O Diário do Front 2021 começou em março, durante o pior momento da pandemia no Rio Grande do Sul, e se encerra em 1º de julho. Confira, abaixo, os relatos do médico infectologista André Luiz Machado da Silva, do Hospital Conceição. Também participaram da iniciativa a enfermeira Isis Marques Severo, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e a médica intensivista Roselaine Pinheiro de Oliveira, do Hospital Moinhos de Vento, ambos também na Capital.
Tragédia sem precedentes, a pandemia de coronavírus, que agora ataca de forma implacável a população e o sistema de saúde do Rio Grande do Sul, motivou o Diário do Front ao longo de seis meses em 2020.
Dado o momento atual, o projeto de GZH, Rádio Gaúcha e Zero Hora, que mostra o dia de dia de profissionais da linha de frente, está sendo retomado para revelar o que vem acontecendo em alguns dos mais importantes e sobrecarregados hospitais da Capital.
A composição do time é a original: participam o infectologista André Luiz Machado da Silva, 44 anos, do Hospital Nossa Senhora da Conceição, a enfermeira intensivista Isis Marques Severo, 41 anos, do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e a médica intensivista Roselaine Pinheiro de Oliveira, 54 anos, chefe do Serviço de Medicina Intensiva Adulto do Hospital Moinhos de Vento.
— Na retomada do Diário do Front, gostaria de trazer histórias de uma pandemia que já passou, mas, infelizmente, vivemos o pior momento dessa doença no nosso país — lamenta André.
Um compilado dos relatos do ano passado pode ser conferido nestes conteúdos: link 1, link 2 e link 3.
“Ainda é cedo para comemorar o fim da pandemia”
Dia 30 de junho: 11h36min
“Em 30 de setembro de 2020, enviei um áudio para o Diário do Front que marcava o fim de um ciclo de relatos envolvendo doentes acometidos pela covid-19 internados no Hospital Conceição. Durante seis meses, histórias foram contadas, e uma doença nova, de comportamento incerto e alta infectividade, era apresentada para os ouvintes e leitores de GZH.
Na ocasião desse áudio, comentei que comemorávamos a redução expressiva do número de casos de covid-19, mas, ao mesmo tempo, isso não era motivo para que a população relaxasse quanto às medidas reconhecidas pela ciência como necessárias para conter o número de infecções: usar máscaras, evitar as aglomerações e respeitar o distanciamento.
Quando o Diário foi retomado, em março de 2021, vivíamos o pior momento da pandemia no Brasil, e eu também vivi difíceis e tristes momentos nesse enfrentamento. Afirmo que foram situações pesadas na minha experiência como médico. Atendi jovens, gestantes, pessoas saudáveis, idosos, pessoas com doenças crônicas. A doença acometeu de forma grave todos os perfis.
Muitos não resistiram à infecção e morreram. Perdi colegas de trabalho, pessoas próximas a mim adoeceram. Mas, com a equipe de profissionais do Hospital Conceição, fomos fortes e assistimos de forma digna todos os doentes que estiveram aos cuidados da instituição. O medo bateu à porta, mas esse sentimento trouxe força e união.
Novamente, a doença dá uma trégua, mas, diferentemente de 2020, hoje temos um alento: a vacina. E, apesar do ritmo lento de imunização no Brasil, o Rio Grande do Sul dá exemplo e figura como um dos três Estados que mais imunizou a população até agora.
Claro que isso ainda não é suficiente para que as medidas já faladas no encerramento do Diário em 2020 sejam deixadas de lado. Ainda é cedo para comemorar o fim da pandemia. Ainda precisamos manter o espírito de coletividade, usar máscaras, evitar aglomerações e se vacinar. Isso tudo pelo bem do próximo.”
“Tudo muito rápido para um paciente sem fatores de risco para a covid-19”
Dia 23 de junho: 23h
“Trago hoje o relato de um homem de 55 anos, hígido (saudável), sem o uso de medicações contínuas, com peso ideal e não fumante.
Foi internado na Emergência do Hospital Conceição e, seis horas após sua chegada, estava assistido na Enfermaria Covid-19 do Serviço de Infectologia.
Como descrito, apresento o perfil de uma pessoa com baixo risco de evoluir para formas graves da doença. Relato de febre e prostração iniciados há 11 dias. Evoluiu com persistência desses sintomas e, 10 dias após o começo do quadro clínico, sentiu falta de ar, motivo que o fez procurar assistência hospitalar.
