Dados compilados pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) apontam que um a cada três pacientes de coronavírus (36,6%) morreu após precisar ser internado na UTI durante a pandemia. Proporcionalmente, a mortalidade é maior na rede pública, com taxa de 52,9%, conforme o levantamento. Já nos hospitais privados, o índice de óbitos é de 29,7%. No Brasil, o número de mortos pela doença a cada 24 horas já se aproxima de 4 mil, e redes de saúde em várias regiões já entraram em colapso, com falta de leitos ou remédios para entubação.
As informações sobre a mortalidade nos leitos de terapia intensiva constam da plataforma UTIs Brasileiras, com objetivo de orientar gestores de saúde, que reúne dados de 652 hospitais — o equivalente a cerca de 25% das unidades de terapias intensivas no país. São 403 unidades da rede privada e 249 da pública, que correspondem a 20.865 leitos.
Membro do Conselho Consultivo e ex-presidente da Amib, Ederlon Rezende é o coordenador da plataforma. Para ele, o fato de a rede pública estar recebendo doentes em situação mais aguda ajuda a entender a diferença entre as taxas de mortalidade.
— Quando a gente fala de UTI pública e privada, a primeira coisa a se observar é o porcentual de pacientes sob ventilação mecânica, ou seja, os casos mais graves — afirma.
— Nos hospitais públicos, isso representa cerca de 65% das pessoas atendidas, enquanto que nas UTIs privadas é 40%. O dado, por si só, já explica por que a mortalidade é maior — completa.
Ele pondera, no entanto, que também há discrepância quando se compara a letalidade apenas em pacientes entubados. Na rede pública, o índice é de 72,4%, segundo o UTIs Brasileiras. Na particular, fica em 63,6%. Para os pacientes que não precisam de ventilação, a taxa de mortalidade é, respectivamente, 17,1% (público) e 7,6% (privado).
— Se eu considerar que também é diferente nesse subgrupo, então devo admitir que há outras variáveis influenciando, embora não tenha como provar quais são elas — diz Rezende.
Entre os possíveis fatores, ele cita melhor infraestrutura da rede privada e maior dificuldade em conseguir vaga em hospital público.
— Quando há fila para conseguir uma vaga na UTI, especialmente agora com o sistema colapsado, o paciente chega com o quadro agravado — afirma. — Isso compromete o desfecho, aumentando o risco de morrer.
Ainda de acordo com a plataforma, o período de internação pela covid-19 é maior na UTI pública. Nessas unidades, 54,2% ficam mais de sete dias. O índice é de 48,6% no privado. No geral, o tempo médio de permanência é de 12,6 dias.
"É preciso diminuir número de casos"
O levantamento também mostra que, com a escalada de novos casos nas últimas semanas, a taxa de letalidade tem subido nas UTIs. Segundo Rezende, a sobrecarga nos hospitais diminui a capacidade de atender os pacientes com qualidade. Levantamento da Fiocruz esta semana mostrou 24 Estados e o Distrito Federal com taxas de ocupação superiores a 80% nas unidades de terapia intensiva. Para evitar o agravamento do colapso e frear as taxas de transmissão, governadores e prefeitos têm aumentado as medidas de isolamento e adotado até o lockdown.
— Nos primeiros semestres, a mortalidade em geral era de 32%. Agora, entre dezembro e fevereiro, foi de 38% — afirma o especialista. — Significa um aumento de 18,7% na mortalidade, o que é bastante expressivo — diz.
Para Rezende, "está claro que não adianta mais sair abrindo UTI" e é preciso "diminuir o número de casos e ser mais rigoroso na circulação de pessoas".
— Os novos leitos acabam sendo importantes para oferecer dignidade, e a pessoa não morrer na UPA ou na rua — diz. — Entretanto, deve ficar claro que já atingiu o limite. Há locais que triplicaram o número de UTIs e algumas não têm estrutura adequada, principalmente no que diz respeito à qualificação das equipes. Isso compromete o resultado — destaca ele.