Na terça-feira, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre apresentou um estudo sobre hipertensão que pode, inclusive, trazer mudanças no tratamento de uma das principais causas de morte no mundo.
Coordenado pelos professores da Faculdade de Medicina da UFRGS Flávio e Sandra Fuchs, o Estudo Prever demonstrou maior eficácia da combinação de dois diuréticos no combate à pressão alta do que a losartana, medicamento mais usado pelo SUS. O estudo, que contou com a participação de 21 centros de pesquisa do Brasil, ainda levantou questões quanto à prevenção da hipertensão e à chamada pré-hipertensão. Confira a entrevista com os pesquisadores.
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O estudo Prever Tratamento mostrou que a combinação de dois diuréticos é mais eficaz que o principal remédio oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os pacientes poderão, a partir disso, solicitar mudança de medicação a seus médicos?
O estudo mostrou resultados que comprovam que a combinação de dois diuréticos é mais eficaz do que o medicamento mais prescrito para controlar a hipertensão (pressão alta). Os pacientes poderão conversar com seus médicos sobre o emprego da combinação de diuréticos. Contudo, essa combinação de diuréticos ainda não está disponível pelo Programa da Farmácia Popular, e os pacientes terão de comprar o medicamento.
Pelo estudo, e por outras pesquisas, já observou-se risco à saúde, ainda que baixo, em valores de pressão arterial 12 por 8? Quem tem essa pressão arterial pode ser considerado um pré-hipertenso?
O Prever Prevenção não mostrou o risco de pressão a partir de 12 por 8. Ele mostrou que é possível prevenir o desenvolvimento de hipertensão. Outros estudos mostraram que o risco da pressão elevada inicia em 12 por 8. O estudo mais poderoso, publicado em 2002, na revista Lancet, mostrou que há risco a partir de 115/75 em análise que contou com 1 milhão de participantes. No estudo Sprint, publicado no final de 2015 em outra revista importante (New England of Medicine), os pacientes com hipertensão que não conseguiram reduzir a pressão mais alta para menos do que 120, tiveram 25% mais mortalidade e doença cardiovascular do que os que reduziram para menos do que 140. A 7ª Diretriz Norte-Americana estabeleceu valores de pré-hipertensão entre 120-139 (pressão mais alta) e 80-89 (pressão mais baixa). De acordo com essa diretriz, 12 por 8 é o início da pré-hipertensão.
Em que situação uma dieta equilibrada, com pouco sal, e atividades físicas, são capazes de reduzir a pressão arterial, sem uso de remédios?
Uma dieta saudável do tipo Dash (sigla em inglês para Abordagens Dietéticas para Parar a Hipertensão) é baseada no consumo aumentado de frutas, legumes, vegetais de folhas verdes, laticínios (leite, iogurte) dietéticos, queijo magro, grãos integrais. Em paralelo, deve haver consumo moderado/reduzido de óleos e gorduras no preparo da comida (exceto óleo de oliva), carne vermelha, carnes embutidas (linguiça, salsicha...) e de doces. Essa dieta pode reduzir a pressão de indivíduos com hipertensão, pré-hipertensão e mesmo naqueles com pressão normal. Esse efeito de redução da pressão é ainda mais intenso se houver redução de sal ou consumo muito baixo. O desafio é adotar essa dieta sempre, todos os dias e em todas as refeições.
Pode-se reverter o quadro de pré-hipertensão sem remédios?
O quadro de pré-hipertensão pode ser revertido com a mudança de estilo de vida. Além de consumir uma dieta saudável tipo Dash, sem sal ou com muito pouco sal, manter peso normal, circunferência da cintura normal, parar de fumar, reduzir o consumo de bebidas alcoólicas e praticar atividade física regularmente – principalmente atividades moderadas, 150 minutos por semana, na maior parte dos dias. Essas mudanças de estilo de vida podem reverter a pré-hipertensão e a própria hipertensão.
Como são definidos os parâmetros de "pressão ideal"? Algumas pessoas costumam dizer que isso "depende de cada um" e até relatam que vivem muito bem com uma pressão estável em 14 por 9, alguns gostam de rebater novos estudos com a máxima "antigamente, ninguém media a pressão e vivia muito". Como os senhores rebatem essas afirmações populares?