Comunicou à equipe médica que havia realizado a primeira dose da vacina Oxford/AstraZeneca no dia em que percebeu os sintomas iniciais e vinculou suas queixas às possíveis reações da vacina.
A piora clínica foi rápida: cateter nasal de oxigênio, máscara de oxigênio, ventilação não invasiva. Apresentou fadiga, ficou sonolento, não obteve melhora com as medidas instituídas na enfermaria e, 20 horas após a internação, foi transferido para a UTI. Precisou ser entubado e está em ventilação mecânica.
Tudo muito rápido para um paciente sem fatores de risco relacionados a piores desfechos da covid-19. Tudo muito rápido. Pena que não foi mais rápida a vacinação plena desse paciente. Pena que ele não fez as duas doses. Pena que o ritmo de imunização no Brasil continua lento. Pena que muitas pessoas não completaram o seu esquema vacinal ainda. Pena que há cidadãos brasileiros que não querem se imunizar contra a covid-19.
Enquanto seguirmos nesse ritmo, mais pessoas vão adoecer. E, infelizmente, o povo brasileiro ainda vai chorar muitas perdas por essa doença. É uma pena.”
“Paciente de 93 anos internada disse que tinha feito as duas doses da vacina. Fiquei aliviado”
Dia 27 de maio: 9h20min
“No último final de semana, estava escalado para fazer a visita médica aos pacientes internados no isolamento covid-19 do Serviço de Infectologia do Hospital Conceição. No domingo (23), uma senhora de 93 anos, com cardiopatia isquêmica, hipertensa e asmática, foi internada aos meus cuidados. Havia feito o diagnóstico de infecção pelo coronavírus sete dias antes e procurou assistência devido à piora clínica e à falta de ar.
Quando eu concluí a visita, tinha noção da gravidade do caso e da alta probabilidade de um desfecho negativo, considerando as comorbidades apresentadas por ela e principalmente a idade. Sabe-se que idade avançada é um dos principais fatores de risco para internação hospitalar, devido ao risco elevado de evolução para formas graves da doença. E isso explica por que idosos têm alta taxa de mortalidade pela covid-19. Quanto maior a idade, maior o risco de óbito.
Conforme dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, idosos com 85 anos ou mais têm um risco 630 vezes mais alto de óbito em comparação a adultos jovens entre 18 e 29 anos de idade.
Os cuidados a senhora foram imediatamente instituídos: oxigênio por máscara, corticoide, anticoagulante como prevenção para doenças embólicas, fisioterapia respiratória e todo o suporte para as doenças de base.
Durante esse manejo, ela me disse que havia feito as duas doses da vacina contra a covid-19 e que completara o esquema vacinal havia mais de 30 dias. Essa informação me deixou aliviado.
As vacinas contra o sars-cov-2 disponibilizadas no Brasil têm taxa de proteção elevada, principalmente para evitar formas graves da infecção. E esse dado se confirmou na evolução dessa paciente. Após três dias de uso de máscara de oxigênio, ela evoluiu com redução do aporte desse gás e hoje recebe um volume baixo por cateter nasal, com plano de ficar sem suplementação de oxigênio nos próximos dois dias.
Está apresentando uma boa evolução. Não tem febre ou outro sintoma respiratório. Em breve, terá alta, e a família a espera ansiosamente. É uma pessoa lúcida, colaborativa, que realiza as atividades da vida diária e mantém um bom vínculo familiar.
Sim, as vacinas para a covid-19 fazem a diferença. E quanto mais pessoas completarem o esquema vacinal, menos impacto negativo teremos.”
“Passa pelo meu imaginário se, novamente, vou presenciar um dos piores momentos da pandemia e da minha carreira”
Dia 20 de maio: 8h43min
“Nos últimos sete dias, a queda no número de casos confirmados de covid-19 com indicação de internação no Hospital Conceição estagnou. Desde então, percebe-se um pequeno aumento de novos casos, e a curva que estava em descenso estabilizou e esboça um aclive.
É inevitável o sentimento de expectativa que toma conta daqueles que, como eu, estão assistindo pacientes internados nos leitos de isolamento para covid-19. Passa pelo meu imaginário se, novamente, vou presenciar um dos piores momentos da pandemia por sars-cov-2 e, com certeza, um dos períodos mais tristes da minha carreira profissional: o primeiro trimestre de 2021.
