Um novo estudo conduzido por cientistas do Rio Grande do Sul, tornado público nesta sexta-feira (12), sugere que a cepa P1, originada em Manaus, pode ser predominante em Porto Alegre e estar relacionada à explosão de casos, hospitalizações e mortes por coronavírus no Rio Grande do Sul a partir de fevereiro.
Na análise, pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) investigaram o genoma de 68 amostras de Sars-CoV-2 entre março do ano passado e fevereiro deste ano em pacientes atendidos no hospital, referência no Estado para casos graves da doença.
Das 27 amostras de fevereiro, 24 (quase 90%) eram da variante P1. A prevalência é muito maior do que em janeiro, quando, de 15 amostras, apenas uma continha a nova cepa detectada, primeiramente, no Amazonas. Antes de janeiro, a variante não havia sido encontrada no HCPA.
No início de março, o HCPA apontara, em outra análise, feita em parceria com governo do Estado e a prefeitura da capital gaúcha, que havia transmissão comunitária da P1 – ou seja, que as infecções relacionadas à variante não eram mais importadas.
Em comunicado técnico publicado em 4 de março, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou a predominância da cepa P1 no Rio Grande do Sul.
Até agora, pesquisas apontam que essa nova variante é mais transmissível, mas não se sabe se pode levar a casos mais graves. Alguns profissionais da saúde que atuam na linha de frente de hospitais gaúchos relatam que, desde fevereiro, começaram a lidar com pacientes jovens e saudáveis em estado grave ou que pioram de saúde mais rápido, o que pode sugerir que a nova cepa seja mais agressiva.
O estudo também desmente a desinformação que circula em redes sociais de que a cepa chegou ao Rio Grande do Sul após o governador Eduardo Leite permitir a vinda de pacientes de Manaus em 1º de fevereiro, já que o Hospital de Clínicas detectou a presença da P1 em janeiro. Especialistas afirmam que a nova variante se espalhou pelo grande número de infecções no Brasil e pela alta circulação.
A transmissão comunitária da cepa de Manaus vem sendo encarada por profissionais da saúde e cientistas como uma “segunda fase” da pandemia, mais perigosa, na qual será preciso fazer ainda mais distanciamento social, usar máscara e evitar aglomerações.
Para Alexandre Zavascki, médico infectologista do Hospital de Clínicas, professor da UFRGS e um dos autores do estudo divulgado nesta sexta-feira, a alta prevalência da variante P1 nas amostras de fevereiro é um indicativo da relação da nova cepa com a piora da pandemia.
— Isso é altamente indicativo de que a P1 está predominando pelo menos em Porto Alegre. O fenômeno de aumento das hospitalizações no Estado inteiro é muito semelhante ao que ocorreu na Região Norte. Lá, levou menos de um mês para uma predominância de 90% da variante P1. É semelhante ao que detectamos aqui: em 30 de janeiro tinha só uma amostra com P1 e, em fevereiro, quase todas são P1. Enquanto isso, em fevereiro, o fenômeno epidemiológico observado na Região Norte se repete no Rio Grande do Sul (aumento de hospitalizações e mortes) — diz o médico infectologista.
Zavascki ressalta, no entanto, que o estudo não analisou amostras de sangue na população geral de Porto Alegre ou do Rio Grande do Sul a ponto de ser possível afirmar, com toda certeza, que a P1 predomine no Estado. O estudo se limita a pacientes internados no Clínicas.
Para Álvaro Krüger Ramos, professor de Matemática Aplicada na UFRGS e também autor do estudo, o resultado mostra que a variante P1 já circula livremente em Porto Alegre e pode estar associada ao aumento exponencial no número de pacientes com covid-19 em leitos clínicos e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Estado.
— O estudo serve como alerta para que os gestores públicos se preparem para uma nova etapa no combate ao coronavírus e também para que a população do Rio Grande do Sul redobre seus cuidados pessoais — afirma.
O estudo serve como alerta para que os gestores públicos se preparem para uma nova etapa no combate ao coronavírus e também para que a população do Rio Grande do Sul redobre seus cuidados pessoais
ÁLVARO KRÜGER RAMOS
Professor de Matemática Aplicada na UFRGS
O estudo está em pré-print, portanto, ainda não foi avaliado por outros cientistas. GZH conversou com dois especialistas que não participaram da pesquisa para uma análise dos resultados.
Para o médico infectologista Ronaldo Hallal, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia (SRGI), o desfecho do estudo reforça a possibilidade de que boa parte das novas infecções ocorridas neste ano em território gaúcho tenha sido ocasionada pela variante P1.
— O achado principal é de que há presença de uma variável mais transmissível, em meio à alta circulação de pessoas e ao colapso do sistema de saúde. Ainda que esses dados precisem ser mais amplamente estudados com estudos de vigilância e um número de amostras maior, serve como mais um dado que mostra a necessidade de uma resposta mais vigorosa do ponto de vista de política pública. Reforça a necessidade de lockdown. A circulação ampla viral traz consequências. Uma delas é gerar variantes virais — diz Hallal.
O virologista Fernando Spilki, professor da Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), também afirma que o estudo aponta mais um nível de gravidade da pandemia no Estado.
— O achado é relevante. Apesar de ser basicamente em indivíduos em hospital, é um alerta consistente de que o número de amostras P1 aumentou. Isso fecha com as inferências que vínhamos fazendo acerca de que efetivamente tenhamos, junto com todo o aumento no número de casos, uma disseminação provável maior dessa cepa — afirma.