Bagé, município da Campanha, começou na segunda-feira passada (12) a vacinar contra covid-19 gestantes consideradas de alto risco — ainda que este grupo específico não esteja incluído entre as prioridades do Plano Nacional de Vacinação e que não tenha sido estudado durante os ensaios clínicos das vacinas. A determinação, no entanto, foi embasada em uma nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde em meados de março e que levou em conta uma série de recomendações feitas por órgãos e sociedades médicas internacionais e nacionais.
No texto, a pasta apresenta o monitoramento dos casos de óbitos entre gestantes e puérperas em decorrência da covid-19 (dados até a data de publicação do documento, em 15 de março): 199 gestantes morreram de síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Dessas, 135 tiveram o quadro em razão da infecção por coronavírus. Com base nesses números e nas recomendações internacionais, o Ministério da Saúde, em conjunto com câmaras técnicas, passou a aconselhar que a vacina contra a covid-19 seja ofertada para gestantes que tenham alguma comorbidade, como diabetes, hipertensão arterial crônica, obesidade, doença cardiovascular, imunossuprimidas, transplantadas e com doenças renais crônicas ou doenças autoimunes.
— As gestantes têm um risco maior de ter agravamento da covid-19, de ir para ventilação mecânica e de morrer, quando comparadas às mulheres não grávidas — justifica a médica Ivete Cristina Teixeira Canti, diretora de Normas da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs) e coordenadora do setor de gestação de alto risco do Hospital Nossa Senhora da Conceição.
Foi reunindo esses indicadores que a prefeitura de Bagé passou a ofertar o imunizante às mulheres de alto risco atendidas no Posto Camilo Gomes. Para isso, além de considerar as doenças pré-existentes, foram adotados critérios para a vacinação, que pode ser recomendada a partir da 24ª semana gestacional e em mulheres sem histórico de infecção por coronavírus ou outra doença nos últimos 45 dias.
— Há indicadores de que elas são prioritárias. Os dados vão nos dando suporte, não é da nossa cabeça. Temos 204 gestantes de alto risco passando por uma avaliação médica — diz Adriane Cunha Simões Pires, secretária de Saúde do município.
Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) esclarece que: "Gestantes, lactantes e puérperas podem ser vacinadas quando pertencentes a um dos grupos prioritários (exemplo: trabalhadoras da saúde, indígenas, quilombolas, com comorbidades), por decisão compartilhada entre a mulher e seu médico, após avaliação de risco e benefício individual (...)". A pasta destaca que essa recomendação consta no Plano Estadual de Vacinação Contra Covid-19 do RS, que segue o Plano Nacional de Imunizações (PNI). E acrescenta que "(...) os critérios para distribuição das vacinas contra a covid-19 aos municípios seguem o PNI e são pactuados com os gestores municipais de saúde na Comissão Intergestores Bipartite (CIB)".
"Começamos a perceber que ninguém está protegido"
Além de terem risco aumentado de evolução para quadros graves ao contrair covid-19, a infecção também parece estar associada a casos de prematuridade e aumento de cesáreas, diz Edson Vieira da Cunha Filho, chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Moinhos de Vento (HMV) e obstetra do Nasce Centro de Atendimento à Gestante. Por esse motivo, mulheres grávidas que não se enquadram nos critérios de doenças prévias mas que tenham exposição ao vírus precisam discutir o assunto com o seu médico.
— A vacina pode ser oferecida após avaliação dos riscos e benefícios, principalmente em relação às atividades desenvolvidas pela mulher. Por exemplo as dentistas, cujos pacientes precisam retirar as máscaras para fazer o atendimento, médicas, enfermeiras e técnicas de enfermagem que estão na linha de frente e não foram remanejadas. E também as esposas de profissionais que exercem essas atividades — elenca o profissional do HMV.
— Com o que temos até o momento, parece que para a gestante o risco é do menor que o benefício — completa Ivete.
Grávida de 14 semanas, a médica Rafaela Zanella optou por fazer a imunização depois de conversar com Tiane Nogueira Salum, obstetra que a acompanha. A descoberta de que Enrico estava a caminho ocorreu em fevereiro e, na época, a vacina contra a covid-19 já entrou em pauta, lembra:
— Na primeira conversa, já questionei se quando chegasse a minha vez, que por ser profissional da saúde chegaria antes, eu deveria aplicar a vacina ou não. Naquele momento, a indicação era não vacinar, pois acreditávamos que a pandemia se estabilizaria.