O início da imunização para a covid-19, associado à parcela de pessoas que adoeceram e adquiriram imunidade ativa após contato com as novas variantes do coronavírus, pode mitigar uma outra explosão de novas infecções. Mas, independentemente disso, ainda há um quantitativo significativo de indivíduos suscetíveis à infecção.
Na enfermaria covid-19 do Conceição, chama a atenção a heterogeneidade dos pacientes internados: 29 anos, 34 anos, indivíduos sem comorbidades, 45 anos, 55 anos, 83 anos, doenças crônicas, idosos que não quiseram ser vacinados. Pacientes que foram internados por outros motivos e se infectaram por coronavírus dentro do hospital.
Tudo isso reflete que o vírus está circulando, que a taxa de imunizados, no nosso Estado, ainda está aquém de uma parcela que permita uma circulação mais livre de pessoas. Não temos a mesma performance de vacinação dos Estados Unidos. Logo, precisamos manter as medidas que contribuem na redução de infecções: usar máscaras, evitar as aglomerações, respeitar o distanciamento. E, assim, continuar vacinando a população.”
“A rapidez da evolução da covid-19 em um paciente saudável de 32 anos”
Dia 6 de maio: 0h35min
“Já comentei no Diário do Front sobre a mudança do perfil de pacientes acometidos pela covid-19 em 2021. Jovens e gestantes têm apresentado doença grave e, consequentemente, precisam de assistência hospitalar.
Mesmo ciente dessa nova apresentação clínica e envolvido nos cuidados de pacientes infectados pelo sars-cov-2 há mais de 14 meses, é sempre impactante tratar de pessoas jovens e previamente saudáveis.
Hoje, conto a história de um homem de 32 anos, saudável e que apresentou sintomas de infecção pelo coronavírus há 28 dias. Seis dias após o início da doença, teve piora clínica. Evoluiu com falta de ar e foi internado no Hospital Conceição, aos cuidados da Infectologia.
Chamava a atenção a rapidez da evolução da doença desse rapaz. Tudo muito rápido, como rápida é a vontade da juventude de viver. O fôlego e o vigor da idade foram vencidos pela agressividade do vírus. E, dois dias após a internação, ele estava em ventilação mecânica, em um leito de UTI.
A dinâmica nos leitos de enfermaria de isolamento, com internações diárias e altas, não permite que a equipe mantenha o seguimento daqueles que saem dessa ala para a UTI. Não acompanhei a evolução desse jovem, que marcou a minha rotina na assistência.
No último final de semana, eu estava escalado para visitar, examinar e prescrever os pacientes internados para a Infectologia, no isolamento covid. Me paramentei e entrei em um dos quartos para fazer a baixa hospitalar, ou seja, a visita médica a um homem egresso da UTI.
Era um domingo de céu azul, e o leito, ao lado de uma grande janela com vista para o pátio, ajudou a destacar quem estava deitado naquela cama: o jovem rapaz que eu havia assistido 14 dias antes.
Estava sonolento, ainda confuso, algo esperado para um paciente que ficou sedado e entubado por duas semanas, mas tinha a respiração tranquila, com cateter de oxigênio em fluxo baixo — uma condição bem diferente daquela em que eu o havia transferido para a UTI.
Ele ainda tentava entender o que acontecera: ventilação mecânica, hemodiálise devido à perda da função renal, uso de antibióticos para pneumonia associada ao ventilador, sondas, cateteres — recursos que auxiliaram na recuperação desse paciente.
Ele ainda convalesce no hospital, apresenta melhora diária e terá alta em breve. Está vencendo a covid-19.
Nós estamos em um momento de estabilização do número de casos de covid-19 em nosso Estado, mas ainda é cedo para afirmar que a doença passou. Essa condição está permitindo a retomada de atividades, algo essencial para a vida das pessoas, e os jovens, na ânsia de recuperar o tempo perdido, não devem descuidar das medidas que minimizam o risco de contágio. Essa faixa etária pode adoecer gravemente. E, para eles, a vacina para a covid-19 ainda não está disponível, infelizmente.”
“Paciente ficou sabendo do estado do filho pelas redes sociais”
Dia 21 de abril: 22h41min
“Um homem de 56 anos, diabético, hipertenso, com sintomas de covid-19 há 18 dias, está internado aos cuidados da Infectologia na área de isolamento do Hospital Conceição.
Doença grave, mais de 50% do pulmão acometido. Recupera-se após usar máscara de oxigênio e ventilação não invasiva por mais de sete dias.