A ideia de que cada indivíduo possui uma pressão ideal não é embasada cientificamente. Costumamos falar em pressão ideal para valores de pressão no qual não há riscos para a saúde. O fato de a pressão alta ser "silenciosa", ou seja, não há sintomas até que a pressão esteja muito elevada, faz com que as pessoas não sintam nada e achem que estão bem. A lembrança de pessoas que tinham pressão alta e morreram já bem idosas se contrapõe àquelas que não lembramos, mas que morreram muito jovens, "de repente", ou que tiveram um "derrame" e ficaram com deficiência para falar, caminhar ou mesmo perderam a possibilidade de se cuidarem sem ajuda. Nossa memória é seletiva. Antigamente, não se media a pressão, os alimentos não tinham prazo de validade, as pessoas fumavam muito, mas também eram magras caminhavam para se locomover e muitas outras coisas eram diferente. Muitas pessoas morreram devido a câncer de pulmão, nem tiveram oportunidade de viver por tempo suficiente para morrer por doença cardiovascular. Quando se avalia uma pessoa individualmente, sem quantificar adequadamente os riscos aos quais ela está exposta, e sem comparar com um grupo-controle, as conclusões geralmente são incorretas. Apenas fazendo comparações com grupo-controle é que podemos quantificar risco de adoecer, morrer e mesmo o benefício da prevenção.
Pré-hipertensos necessariamente serão hipertensos?
Sim. De cada cinco indivíduos pré-hipertensos entre 40 e 49 anos, quatro desenvolverão hipertensão em 10 anos. Essa afirmação está baseada em um estudo realizado em Porto Alegre, no qual indivíduos adultos foram avaliados no início e reavaliados seis anos depois (publicado no International Journal of Cardiology, em 2003). Resultados muito semelhantes foram documentados em estudos realizados no Japão, por exemplo. Um deles mostrou que, entre indivíduos com pré-hipertensão, 58% a 70% desenvolveram acidente vascular cerebral (AVC) em 20 anos.
A hipertensão é silenciosa, mas em que idade ela é mais detectada? Quando constatada, é possível reverter o quadro somente com mudança de hábitos? Crianças podem ser hipertensas?
A hipertensão não causa sintomas como sangramento nasal, cefaleia etc. Em dois estudos, mostramos que sangramento nasal e cefaleia são mais frequentes em pessoas com pressão normal. Algumas pessoas podem ter sintomas quando a pressão está muito alta, na chamada crise hipertensiva. A pressão elevada aumenta com a idade, quanto mais idoso, maior a probabilidade de ter pressão alta. Em adultos jovens, menos de 14% apresentam pressão elevada, aos 40 anos, cerca de 40%, e aos 55 anos, aproximadamente 66% têm hipertensão. Crianças também podem ter pressão elevada, mas não é frequente. Em qualquer fase da vida é possível reduzir a pressão com adoção de um estilo de vida saudável e, frequentemente, é possível reverter, mas quanto mais alta a pressão mais difícil é reverter a hipertensão.
Em que percentual a hipertensão é hereditária?
Pessoas com pré-hipertensão podem se manter ao longo da vida sem desenvolver hipertensão porque há outros fatores, como a história familiar, que também é importante. A genética pode aumentar o risco (entre os que têm história familiar positiva), bem como proteger (para os que não têm história familiar da doença). A contribuição da genética para desenvolver hipertensão não representa um número exato, pode variar porque depende de vários gens e de sua interação. De qualquer forma, a principal causa não é hereditária, é ambiental.
Considerando o estilo de vida moderno, o que seria uma pressão arterial "tranquilizadora"? Quantas vezes deveríamos medir a pressão? Há fatores que podem exigir mais aferições?
Pessoas adultas com pressão inferior a 12 por 8 podem se tranquilizar quanto à hipertensão, principalmente se mantiverem um estilo de vida saudável. De qualquer forma, medidas periódicas – uma vez ao ano – são indicadas para pessoas com pressão superior a 12 por 8. Mas se a pessoa tiver pressão inferior a 12 por 8 pode medir a cada dois anos. Quem apresenta apneia do sono, diabetes mellitus, ou que teve infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral deveria realizar medidas de pressão mais frequentemente.