Sem exigir armazenamento em baixíssima temperatura e por ter dose única, a vacina contra a covid-19 da Janssen, braço farmacêutico da Johnson & Johnson, diferencia-se das demais em uso no mundo e aumenta a expectativa dos brasileiros pela aceleração da imunização no país. Nesta terça-feira (22), o primeiro carregamento do imunizante chegou ao Brasil, contendo 1,5 milhão de doses. No total, o governo federal contratou a compra de 38 milhões de unidades da vacina, a serem repassadas ao Brasil até o final do ano.
— Acreditamos que a vacina contra a covid-19 de dose única da Johnson & Johnson é uma ferramenta crítica para combater esta pandemia global, particularmente porque mostra proteção em países com diferentes variantes. Uma vacina que protege contra a covid-19, especialmente contra as consequências mais terríveis dessa doença - hospitalização e morte -, ajudará a aliviar a carga sobre as pessoas e a pressão sobre os sistemas de saúde em todo o mundo — disse Paul Stoffels, vice-presidente do Comitê Executivo e Chefe Diretor Científico da Johnson & Johnson, após a liberação do produto nos Estados Unidos.
O imunizante apresentou eficácia de 66% na prevenção de doenças moderadas a graves no estudo de fase 3, que contou com a participação de voluntários no Brasil.
— A grande vantagem é que ela precisa de uma dose só. Isso realmente faz uma diferença gigante nas logísticas de vacinação — avalia Flávio Guimarães da Fonseca, virologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).
Esse esquema, explica, reduz os problemas que o Brasil tem vivenciado com os imunizantes Oxford/AstraZeneca e CoronaVac, cuja primeira aplicação precisa ser limitada para garantir as segundas doses dentro dos prazos estabelecidos pelos laboratórios. Também não há necessidade de armazenar o produto sob temperaturas como as exigidas pela Pfizer, de -70°C — exigência que foi amenizada após autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que essa vacina possa ser mantida entre 2°C a 8°C por um prazo de até 31 dias.
— Ela é uma excelente opção. Ela tem dose única, não necessita de congelamento, é de fácil logística e nós precisamos vacinar a população. Precisamos reduzir o colapso do sistema de saúde, os casos graves e as mortes. Nessa situação caótica em que estamos, qualquer vacina que diminua as formas graves e mortes deve ser comprada e usada — acrescenta Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Que tipo de vacina é esta?
O imunizante é baseado em vetores de adenovírus sorotipo 26 (Ad26). Os adenovírus são vírus que já circulam entre a população. No caso da vacina, eles atuam como meio de transporte de uma parte do coronavírus para dentro das células humanas, estimulando uma reação de defesa do organismo.
— Costumo falar que a vacina de adenovírus é o que a gente chama de vetor viral, funciona igual a uma van escolar. O adenovírus é o veículo e vai levar um pedaço do coronavírus para dentro da sua célula — ilustra o virologista da UFMG.
Na prática, usando engenharia genética, se insere um gene que decodifica uma proteína importante do coronavírus dentro do adenovírus, que passa a ser o veículo de transporte.
— O adenovírus vai levar esse gene para dentro das nossas células, pois ele também é um vírus, porém, não faz mal para a gente. Quando ele chega na célula, aquele gene vira uma proteína do coronavírus, que também não faz mal, e nosso sistema imunológico responde a ela — completa Fonseca.
É importante salientar que essas vacinas são seguras e não causam patologias, pois alterações genéticas impedem que o vírus se reproduza.
— Eles entram nas células, produzem as proteínas e morrem — diz o presidente da SBV.
Que outras vacinas usam adenovírus?
Os imunizantes de Oxford/AstraZeneca e Sputnik V também utilizam adenovírus. A diferença é que a vacina de Oxford usa um adenovírus de chimpanzé e a vacina russa usa a combinação de dois adenovírus, um mais comum, o Ad5, e outro mais raro, o Ad26, o mesmo usado pela Janssen. No esquema russo, a primeira dose administrada é do Ad26 e a segunda, após 21 dias, do Ad5.
