Doença crônica que acomete quase um quarto dos brasileiros, a hipertensão arterial tem afetado cada vez mais a população: dados da Pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 2019 (Vigitel) mostram que o percentual de pessoas com o problema passou de 22,6% em 2006 para 24,5% em 2019. As causas para esse aumento estão relacionadas, principalmente, ao estilo de vida, isto é, alimentação inadequada, excesso de peso, sedentarismo e abuso de bebidas alcoólicas.
Como é fator de risco para outras enfermidades, como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC), doença arterial periférica e insuficiências renal e cardíaca, é imperativo manter os níveis de pressão arterial em níveis adequados. Para isso, uma das recomendações médicas mais repetidas é a prática regular de exercícios físicos.
– Normalmente, indica-se para o paciente adulto, hipertenso ou não, 150 minutos de atividade física moderada por semana, ou 75 minutos de atividade vigorosa – explica o cardiologista Vitor Magnus Martins, do Hospital Moinhos de Vento (HMV).
Agora, um estudo realizado pela University of Saskatchewan, do Canadá, mostrou que o alongamento corporal também pode trazer benefícios à saúde da pressão arterial. Diferentemente de outros trabalhos, que apenas mostravam as vantagens do alongamento, essa pesquisa traçou uma comparação com a caminhada, exercício muito recomendado para controlar o problema. Para isso, incluíram 40 pessoas, entre homens e mulheres idosos. Eles foram divididos em dois grupos: um seguiu uma rotina de 30 minutos de alongamento diário, por cinco dias; outro manteve uma breve caminhada por esse mesmo período de tempo. Após oito semanas, o grupo que praticou alongamento teve maior redução da pressão. Em contrapartida, os que caminharam reduziram mais a gordura corporal da cintura.
A explicação, segundo Phil Chilibeck, coautor do levantamento, é que, ao alongar a musculatura, também se alonga os vasos sanguíneos que alimentam os músculos, incluindo as artérias. Assim, é possível reduzir a rigidez das artérias, acarretando menor resistência ao fluxo sanguíneo. Apesar dos resultados, Chilibeck deixa claro que o alongamento deve se somar a outras atividades aeróbicas, igualmente importantes para a saúde.
– Não quero que as pessoas saiam da nossa pesquisa achando que não deveriam estar fazendo alguma atividade aeróbica. Caminhar ou andar de bicicleta, por exemplo, têm efeito positivo na gordura corporal, controle de níveis de colesterol e açúcar no sangue – disse em material de divulgação da University of Saskatchewan.
Recomendações e ressalvas
Glauber Signorini, diretor-técnico do Instituto de Cardiologia, concorda com o resultado da pesquisa. Segundo ele, alongar o corpo aumentaria a flexibilidade dos músculos e a amplitude dos movimentos, diminuiria a tensão muscular e alongaria e alargaria os vasos sanguíneos.
– Assim, diminui a resistência nas artérias e, consequentemente, a pressão arterial. Essa atividade é importante e deve ser feita três vezes por semana – recomenda.
Porém, Signorini lembra que a melhor saída não farmacológica para amenizar o problema é associar o alongamento com uma atividade aeróbica, como a própria caminhada, por exemplo. Para o cardiologista Martins, do HMV, o estudo é interessante, pois amplia o arsenal disponível para combater a hipertensão. No entanto, ele faz ressalvas.
– Foi um estudo pequeno e com acompanhamento curto, de oito semanas. A gente não sabe se esse suposto benefício de baixar mais a pressão com alongamento se mantém a longo prazo. Precisaríamos de trabalhos maiores para ter uma posição mais firme. Contudo, o alongamento pode ser um facilitador dos exercícios. Por ser associado a baixo risco e com possível benefício, me parece que faz sentido que seja recomendado – avalia.
Novas diretrizes para a doença
Um trabalho conjunto das sociedades Brasileira de Hipertensão (SBH), Brasileira de Nefrologia (SBN) e do Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DHA-SBC) atualizou, em 2020, as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Um dos destaques, sinaliza Luiz Bortolotto, presidente da SBH, é a inserção, dentro da caracterização da hipertensão, dos fatores socioeconômicos, ao lado dos ambientais e genéticos.
