Após o início da vacinação contra a covid-19, em 18 de janeiro, alguns hospitais de Porto Alegre começam a registrar redução nos afastamentos de profissionais da saúde por infecção pelo coronavírus. Entre outros fatores, o resultado é creditado à proteção conferida pelos imunizantes.
Dos 1,76 milhão de imunizados no Rio Grande do Sul, 379,6 mil são trabalhadores da saúde – destes, 44% receberam a segunda dose, que começou a ser aplicada nesse público em 11 de fevereiro. Em alguns casos, o reforço ainda não foi feito porque a vacina de Oxford exige três meses de espera.
A despeito do receio de que março apresentasse o maior número de profissionais contaminados em virtude de ter sido o auge da pandemia, de maneira geral o número de trabalhadores afastados de hospitais gaúchos ficou abaixo do verificado em fevereiro e inclusive dos picos anteriores da pandemia, em julho e dezembro.
No Hospital Conceição, onde trabalham 10 mil pessoas, houve queda de 78% na média de profissionais com coronavírus em março, na comparação com o mês anterior.
— Atribuímos essa queda à vacinação. Já conseguimos vacinar todos os nossos colaboradores com a primeira dose e mais da metade, com a segunda. Observamos uma redução dos casos confirmados e a procura na nossa tenda covid para os colaboradores — diz o diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Cláudio Oliveira.
No Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), onde atuam cerca de 2,5 mil funcionários, o número de afastados em março foi 21% menor do que no mês anterior, 19,5% abaixo do pico de dezembro e 60% menor do que o pico de julho.
— Em março, seria esperado um expressivo aumento porque foi o mês com maior número de casos confirmados na cidade e no Estado. Mas o que verificamos foi um decrescimento de fevereiro para março, em patamar semelhante a quando a pandemia não estava no pior momento. Isso nos leva a crer que foi o efeito protetivo da vacina. Esperamos que, quanto mais pessoas tomem a segunda dose, o número de afastamentos seja cada vez menor — diz o diretor-técnico do São Lucas, Saulo Bornhorst.
O Hospital Mãe de Deus verificou redução na média semanal de casos de coronavírus – e, daqueles que adoeceram, a infecção foi leve. Se, no primeiro pico de junho, a média chegou a 34 casos por semana e, em novembro, a 37 casos semanais, entre março e abril o máximo foi de 27 casos por semana.
"Os funcionários que receberam a CoronaVac, com intervalo entre doses menor, completaram o esquema vacinal na segunda quinzena de fevereiro. Em março, começamos a notar uma redução significativa e gradual nos casos semanais", diz o Mãe de Deus, por e-mail.
"Além de notarmos uma redução na incidência de funcionários com covid-19 após o início da campanha de vacinação, também notamos que casos positivos que ainda não completaram o esquema vacinal, mas já haviam feito pelo menos a primeira dose, desenvolveram quadros com sintomatologia bem mais leve e de evolução favorável", acrescenta.
A Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre (SMS) informa que o número de surtos de coronavírus dentro de hospitais era um problema nos picos anteriores da pandemia por conta do grande número de afastamentos de funcionários, mas que, durante o auge de março, o assunto sequer foi trazido por diretores das instituições.
Desde o início da pandemia, mais de 30,1 mil trabalhadores da saúde foram contaminados com a covid-19 no Rio Grande do Sul, mas o número de março, apesar do ser o auge da pandemia, foi o menor em 10 meses, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES).
Tani Ranieri, chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, afirma que é cedo para cravar que a vacinação derrubou as contaminações de profissionais da saúde em nível estadual porque há outros fatores que podem ser responsáveis.
— Existe correlação temporal entre aumento da cobertura vacinal e a redução de casos de covid nessa categoria, mas, por si só, a vacina não pode ser avaliada como causa da menor incidência da covid. Há outras variáveis fundamentais, como a proporção de trabalhadores infectados previamente, a adoção de condutas de prevenção e os diferentes graus de exposição dos profissionais dentro da própria instituição. Hospitais têm, isoladamente, mais condições de avaliar isso em seu corpo de profissionais — afirma Tani.
Tem fatores de confusão que podem ser responsáveis por essa redução. Como um grande número de pessoas teve covid, sobram menos profissionais para ter covid. Não sabemos se a redução de casos é pela vacina, por ter tido muito profissional com covid ou as duas coisas
FÁBIO DANTAS
chefe do Serviço de Medicina Ocupacional do Hospital de Clínicas
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) notou redução nos afastamentos por coronavírus após vacinar 8,4 mil funcionários – destes, 4 mil receberam a dose de reforço. Se, na última semana de fevereiro, 38,8% dos funcionários que buscaram atendimento no Serviço de Medicina Ocupacional da instituição foram confirmados para coronavírus, na última semana de março a proporção caiu para 13,5%. Mas, com entendimento semelhante ao do governo do Estado, o Clínicas afirma que esses dados ainda não permitem atribuir relação de causa e efeito entre a vacina e a redução das infecções.
— Tem fatores de confusão que podem ser responsáveis por essa redução. Como um grande número de pessoas teve covid, sobram menos profissionais para ter covid. Não sabemos se a redução de casos é pela vacina, por ter tido muito profissional com covid ou as duas coisas. Além disso, a gente observou em março uma redução de casos em profissionais da saúde, mas o mesmo também se verificou na população em geral — diz Fábio Dantas, chefe do Serviço de Medicina Ocupacional do Clínicas.
A ressalva é feita também pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, que também viu redução nos afastamentos de funcionários por coronavírus, de 83, em fevereiro, para 77, em março.
— Eu diria que a vacina contribuiu para a melhora, mas não tem como creditar a ela, ainda. Aplicamos 8.328 primeiras doses e, dessas pessoas, 45% receberam a segunda. Para ter certeza, temos que terminar de vacinar quem tomou a de Oxford, o que deve acontecer no fim do mês — afirma Edison José Manchesski, coordenador da Medicina do Trabalho da Santa Casa.
Após a vacinação dos colaboradores, o Hospital Moinhos de Vento observou uma redução significativa nas faltas e afastamentos, seja de casos que testaram positivo para covid-19 ou por suspeita de infecção e para investigação dos sintomas. A Medicina do Trabalho e o programa Saúde Plena Moinhos estão desenvolvendo um projeto de pesquisa científica para consolidar os números e avaliar a relação da imunização com a redução dos afastamentos. Assim que os dados preliminares estiverem consolidados, serão divulgados.
Dados informados pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS) mostram que ainda não houve efeito da vacinação na redução de casos confirmados de coronavírus em enfermeiros e técnicos de enfermagem.
— Em alguns hospitais pode haver o efeito da vacinação, e isso é positivo, mas ainda não dá para dizer que houve efeito de forma geral porque menos de 50% dos profissionais da saúde receberam a segunda dose. Mas não podemos baixar a guarda. Precisamos vacinar mais. O processo de vacinação precisa ser acelerado para conter as novas variantes — diz a enfermeira e conselheira do Coren-RS Sônia Regina Coradini.