Atendendo a pedido do governo de Sebastião Melo (MDB), o Ministério da Saúde remeteu à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, no dia 15 de janeiro, uma carga de 18 mil comprimidos de cloroquina para o chamado “tratamento precoce” da covid-19, mas somente 10 unidades foram retiradas até o momento e por um único paciente.
Após quase um mês do desembarque na Capital gaúcha, 17.990 comprimidos de 150 miligramas estão parados em 10 farmácias distritais e em oito unidades de saúde que atendem até as 22h. Três dias depois da aterrissagem em Porto Alegre, as doses passaram a ser disponibilizadas ao público final na rede de saúde. A distribuição ocorreu nos pontos de retirada entre 18 e 20 de janeiro.
A SMS ressalta que a carga foi remetida gratuitamente pelo Ministério da Saúde e informa que o único paciente a retirar o medicamento até agora assinou o termo de consentimento, cujo teor informa sobre a inexistência de comprovação de eficácia da cloroquina no tratamento da covid-19, além do risco de efeitos colaterais como arritmia cardíaca.
“Conforme avaliação e prescrição médica, no caso de uso indicado para tratamento precoce, o medicamento é entregue diretamente por um farmacêutico a partir da apresentação da receita médica e assinatura, pelo paciente e profissional de saúde, de termo de consentimento e ciência explicando que seu uso não está indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para esse tipo de tratamento e pode causar efeitos colaterais”, informou, em nota, o setor de assistência farmacêutica da SMS.
Inicialmente, ao decidir aderir ao chamado “tratamento precoce”, a prefeitura de Porto Alegre solicitou 25 mil doses de hidroxicloroquina ao Ministério da Saúde, que enviou quantidade inferior de um medicamento similar, a cloroquina.
“Cloroquina e hidroxicloroquina são dois medicamentos de formulações diferentes, mas que levam a mesma substância ativa, a cloroquina. Ambos são derivados de uma mesma classe de fármacos, mas diferentes na sua forma estrutural química. Sendo assim, o tratamento deverá ocorrer com um medicamento ou outro, e não com ambos”, comunicou a SMS.
Para Alexandre Zavascki, professor de Infectologia da UFRGS, a baixa saída do medicamento é algo a ser comemorado.
– É uma notícia muito positiva, indica que a população está mais ciente do que o seu governante. A população já conseguiu entender que a cloroquina não tem nenhum efeito na covid-19. Mesmo um governante seguindo uma pauta ideológica, tentando estimular o uso de uma medicação, a população ciente não aceita. Seria interessante a prefeitura se posicionar sobre o que vai fazer com esses comprimidos. Talvez eles venham a vencer, tem a questão da estocagem. Acredito que a tendência é de isso se manter, as pessoas estão mais cientes sobre as medidas que realmente funcionam para o combate da covid-19 – avalia Zavascki.
Em janeiro, quando tornou-se pública a requisição das doses ao governo federal, o prefeito Melo disse que a decisão por aderir ao medicamento seria estritamente entre “médico e paciente” e que o papel do município era somente disponibilizar.
– Não cabe ao prefeito opinar a favor ou contra. Hoje, milhares de pessoas no Brasil que têm condições de comprar quando o médico receita, vão à farmácia e compram. Agora, ao cidadão que não tem recurso e que depende do Sistema Único de Saúde, tem que ser dado a ele o direito. A rede tem de disponibilizar. Não sou contra nem a favor. A decisão foi de ter na rede para quem quiser utilizar na precocidade da doença – disse Melo em 14 de janeiro, um dia antes da chegada do carregamento em Porto Alegre.
Inicialmente, a previsão da SMS para o desembarque do fármaco na Capital era para o “final de janeiro”, o que acabou sendo antecipado. Nos bastidores da política municipal, os comentários são de que, sobretudo após a manifestação da Anvisa quanto à ineficácia de tratamentos precoces, médicos ficaram mais receosos em fazer prescrições off label, quando a indicação de uso de fármaco se dá de forma diferente da descrita na bula.