Pressionado a abastecer o país com vacinas contra a covid-19 e pela dependência da CoronaVac, que já foi chamada no passado pelo presidente Jair Bolsonaro de a "vacina de João Doria", o governo federal tenta avançar na compra de outros imunizantes.
A Sputnik V, da Rússia, é vista como uma das mais promissoras por interlocutores do presidente e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mas ainda esbarra na falta de dados para a aprovação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos bastidores, defensores dizem que a Sputnik poderia se tornar "a vacina de Bolsonaro".
No Brasil, ela será produzida pela farmacêutica União Química, que planeja trazer ao país 10 milhões de doses prontas até março. Além disso, programa produzir outras 150 milhões em 2021 — e espera fabricar o insumo farmacêutico ativo no país.
Bolsonaro reuniu-se na quarta-feira com o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e um dos temas tratados, segundo apurou a reportagem, foi a aprovação da Sputnik V. O Ministério da Saúde disse à União Química que está "disposto a formalizar as tratativas comerciais para eventual aquisição dos lotes do imunizante", caso a empresa receba aval para o estudo de fase 3 e peça o uso emergencial à Anvisa.
A discussão ocorreu no momento em que o governo de São Paulo e o Ministério da Saúde travavam novo duelo pela CoronaVac. A gestão Doria afirmava que, sem manifestação rápida da pasta, poderia até exportar as 56 milhões de doses da vacina que o Butantan deve produzir a partir de maio. O governo — que já comprou 46 milhões de unidades — entendia que podia responder sobre a compra dos lotes restantes até 30 de maio — mas, com a pressão, o contrato será assinado na terça.
O secretário executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, chegou a dizer na quinta-feira, à Rádio CBN, que não descartava abrir mão da segunda compra da CoronaVac, caso tivesse outras opções.
Outras vacinas
Além da Sputnik V, o ministério também trata como promissora a Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. Mas, até agora, só foram publicados dados da primeira fase de pesquisa do imunizante.
O governo ainda negocia a importação de mais 10 milhões de doses prontas da vacina de Oxford/AstraZeneca da Índia e conta com a produção de imunizantes pela Fiocruz e pelo Butantan.
O Instituto Gamaleya, de Moscou, que desenvolveu a Sputnik V, divulgou que sua taxa de eficácia é de 91,4%, mas ainda não publicou em artigo científico os detalhes do ensaio clínico. Ainda não está claro, por exemplo, quanto tempo a proteção da vacina pode durar.
A distribuição da Sputnik V, porém, ainda esbarra no aval da Anvisa, que aponta falta de dados básicos para poder liberar o uso emergencial do imunizante. Faltam também pesquisas de fase 3 do produto no Brasil.
Em conversas entre Planalto e Ministério da Saúde não é descartado um drible na agência sanitária, mas há resistência. Dispensar a análise da Anvisa bateria de frente com o discurso do presidente de que apenas vacinas seguras e eficazes, certificadas pelo órgão, serão distribuídas — foi o argumento usado, por exemplo, para atrasar a compra da CoronaVac e da vacina da Pfizer.
Ainda assim, uma ideia por enquanto remota é permitir que vacinas aprovadas na agência sanitária da Rússia pudessem receber autorização excepcional para importação e distribuição no Brasil. Esse aval chegou a ser colocado em minuta da Medida Provisória 1.026/2021, que liberou a compra de imunizantes sem registro da Anvisa, mas foi excluído do texto final.
Pela MP atual, só produtos registrados em Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Japão e China entram na regra. Outro caminho seria imitar a decisão da Argentina, que deu o aval para o uso emergencial, com uma recomendação pouco aprofundada de sua agência reguladora.
A Anvisa detalhou ao STF a falta de dados da Sputnik, em ofício de 22 de janeiro, onde ressaltou que sequer informações exigidas para realizar a pesquisa no país foram apresentadas. Faltam ainda dados de eficácia e segurança do produto, entre eles, os de "toxicidade reprodutiva", que mostram que a vacina não leva à infertilidade ou prejudica o desenvolvimento de um embrião, feto ou recém-nascido. O pedido foi devolvido pela agência à empresa.
A União Química não informou à reportagem quando enviará os dados cobrados, mas interlocutores da empresa afirmam que as exigências serão cumpridas e esperam receber o aval para os estudos em breve.