Ver a avó Manoela dos Santos Ramos, 97 anos, ser vacinada com a CoronaVac por si só já seria motivo suficiente para comemorar em época de pandemia. Saber que a familiar recebeu no braço um produto fruto da própria dedicação ganha outros contornos. A imunização da avó em Ijuí, no noroeste do Estado, foi apenas um dos vários momentos especiais vivenciados nos últimos tempos pelo médico infectologista Fabiano Ramos, 43 anos, coordenador dos serviços de Infectologia e de Controle de Infecção do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS) e líder de um dos braços do estudo da vacina contra covid-19 desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
Para testemunhar esse e outros momentos categorizados como especiais, no entanto, foram dias e mais dias de entrega e de trabalho em equipe, sem poupar nem os finais de semana.
— O maior desafio foi, realmente, conseguir incluir todas as pessoas em um curto espaço de tempo, fazer a logística, estabelecer a rotina do Centro de Pesquisa e trabalhar todos os dias para conseguir fazer o maior número de aplicações nos voluntários — recorda.
Desde agosto do ano passado, o HSL, sob a liderança do infectologista, reuniu centenas de voluntários para a realização dos testes de segurança e eficácia do imunizante, que teve o uso emergencial aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em janeiro deste ano e, atualmente, é uma das vacinas mais utilizadas para a proteção dos brasileiros. Dada a dimensão do seu trabalho, Ramos tem dificuldade para escolher apenas um fato marcante dessa trajetória.
— Escolher um momento é muito difícil. A satisfação de iniciar um trabalho como esse com o primeiro voluntário, lá em 8 de agosto, foi muito grande. Mas ter a sensação do dever cumprido, quando a vacina foi liberada, ver as primeiras pessoas sendo vacinadas, ver nossos familiares e amigos recebendo a CoronaVac é muito bom — garante.
Personagem ativo desse momento sem precedentes, o médico define o período como uma situação ímpar na história da medicina. Conta que, apesar de estar acostumado a conviver com a superlotação hospitalar, a covid-19 trouxe uma realidade nunca antes presenciada: sozinha, a pandemia faz lotar mais da metade dos leitos disponíveis e ainda traz medo e dificuldade de tratamento.
— Sem dúvida, os próximos meses e anos serão de muitas dificuldades na área da saúde e, obviamente, como consequência, nas áreas social e econômica do país e do mundo — afirma.
Daqui para frente, Ramos espera que os discursos difusos, especialmente dos líderes do governo, entrem em harmonia a fim de esclarecer à população sobre a real proporção da pandemia e como é possível combatê-la com união de esforços:
— Com união, distanciamento social, medidas de prevenção e com a vacinação. Só assim conseguiremos viver um momento diferente do que vivemos hoje.