Por Marcelo Dutra da Silva
Professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
O Brasil é tão grande e a população, tão numerosa e variada que a simples circulação de um vírus, com capacidade de infectar humanos, é capaz de encontrar obstáculos naturais suficientes para desencadear múltiplas mutações. E quanto mais o vírus circula e se multiplica maiores são as chances de gerar variantes virais mais adaptadas, resistentes, com amplo espectro no contágio e muito mais letais. A cada nova geração, pequenas mudanças aleatórias surgem, em resposta às variações e adversidades do meio, onde são selecionadas aquelas características que conferem maior adaptação ao vírus, que ganha uma nova estrutura viral.
Portanto, quanto mais resistimos às medidas sanitárias e de distanciamento social, na tentativa de barrar a circulação do vírus, quanto mais insistimos em aglomerar em festas, bares e espaços públicos, quanto mais demoramos para vacinar as pessoas, quanto mais o vírus circula em uma população gigante e minimamente vacinada, maior será o risco de surgirem cepas virais potentes e perigosas, que podem não ser barradas pelos imunizantes. E nós estamos fazendo isso. O Brasil se transformou em um ecossistema de replicações virais mutantes, no melhor estilo da seleção natural.
Certamente o risco poderia ser menor se as infecções estivessem sob controle, mas não estão. Novas variantes do vírus se espalharam rapidamente pelo país, com maior chance de infectar pessoas, incluindo as que já foram vacinadas. A mutação E484K de SARS-CoV-2, identificada na variante de Manaus (P.1), indicou maior eficiência na ligação do vírus com as células e maior potência de infecção dos indivíduos contaminados. Essa transformação já foi identificada em três linhagens, que se encontram distribuídas em, pelo menos, quatro regiões brasileiras.
As linhagens B.1.1.7, B.1.351, e P.1 vêm sendo fortemente estudadas devido ao seu impacto na transmissibilidade e patogenicidade. A variante P.1, por exemplo, é a linhagem dominante no Brasil. Ela possui três mutações importantes (E484K, N501Y e K417T/K417N), que basicamente representam alterações genéticas no ponto de ligação da proteína Spike, conferindo ao vírus maior poder de encaixe nas células, aumentando o contágio. Esta é a variante que tem despertado maior preocupação entre os cientistas e médicos que atuam na linha de frente.
Recentemente, no Rio Grande do Sul, foram identificadas circulando 19 linhagens do coronavírus. E mais uma vez a variante P.1 está presente entre as dominantes. Variações mutantes do vírus já eram esperadas, e desde o princípio circulavam, por aqui, cerca de sete linhagens. No início isso era um indicativo de importação do vírus – da América, da Europa e da Ásia. Mas hoje a variabilidade é tamanha que nossa falta de controle na disseminação sugere que estamos reproduzindo novas formas virais.
Apesar do número de variantes, poucas oferecem um grau elevado de contágio. Na análise regional (no Estado), as variantes P.1 e P.2 são apontadas como as cepas contagiosas que mais preocupam os especialistas. A cepa P.2, identificada originalmente no Rio de Janeiro, carrega a mutação E484K e tornou-se uma das versões mais frequentes no Rio Grande do Sul. Ela circula desde novembro do ano passado, enquanto a variante P.1, desde janeiro deste ano, podendo estar associada à nova explosão de casos. Esse triste cenário tenta nos passar uma mensagem: precisamos mudar o nosso comportamento.
Nosso descuido com a vida vem ultrapassando limites sem precedentes na história. Arrisco dizer que a pandemia do novo coronavírus já é algum tipo de resposta, que se agrava diante do nosso comportamento ruim, que não se limita ao negacionismo e à oposição às medidas sanitárias. Estamos num frenético processo de destruição da natureza. Avançamos sobre o desconhecido derrubando florestas, que queimam sem parar, derretendo geleiras, num clima que nos ameaça com mudanças, fazendo contato com vírus e outros patógenos que podem insurgir na forma de novas doenças. É bom reavaliarmos nossas ações antes que seja tarde.