Até aí, um script já conhecido. E, não menos comentada aqui no Diário do Front, a impessoalidade da enfermaria de isolamento, que não permite contato físico com amigos e familiares, algo necessário para preservar a saúde das pessoas.
Neste contexto, a autorização para uso de aparelhos celulares pelos pacientes diminui a distância dos entes queridos, e as redes sociais, muitas vezes, trazem informações em tempo real, na palma da mão dos internados.
E foi assim que esse paciente ficou sabendo de uma notícia nada animadora: seu filho, de 30 anos, asmático e obeso, que iniciou com sintomas de covid-19 ao mesmo tempo que ele, evoluiu com piora e necessidade de entubação e ventilação mecânica. Está internado na UTI do Conceição e apresenta um quadro grave.
Essa doença surpreende a medicina, e os cuidados com a saúde daqueles que são acometidos extrapola o lado técnico e da fisiopatogenia (características, comportamento e evolução da enfermidade).
Lidamos com questões pessoais e familiares, que precisam de uma abordagem adequada. Lidamos com emoções, incertezas e temores dos pacientes que deparam, muitas vezes, com situações nada convencionais, como, por exemplo, pai e filho com a mesma enfermidade, quadros clínicos graves, e o mais jovem com evolução desfavorável e ainda lutando pela vida.”
“Dois irmãos dividem o mesmo quarto em unidade de isolamento”
Dia 14 de abril: 23h10min
“O comportamento da pandemia por covid-19 em 2021 mudou. E uma dessas mudanças diz respeito à transmissibilidade do vírus. O sars-cov-2 está mais transmissível, inclusive no ambiente familiar. E muito provavelmente o aumento dessa transmissão está relacionado à circulação de cepas virais com mutações.
Nesta semana, dois jovens, um de 28 e outro de 31 anos, irmãos que moram na mesma casa, foram internados aos cuidados da Infectologia na enfermaria de isolamento do Hospital Conceição. Os sintomas de covid-19 iniciaram há cerca de 10 dias e evoluíram com piora do quadro clínico, necessitando de oxigênio suplementar.
Estão na mesma unidade, dividem o mesmo quarto. Ambos têm comprometimento neurológico e são dependentes de cuidados por parte dos pais. O local restringe as visitas devido ao risco de contágio.
A impessoalidade do isolamento e o afastamento dos pais, no caso desses jovens, podem contribuir de forma negativa na recuperação da doença aguda.
Mas o que fazer nesta situação? A presença do pai ou da mãe, por alguns momentos, no quarto desses rapazes, é muito importante para a recuperação deles no entendimento da equipe. O manejo da doença não deve ser meramente técnico. A sensibilidade e o entendimento das necessidades individuais de cada doente devem acompanhar as equipes que assistem pacientes internados com covid-19, pois o afeto e o carinho são medicamentos poderosos na recuperação da imunidade e no bem-estar dos enfermos.”
“Uma decisão a ser tomada: contar ou não para a paciente sobre o marido”
Dia 8 de abril: 7h39min
“Nesta semana, uma senhora de 66 anos teve alta da área de isolamento para covid-19 do Hospital Conceição. Depois de 21 dias desde o início dos sintomas, agora ela se recupera na unidade não covid.
Ainda precisa de oxigênio. Apresentou uma doença grave, com 75% do pulmão acometido. Intercalou ventilação não invasiva com máscara de oxigênio. Até aí, nada muito diferente do perfil de alguns pacientes que são internados com covid-19.
Mas uma informação chamou a atenção da equipe. O marido dela também adoeceu de covid-19. Foi internado no Conceição alguns dias antes, evoluiu com insuficiência respiratória, precisou ser entubado e está em ventilação mecânica na UTI.
Para a equipe, uma decisão a ser tomada: contar ou não para a paciente sobre a evolução do seu marido. Em conjunto com os familiares, optou-se por poupá-la dessa informação.
A covid-19 não é uma doença que acomete única e exclusivamente os pulmões. Outros órgãos também podem ser afetados: coração, vasos, fígado, rins, sistema nervoso central. É uma doença que também acomete o lado emocional, psíquico dos pacientes. Muitos deles acabam evoluindo com alterações de comportamento, com doenças psíquicas que precisam ser manejadas.
É uma doença de comportamento incerto, que traz temor, que preocupa os pacientes. O contexto de isolamento que impede o contato físico, o afeto dos familiares, justamente para protegê-los, faz com que esses pacientes, na condição de isolamento, possam desenvolver doenças psiquiátricas.
