Às vésperas de o governo do Estado flexibilizar medidas restritivas, integrantes do comitê científico do governo do Estado demonstraram preocupação, nesta sexta-feira (19), com os números ainda elevados de pacientes internados por covid-19. Após quase três semanas de bandeira preta, mas sem a adesão necessária da população, a curva de internações ainda não caiu o suficiente para desafogar os hospitais, como desejavam os especialistas.
— Após duas semanas de medidas restritivas, a gente deveria começar a se sentir o impacto nas internações, conforme a adesão da população, com queda consistente nas internações. Só que, quando a gente olha para os dados, está há muito tempo estável. Nos preocupa — diz a estatística em epidemiologia Suzi Camey, professora da Universidade Federal do RS (UFRGS) e uma das principais vozes consideradas sobre projeções dentro do comitê.
Suzi lembra que, para frear a transmissão do vírus, seria necessária, ao longo das últimas três semanas, uma redução de circulação da população de 60% a 70%. Contudo, a média atingida foi de 35%.
O risco de retomada de atividades, neste cenário, é de que as transmissões voltem a subir e o Estado siga pelas próximas semanas com índices recordes de internações e mortes pela doença. A estatística diz que, dependendo do que for feito nas próximas semanas, o Estado poderá contabilizar 50 mil mortos pela doença até a metade do ano. Hoje, são 16,5 mil.
— A gente precisaria de medidas muito fortes, reduzir a mobilidade perto de 100%. A qualquer momento vamos ter que fazer isso. O que a gente está fazendo é adiar. Vai chegar uma hora em que o próprio comerciante estará infectado e fechará o comércio. A covid-19 não vai desaparecer sozinha. A gente ainda tem muita gente que não foi infectada e está sem vacina. O incêndio está só começando. Se a gente não tomar uma medida, o incêndio vai seguir. Dependendo da velocidade de transmissão, a gente pode chegar a 50 mil pessoas mortas no Estado até o final de junho — avalia Suzi.
Dependendo da velocidade de transmissão, a gente pode chegar a 50 mil pessoas mortas no Estado até o final de junho
SUZI CAMEY
Estatística em epidemiologia e professora da UFRGS
O Rio Grande do Sul completou, nesta sexta (19), o 18º dia seguido com ocupação geral de UTIs acima de 100%. Na quinta-feira (18), o Estado voltou a bater recorde de pacientes com covid-19 em UTIs. No que diz respeito aos leitos clínicos, desde o final de semana passado há desaceleração nas novas internações, com pequenas variações diárias.
— A gente precisaria de duas semanas de queda nas internações para aliviar um pouco a situação. A redução de mobilidade foi fraca, o que ameniza a escalada vertiginosa, mas não resolve — aponta Lucia Pellanda, epidemiologista que também integra o comitê.
A médica e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) acrescenta que é preciso que os governos forneçam auxílio financeiro para ajudar as pessoas a cumprirem as medidas restritivas. A simples retomada das atividades econômicas, diz Lúcia, vai piorar o cenário.
— Entendo que as pessoas precisam trabalhar, e por isso é importante viabilizar alguma forma de auxílio. Senão as medidas não têm como ser cumpridas. Mas abrir (as atividades econômicas) necessariamente vai piorar o quadro — afirma a epidemiologista.
O infectologista Alexandre Zavascki, também integrante do comitê científico, lembrou que mesmo uma pequena melhora nos indicadores de internação não altera o cenário grave atualmente vivido no Estado.
"O que significa redução de hospitalizações em um sistema colapsado: você está completamente submerso no fundo de um poço de 10 metros. Se esvaziar um pouco e diminuir um metro, você fica submerso em nove metros e morre. Se esvaziar muito e você ficar submerso em somente um centímetro de água, você morre. Ou se trabalha para reduzir o nível de água abaixo do nariz ou você morre. Ou se desafoga o sistema ou o colapso seguirá fazendo vítimas", avaliou Zavascki, em postagem em uma rede social.
O comitê científico é um órgão consultivo, conta com a participação de cerca de 50 especialistas e auxilia o governo do Estado na tomada de decisões durante a pandemia.