gestores locais em comparação ao antigo modelo de distanciamento controlado.
— Cada região tem de mostrar as medidas que vai adotar para restringir a propagação do vírus, além de seguir protocolos mínimos — diz Arita.