Não contar para essa senhora, neste momento, sobre a condição do seu marido é poupá-la de uma informação que pode contribuir negativamente para a evolução clínica.”
“Se tivermos novo pico em abril, não teremos capacidade de dar assistência adequada a muitos pacientes graves”
Dia 1º de abril: 8h06min
“A taxa de ocupação dos leitos de enfermaria destinados aos pacientes com covid-19 no Hospital Conceição vem sendo reduzida. Por outro lado, a UTI mantém uma ocupação elevada nos leitos destinados aos pacientes que precisam de cuidados intensivos, e a Emergência ainda tem muitos pacientes em ventilação mecânica aguardando um leito na UTI.
Logo, é importante que a população se conscientize quanto às medidas já tão faladas e validadas pela literatura científica que diminuem a transmissão do vírus no nosso ambiente. Distanciamento social, evitar as aglomerações e fazer o uso racional e consciente de máscaras vão diminuir a circulação do vírus na nossa comunidade.
Se no mês de abril tivermos um novo pico de casos de covid-19 no Estado, não teremos capacidade de dar uma assistência adequada a muitos pacientes que evoluem com formas graves da doença. Considerando que a nossa taxa de ocupação de leitos de UTI continua elevada, não só no Hospital Conceição, mas no Rio Grande do Sul, e considerando que esses pacientes ficam mais tempo internados, não teremos, nos próximos dias, uma vacância de leitos capaz de atender a população que pode precisar se o número de casos de covid-19 voltar a aumentar.
Peço a todos que se conscientizem, que mantenham essas medidas já tão estabelecidas e que evitem as aglomerações no feriado que se aproxima.”
“Mudanças na covid-19: sintomas mais persistentes, doença mais arrastada, acometimento pulmonar mais significativo”
Dia 30 de março: 6h46min
“Os profissionais de saúde que cuidam de pacientes com covid-19 internados nas enfermarias percebem uma mudança na manifestação clínica e no tempo de sintomas. Sintomas mais persistentes, doença mais arrastada, acometimento pulmonar mais significativo.
Consequentemente, muitos desses indivíduos acabam aumentando seu tempo de internação nos leitos de enfermaria devido à necessidade do uso prolongado de oxigênio. Muitos cumprem seu período de tempo nos leitos de isolamento e passam para as áreas abertas do hospital para dar continuidade ao acompanhamento.
Nesta semana, uma senhora de 74 anos, hipertensa, diabética, com sintomas de covid-19 iniciados no início deste mês, com 75% do pulmão acometido, teve alta do isolamento. Durante todo o período em que lá esteve, intercalou oxigênio por máscara com ventilação não invasiva (também por máscara, mas esta é então ligada a um aparelho que permite uma pressão e um volume maiores de oxigênio do que a máscara convencional, que é conectada apenas na parede, por onde entra o oxigênio via tubulação. A máscara não invasiva melhora a performance da entrada de oxigênio e da oxigenação do paciente). E essa necessidade de oxigênio se mantém agora, no momento em que ela está internada na enfermaria aberta. Precisa, ainda, intercalar máscara de oxigênio com ventilação não invasiva.
Percebemos que a manifestação clínica dessa doença está se mostrando mais agressiva. Muitos pacientes acabam respondendo tardiamente às medidas instituídas que, no ano passado, traziam um benefício mais rápido na recuperação.
Há uma expectativa quanto ao aumento do tempo médio de internação dos doentes com covid-19 moderada. Precisamos continuar atentos às medidas para diminuir a circulação do vírus na população e evitar, com isso, um colapso no sistema de saúde.”
“Jovem de 26 anos, com máscara de oxigênio, estava preocupado com a gravidade da doença”
Dia 25 de março: 6h56min
“Ontem pela manhã, quando cheguei ao hospital, fui informado que um rapaz estava internado aos cuidados da Infectologia na área covid-19. Jovem, 26 anos, sem doenças prévias, sem uso de medicações contínuas. Sintomas iniciados havia 12 dias, com piora nas 48 horas antes da internação. No leito, o rapaz, precisando de oxigênio por máscara, deitado, ansioso, preocupado com a sua condição de gravidade da doença.
Para a equipe, uma mudança significativa no perfil dos pacientes até então assistidos no hospital em 2020. Pacientes mais jovens, sem comorbidades, sem uso de medicações e, muitas vezes, sem histórico prévio de internação hospitalar por outras condições.