Contudo, em março, a obstetra mudou o posicionamento e indicou que Rafaela fizesse a vacina. A mudança de opinião, explica Tiane, tem como base a série de estudos, publicações e normativas emitidas por entidades como a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia. Além disso, o aumento da circulação viral pesou na recomendação.
— Começamos a perceber que ninguém está protegido. Algumas médicas pararam de trabalhar, mas os maridos continuaram e se infectaram — justifica a obstetra.
Puérperas e lactantes que se enquadrem nos critérios dos grupos prioritários também devem receber a oferta de vacina, segundo a nota técnica. As lactantes são orientadas a não interromperem o aleitamento materno.
O que você deve saber
- Gestantes têm risco aumentado de complicações da covid-19 na comparação com não-gestantes
- Gestantes com comorbidades têm risco ainda maior de evoluir mal caso infectadas pelo coronavírus
- Não há estudos de vacinas contra a covid-19 feitos com gestantes
- Ainda sem pesquisa nesse público, por analogia a outras vacinas, os imunizantes contra covid-19 parecem seguros
- A decisão de tomar a vacina deve ser discutida com o médico, a fim de avaliar riscos versus benefícios
- Se a mulher optar por não tomar a vacina, sua decisão deve ser respeitada e apoiada
- Não há uma idade gestacional recomendada para a vacinação, porém, o bom senso recomenda que ela seja oferecida após o o 1º trimestre, pelo menos
Estudos avançam
Até o momento, nenhuma farmacêutica produtora de vacinas contra a covid-19 testou os imunizantes nessa população específica. No entanto, pesquisas nesse sentido já estão sendo desenhadas. Aqui no Brasil, os laboratórios Janssen-Cilag e Pfizer solicitaram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para estudar esses imunizantes em gestantes. Ambas já receberam o aval da Agência.
Apesar dessa lacuna nos estudos, as orientações dos organismos internacionais fazem uma analogia com outras vacinas já usadas com segurança em grávidas. Fora isso, testes realizados em animais gestantes não apresentaram evidências de danos ao embrião ou feto, afirma Ivete, a diretora da Sogirgs.
— Ainda assim, as gestantes devem ser acompanhadas de perto para identificar possíveis eventos adversos. A aplicação da vacina é um oferecimento com consentimento e bem esclarecido para que a mulher possa decidir. A classe médica está se sentindo muito confortável em ofertá-la para mulheres grávidas com comorbidades, mas certezas absolutas só virão com o tempo. Não se pode dizer que não tem risco nenhum — observa.
Idade gestacional e anticorpos
Justamente pela ausência de testes em gestantes é que não existe uma recomendação precisa sobre o tempo de gestação mais indicado para a realização da aplicação da vacina. O obstetra Cunha Filho diz que, aparentemente, os imunizantes contra a covid-19 parecem ser seguros em qualquer idade gestacional. Contudo, somente os estudos poderão confirmar essa percepção. Em contrapartida, Ivete, coordenadora do setor de gestação de alto risco do Conceição, sugere que se evite a administração durante o primeiro trimestre de gravidez, período em que há a formação do feto, dos órgãos e do sistema nervoso, pelo menos enquanto não se tem resultados de trabalhos que incluam gestantes.
Outra questão que ainda não está clara e que carece de pesquisa é a transferência de anticorpos da mãe vacinada para o bebê. O médico do HMV destaca que essa proteção tem sido identificada no cordão umbilical dos recém-nascidos de mulheres imunizadas durante a gravidez. Porém, não está estabelecido se esses anticorpos oferecerão imunidade e por quanto tempo ela duraria.
Outros trabalhos recentes, publicados no periódico médico Jama Pediatrics, sugerem que mulheres infectadas durante a gestação transferiram anticorpos para as crianças de forma eficiente, completa Ivete.
— De repente, isso pode acontecer após a vacinação — finaliza a médica.
As vacinas na gestação
- São indicadas: dTpa, influenza e hepatite B
- Podem ser feitas: hepatite A, hepatite A+B, pneumocócicas, meningocócica C e ACWY, meningocócica B e febre amarela
- São contraindicadas: tríplice viral, varicela, HPV e dengue