Como ela é armazenada e transportada?
A vacina da Janssen usa a estrutura padrão de armazenamento e distribuição de vacinas, exigindo refrigeração de 2°C a 8°C. Segundo a companhia, estima-se que ela permaneça estável por dois anos quando estocada a -20°C.
Onde e em quem ela foi estudada?
O estudo de fase 3 da vacina, batizado de Ensemble, contou com a participação de 43.783 voluntários e foi conduzido no Brasil, na Argentina, no Chile, na Colômbia, no México, no Peru, na África do Sul e nos Estados Unidos. De acordo com a farmacêutica, a população estudada foi diversa e teve 34% dos voluntários na faixa acima dos 60 anos.
Ressalta-se que a vacina foi estudada apenas para uso na população com 18 anos ou mais.
Quais foram os resultados do estudo?
O Ensemble mostrou que a vacina foi 66% eficaz na prevenção de covid-19 moderada a grave, após 28 dias de imunização. Essa taxa foi observada em participantes de diversos países. O início da proteção foi observado a partir do 14º dia.
Quando foram avaliados somente os casos graves, a eficácia foi de 85% depois de 28 dias depois da aplicação da dose.
— Esse dado é do desfecho secundário, apenas para casos críticos de internação e entubação. A vacina também foi 100% eficaz contra morte — complementa Mônica.
Conforme a Janssen, as taxas gerais de eficácia sofreram variações nas regiões onde o estudo foi realizado (veja abaixo). Na África do Sul, por exemplo, a eficácia foi de 57%. Essa variação, explica a diretora da SBIm, é normal em todas as vacinas. No caso dos imunizantes contra a covid-19, as novas cepas podem ter influenciado os dados finais.
— Acredita-se que, na África do Sul, quando foi feito o estudo, mais de 90% dos casos já eram da variante que circula pela região e a gente sabe que estão ocorrendo escapes pelas vacinas — justifica Mônica.
Além da eficácia, o estudo mostrou que as doses são seguras. Os principais efeitos colaterais relatados foram reações locais (dor, vermelhidão e inchaço) e gerais (dor de cabeça, febre, náusea, sensação de cansaço e dores musculares).
Proteção por região do estudo*
- Estados Unidos – 72%
- América Latina – 66%
- África do Sul – 57%
* Proteção contra a infecção moderada a grave após 28 dias da vacinação
Onde ela foi autorizada?
Nos Estados Unidos e na Europa já está em uso, além do convênio Covax da Organização Mundial da Saúde, que espera distribuir 500 milhões de doses pelo mundo a partir de julho. No Brasil, em 31 de março, a Anvisa aprovou o uso emergencial.
Quais são as contraindicações?
A contraindicação é para pessoas alérgicas a qualquer ingrediente da vacina. Problemas de saúde prévios devem ser relatados antes da administração da dose.
A Johnson & Johnson decidiu atrasar as primeiras entregas à União Europeia depois que autoridades dos Estados Unidos recomendaram suspender seu uso no país por 10 dias, em abril, para estudar seis casos de trombose detectados entre as 7 milhões de pessoas que já haviam recebido a dose. As pessoas que desenvolveram o problema eram mulheres com idades entre 18 e 48 anos. A condição, considerada rara, é caracterizada por um baixo nível de plaquetas, é chamada de trombocitopenia trombótica imunológica induzida por vacina (TVI). Depois, os EUA retomaram a utilização do produto e até expandiram a sua vida útil.
Quantas vacinas virão para o Brasil?
O contrato com a companhia prevê o fornecimento de 38 milhões de doses. A remessa inicial previa 3 milhões de doses ainda na semana passada, mas entraves burocráticos, de acordo com o ministério, atrapalharam o envio. Com isso, a primeira carga foi de 1,5 milhão de doses, recebida nesta terça-feira (22). No mundo, a Janssen espera distribuir 1 bilhão de doses em 2021.