Percebemos que a doença vem se comportando de modo mais agressivo em outros segmentos da população. Não só idosos, não só pessoas com doenças crônicas podem evoluir com formas graves da covid-19. Jovens e gestantes também têm apresentado formas graves dessa doença.
Causa uma expectativa grande a evolução desses casos também, e a equipe vem trabalhando de uma forma atenta e consistente para que o tratamento instituído, o suporte de oxigênio, possa diminuir o risco de evolução para internação em unidade de tratamento intensivo.”
“Desafio: contar ao paciente de 84 anos que o filho havia morrido”
Dia 22 de março: 21h06min
“Passado o final de semana do feriado de Carnaval, um senhor de 84 anos, hipertenso e diabético, começou a ter sintomas sugestivos de infecção por coronavírus. Fez o teste, e se confirmou a doença. Seis dias depois do início dos sintomas, ele apresentou piora clínica, com falta de ar e fadiga extrema. Buscou assistência no Hospital Conceição e foi internado aos cuidados da Infectologia.
Naquela ocasião, com bastante falta de ar, apresentava uma tomografia com 75% do pulmão acometido. Durante 12 dias, esse paciente precisou de oxigênio em máscara. Teve uma evolução satisfatória. No período em que esteve internado, comentou que o filho mais novo, de 55 anos, também havia se infectado e estava internado em outra instituição.
Dezoito dias depois do início dos sintomas desse senhor, ele apresentou condições de alta. Para a equipe, uma vitória. Mas, mais do que isso, um novo desafio à frente: contar que o filho dele havia morrido.
Uma situação que nos colocou num momento muito desafiador. Havia um envolvimento emocional com esse paciente. Ele nos surpreendeu com a recuperação, levando-se em consideração as comorbidades e, principalmente, a idade.
A covid-19 é uma doença que nos surpreende dia a dia e que agora tem uma nova apresentação clínica: acomete outras faixas etárias de forma grave e indivíduos sem comorbidades também.”
“Precisamos dar um atendimento digno àqueles que estão na emergência”
Dia 18 de março: 11h10min
“Andando pelos corredores do Hospital Conceição hoje, há uma sensação de tranquilidade no ambiente. A taxa de ocupação nos leitos destinados aos pacientes com covid-19 está agora em 68%, bem inferior aos últimos dias, quando chegamos a níveis superiores a 90%. Mas essa é uma tranquilidade passageira.
Isso está acontecendo porque a emergência, que é a porta de entrada dos doentes, está fechada porque não há mais como atender pacientes. Agora, são 49 pacientes aguardando leitos de UTI, entubados ou em ventilação não invasiva. Desses 49 pacientes, 15 deles têm prioridade. E, no momento, apenas quatro leitos de UTI covid-19 estão liberados.
Abrir a emergência, permitir a entrada de mais pacientes, ocupar os leitos de enfermaria vai ajudar mais uma parcela da população. O problema é que até 40% desses pacientes que internam nos leitos de enfermaria tendem a evoluir para formas graves da doença, com necessidade de cuidados em UTI.
Então, precisamos dar vazão e um atendimento digno àqueles que estão na emergência e depois retomar a assistência aos demais pacientes. Não é a melhor estratégia. É claro que gostaríamos de atender todos, gostaríamos de ajudar a diminuir o número de doentes que estão em casa precisando de oxigênio, mas não adianta dar um leito para um indivíduo e não dar a ele uma condição mínima e digna de um bom atendimento.”
“Gostaria de trazer histórias de uma pandemia que já passou, mas infelizmente vivemos o pior momento”
Dia 18 de março: 7h22min
“Quando o Diário do Front começou, quase um ano atrás, eu já atendia os pacientes internados na enfermaria covid-19 do hospital, e lá estou desde então, todos os dias. Nesse período, muito se evoluiu quanto ao manejo e ao conhecimento da doença.
Não me infectei, sempre mantive todos os cuidados em relação ao uso de todos os equipamentos de proteção individual (EPIs), e já estou vacinado. Isso não diminui os cuidados quanto à proteção que venho mantendo.
Na retomada do Diário do Front, gostaria de trazer histórias de uma pandemia que já passou, mas infelizmente vivemos o pior momento dessa doença no nosso país. Uma nova apresentação clínica, muito mais infectante, que acomete outros segmentos da população de forma grave, como jovens e gestantes.
A alta infectividade provoca um aumento na ocupação dos leitos de enfermaria e de UTI destinados aos pacientes com covid-19. E, além disso, notamos um aumento significativo no número de óbitos.”