O Rio Grande do Sul cruzou a barreira de 20 mil mortes por coronavírus, nesta quinta-feira (1º), sob sinais preliminares de desaceleração da doença, mas diante de uma série de desafios para desafogar o sistema de saúde e derrubar o elevado patamar de óbitos.
A necessidade de aumentar o ritmo da vacinação contra a covid-19, a sobreposição com a campanha de imunização da gripe e a proximidade do período de outras doenças respiratórias, capaz de intensificar ainda mais a pressão sobre a rede hospitalar, estão entre os principais obstáculos no caminho para superar o pior momento da pandemia.
Nos últimos dias, o Estado teve alguns indícios de que a covid-19 avança com menos ímpeto sobre os gaúchos. A média de aumento diário de casos variou de 0,9% — taxa mais elevada do país 10 dias atrás — para 0,63% nesta quinta-feira, passando para o nono lugar do ranking nacional, levando-se em conta os sete dias anteriores.
A quantidade de doentes internados em leitos clínicos também entrou em tendência de recuo após a imposição de restrições mais duras da bandeira preta do sistema de distanciamento controlado: diminuiu 20% ao longo da última semana. Nesta quinta, havia 3,7 mil hospitalizados fora de unidades de terapia intensiva (UTIs), após um pico de 5,4 mil em meados de março. Nas UTIs, a ocupação geral ficou em 99% após um mês acima da capacidade máxima, mas o cenário ainda é de esgotamento e filas de espera.
O acumulado de mortes semanais por 100 mil habitantes, que quadruplicou desde o final de fevereiro, se manteve em patamar estável nos últimos dias — mas ainda em um dos níveis mais altos do país. A última semana somou 17,5 mortes por 100 mil habitantes, segundo maior índice depois de Rondônia e quase o dobro da média nacional.
Projeções feitas em 18 de março pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME), ligado à Universidade de Washington (EUA), indicam que o Estado poderia chegar a 33 mil óbitos por covid-19 até 1º de julho. Como houve uma desaceleração das mortes depois disso, é possível que a estimativa seja revisada para baixo em uma nova atualização. Mesmo assim, o panorama é de alerta.
Temos agora o feriado de Páscoa, que também pode levar a um aumento nas infecções. O ideal é que as pessoas não se reúnam com familiares com quem não moram junto
PAULO PETRY
Epidemiologista e professor da UFRGS
— Já vemos menos mortes na faixa dos 80 anos devido à vacinação, mas o ritmo de imunização ainda é lento. Da mesma forma, vemos uma redução na fila de espera das UTIs. Ainda assim, o cenário permanece preocupante porque entramos no outono e temos pela frente um período em que tradicionalmente aumentam outras infecções respiratórias que também podem matar — observa o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry.
Um dos temores dos especialistas é de que a pressão exercida por doenças sazonais como a gripe se acumule com uma demanda ainda muito elevada em razão da pandemia de covid-19. Por isso, Petry recomenda manter medidas de restrição à circulação e ações preventivas como distanciamento e uso de máscaras, além de uma aceleração no ritmo das imunizações.
— Temos agora o feriado de Páscoa, que também pode levar a um aumento nas infecções. O ideal é que as pessoas não se reúnam com familiares com quem não moram junto. O risco de aglomerações não é apenas em festas para 200 pessoas. Podem ser encontros com meia dúzia de gente — sustenta Petry.
RS precisa ao menos triplicar ritmo de vacinação
Um dos caminhos para reduzir o impacto da tragédia do coronavírus é aumentar o ritmo de vacinação no Estado. O Ministério da Saúde considera necessário vacinar pelo menos 1 milhão de pessoas por dia para fazer frente à pandemia em todo o país. Se for aplicado a esse universo o percentual de aproximadamente 6% de doses que o governo federal destina ao Rio Grande do Sul, teriam de ser aplicadas cerca de 60 mil doses por dia.
Desde o começo da campanha de imunização, o Estado vacinou, em média, 20 mil pessoas diariamente — embora seja esperado que o processo comece mais lento e vá ganhando impulso à medida que chegam carregamentos maiores de vacinas. De qualquer forma, seria necessário triplicar a média registrada até agora para se aproximar da meta nacional.
Capacidade logística para isso o Rio Grande do Sul tem de sobra. O maior gargalo é a disponibilidade de imunizantes.
— O Rio Grande do Sul já vacinou 60 mil pessoas contra a covid em um dia, foi o número mais alto desde que a imunização teve início (61,4 mil aplicações em 25 de março). Com esse ritmo, alcançaríamos perto de 2 milhões de pessoas por mês. Mas, tendo mais vacinas, certamente conseguiríamos imunizar ainda mais gente a cada dia — observa o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha.
O Estado tem 5 milhões de pessoas nos chamados grupos prioritários, como idosos e profissionais de saúde. Desses, 1,1 milhão já tomaram a primeira dose e 304 mil receberam a segunda. Contando as duas doses, ainda faltariam ser feitas cerca de 8,6 milhões de aplicações para proteger os mais vulneráveis. A um ritmo de 60 mil ao dia, levaria ainda cerca de cinco meses para completar. Ou seja, para cumprir uma previsão inicial de concluir a vacinação dos grupos prioritários até maio, o Estado precisaria ir muito além da média de 60 mil doses ao dia.
Cunha considera que pode ser necessário buscar parcerias com outras instituições, inclusive privadas, para dar conta de promover a imunização da covid-19 ao mesmo tempo que a da gripe, cuja campanha se inicia em 12 de abril. Também será importante prestar atenção a aspectos técnicos.
— Deve haver um intervalo de pelo menos 14 dias entre a vacina da covid e qualquer outra, incluindo a da gripe, seja antes ou depois. É uma logística complicada — observa o presidente da SBIm.