Após superlotar hospitais em uma onda que teve como um de seus focos de origem a Região Metropolitana, entre fevereiro e março, a pandemia volta a ganhar força no Rio Grande do Sul agora a partir do aumento de casos e internações no Interior.
Na avaliação de infectologistas e epidemiologistas, tendências de agravamento da covid-19 verificadas em áreas como as de Santo Ângelo, Cruz Alta e Passo Fundo podem provocar um novo ciclo de avanço generalizado do coronavírus em solo gaúcho. Esse cenário é favorecido pela retomada de atividades com a circulação do vírus elevada, percentual ainda baixo de vacinação e insuficiência de testagem e rastreamento de casos. A chegada do frio, que pode reduzir a ventilação em ambientes fechados, é outro possível complicador.
Embora o Estado ainda apareça, na média, com tendência de queda em casos ou óbitos e pequeno crescimento no uso de leitos clínicos (veja abaixo), os números gerais escondem situações específicas muito diferentes. Conforme os dados da versão desta segunda-feira (17) do boletim diário de monitoramento da covid-19, que serve de base para a emissão de recomendações por parte do Piratini, 11 das 21 regiões gaúchas havia apresentado aumento no acumulado semanal de novos casos da doença, e nove tiveram crescimento na demanda por UTIs.
A situação é ainda mais preocupante quando se analisa a variação nas internações em leitos clínicos — doentes que, nas semanas seguintes, podem demandar UTI ou acabar morrendo. O boletim estadual registrou avanço da pandemia por esse critério em 14 das subdivisões do Estado, o equivalente a dois terços.
— Esses aumentos já eram esperados, já que paramos de ter queda nos indicadores da pandemia desde abril. Agora, embora a média geral ainda seja de declínio, em algumas regiões já há aumento. A expectativa, infelizmente, é de que a tendência anterior de queda se reverta e, em algum momento, a pandemia volte a entrar em sincronia em todo o Estado — avalia o infectologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki.
As Missões são uma das atuais zonas de atenção. Santo Ângelo e Palmeira das Missões, por exemplo, registraram 62,9% e 47,10% de crescimento de novos casos em uma semana, respectivamente — e tiveram quase um terço de subida nas mortes no mesmo período. Cachoeira do Sul, Uruguaiana, Palmeira das Missões e Santo Ângelo já apareciam com taxas de ocupação de UTI iguais ou superiores a 100%, o que aumenta as preocupações com a estrutura de atendimento.
Segundo Zavascki, a Região Metropolitana, que antes empurrava as estatísticas estaduais para cima, agora ajuda a manter os indicadores gerais do Estado sob controle graças a números moderados de internações em UTIs, por exemplo (a taxa estava em 72% conforme o boletim desta segunda). Como é uma área muito populosa, tem um peso significativo na composição da média geral.
Se houver uma nova sincronização do agravamento do coronavírus a exemplo do que ocorreu na mais recente onda da doença, quando todas as regiões foram sobrecarregadas de forma concomitante, as estatísticas piorariam bastante.
É possível que isso ocorra, conforme o integrante do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, Ronaldo Hallal, em razão de os gaúchos terem retomado a mobilidade com proporção de vacinados baixa (10% da população com esquema de imunização completo), e circulação do vírus ainda elevada, sem a adoção de medidas compensatórias como ampliação massiva da testagem com rastreamento, isolamento de casos e quarentena de pessoas que tiveram contato com doentes.
— Não conseguimos reduzir de forma mais intensa a circulação do vírus (antes de retomar atividades). Considera-se que é possível flexibilizar medidas de isolamento quando a taxa de positividade dos exames (percentual dos testes que dá resultado positivo) fica abaixo de 5%. No começo do mês, estávamos ao redor de 40% — compara Hallal.
Vacinação pode ajudar a reduzir níveis de internação hospitalar
O infectologista Alexandre Zavascki avalia que, embora a vacinação ainda seja insuficiente para gerar imunidade coletiva, pode contribuir com outros fatores, como o fato de parte da população infectada anteriormente estar com alguma imunidade residual, para reduzir a velocidade de uma eventual nova curva de aceleração da pandemia e o impacto dessa reversão de tendência.
Cerca de 10% dos gaúchos já tomaram as duas doses necessárias para máxima eficácia, enquanto é necessário algo em torno de 70% para barrar a circulação do vírus. Mas, individualmente, o risco de desenvolver a forma mais grave da doença é menor após a imunização.
— Como parte da população mais vulnerável está imunizada, é possível que ocorra um nível menos elevado de hospitalizações do que já tivemos entre fevereiro e março — projeta Zavascki.
A professora de Epidemiologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA, Lucia Pellanda, concorda que a vacinação pode amenizar o problema, mas não seria capaz de evitar um novo ciclo da pandemia. Além disso, enquanto a transmissão do vírus não é controlada, há sempre o risco de que uma nova variante mude completamente o cenário provoque uma nova subida vertiginosa, como quando a P.1 entrou em solo gaúcho:
— Tudo vai depender de fatores como o comportamento da população, evitando aglomerações que podem resultar no superespalhamento do vírus, e de questões como a penetração de novas variantes. Há pouco foi identificada a presença de uma variante da Índia na Argentina — sustenta Lucia.
O gabinete de crise do governo do Estado vai analisar, ao longo desta semana, os sete avisos (patamar mais baixo de perigo entre os três níveis existentes pelo Sistema 3As) e os cinco alertas (intermediários) já emitidos pelo setor técnico da gestão da pandemia no Rio Grande do Sul. Na primeira avaliação, o grupo alertou para as seguintes regiões: Santo Ângelo, Cruz Alta, Ijuí, Passo Fundo e Cachoeira do Sul.