– Incluiu o estresse, desemprego e acesso à saúde como indicativos para caracterizar a doença – elenca Bortolotto.
As novas diretrizes nacionais mantiveram a classificação da doença como pressão igual ou maior do que 14x9, diferentemente dos Estados Unidos, que mudaram o limiar para 13x8. O Brasil também estabeleceu os padrões ótimo, normal e pré-hipertensão.
– Ótimo é abaixo de 12x8. Normal, entre 12x8 e 13x8,5. Os pré-hipertensos, que são aqueles que têm chance de serem hipertensos no futuro, estão entre 13x8,5 e 14x9 – explica Bortolotto.
Novas orientações para o tratamento também foram incluídas no documento. Agora, diz o presidente da SBH, há indicação para uso associado de duas medicações para reduzir a pressão. Antes, receitava-se um e depois o outro.
– A diretriz recomenda essa associação precocemente para evitar a inércia. Então, dá-se os dois em doses mais baixas para atingir o controle mais rápido – esclarece.
Entenda a hipertensão
- A hipertensão é uma doença crônica caracterizada pelos níveis altos de pressão nas artérias. Ela é considerada uma doença multifatorial, pois tem componentes genéticos e ambientais. "Sabidamente, os fatores ambientais estão associados, mas é difícil precisar o quanto cada um (genético e ambiental) contribui", pontua o cardiologista Vitor Magnus Martins. Embora possa surgir em qualquer fase da vida – na infância e na adolescência tem forte relação com a obesidade –, é com o passar dos anos que os risco de desenvolver o problema cresce. De acordo com Martins, no geral, parece que homens sofrem mais da doença. Por outro lado, a partir da sexta década de vida, o problema fica mais comum no sexo feminino.
Quais são os sintomas?
- Ainda que muitas pessoas relacionem episódios de dores de cabeça ou tontura com uma alta na pressão, a associação é inversa, explica o cardiologista do HMV: "Infelizmente, não tem nenhum sintoma característico da hipertensão, geralmente ela é assintomática. Muitas pessoas associam dor de cabeça ou tontura, mas a relação é inversa: a dor pode elevar a pressão". Por não dar indicativos precisos é que a doença é apelidada de “bandida silenciosa”, comenta Signorini, o diretor-técnico do Instituto de Cardiologia: "Um quarto da população é hipertensa. O drama é maior porque a metade não sabe que é, então, acaba desenvolvendo AVC, infarto etc. E piora: dos que sabem, a metade não se trata adequadamente. É uma doença muito séria que precisa ser tratada".
O peso da alimentação
- Um dos fatores que impactam na pressão alta é o consumo de sódio, que deve ser limitado a 2g por dia – ou 5g de sal, equivalente a cinco sachês do produto. O perigo maior, destaca a nutricionista mestre em cardiologia Renata Monteiro Vieira, do Instituto de Cardiologia, reside nos alimentos que já vêm com sódio, como os industrializados e processados. "A população aumentou muito o consumo desses produtos processados: embutidos, salsichas, hambúrgueres, lasanhas e nuggets. Temos de reforçar que esses alimentos já têm sódio, então, o ideal é que as pessoas aprendam a ler mais os rótulos para saber o que estão ingerindo", diz. A nutricionista lembra que uma alimentação mais natural, rica em frutas, verduras, grãos e leguminosas, é um bom ponto de partida para prevenir a doença. Além disso, complementa, é imprescindível cuidar da balança: "Obesidade tem um impacto grande na hipertensão. É comprovado que perder peso auxilia na diminuição da pressão de hipertensos e não hipertensos".
E a relação com a covid-19?
- Pessoas hipertensas que não têm o controle da pressão estão mais suscetíveis às complicações da covid-19, afirma Luiz Bortolotto, presidente da SBH. No entanto, ele enfatiza que o quadro de pressão alta isolada não é fator de risco se o hipertenso está controlado. Já o cardiologista Vitor Magnus Martins entende que a doença pode acarretar, sim, complicações da infecção.