O colapso do sistema de saúde de Manaus (AM) em decorrência da pandemia, com a falta de oxigênio para abastecer hospitais, postos e clínicas, confrontou os brasileiros com cenas aterrorizantes de pacientes morrendo por asfixia.
Em imagens compartilhadas nas redes sociais e compiladas nos noticiários, médicos e enfermeiros aparecem chorando, tentando reanimar doentes no chão e correndo com macas, demonstrando a urgência de quem sofre com a progressiva falta de ar para respirar.
O que significa morrer sufocado? Roselaine Pinheiro de Oliveira, chefe do Serviço de Medicina Intensiva Adulto do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, detalha um dos mais assustadores sofrimentos que podem ser impostos a um ser humano.
Todas as células do corpo precisam de oxigênio, explica a médica intensivista. Entre todos os problemas que a covid-19 pode causar ao paciente, o comprometimento dos pulmões é o mais grave, podendo afetar as trocas gasosas (absorção de oxigênio e eliminação de dióxido de carbono). Como consequência, ocorre a hipoxemia, que é a diminuição de oxigênio no sangue. Aí se instala, então, o que é sentido como falta de ar.
Um paciente lúcido, acordado, pode receber suplementação de oxigênio por meio de cateteres introduzidos no nariz ou máscara acoplada no rosto. Se houver diminuição no fornecimento de ar — profissionais do Amazonas foram forçados a "poupar" o que restava, na tentativa de manter as pessoas vivas até a chegada das reposições —, o paciente começa a sentir dificuldade para respirar, podendo piorar até atingir um quadro classificado na medicina como "diminuição do sensório", com torpor e sonolência. O indivíduo pode piorar até o ponto de necessitar ser conectado a um ventilador mecânico (entubado), o que representa mais um obstáculo para quem está na linha de frente em Manaus.
— O paciente precisa ser entubado. Mas, se não tem oxigênio, fazer o quê? — constata Roselaine.
No caso de pacientes em estado mais grave, que já se encontram dependentes dos ventiladores porque não conseguem respirar por conta própria, não há percepção de falta de ar porque eles estão sob o efeito de sedativos. De qualquer maneira, o organismo entra em sofrimento caso a quantidade de oxigênio fornecida vá diminuindo até ser interrompida.
— Todos os tecidos começam a ter isquemia relativa: chega sangue, mas sem oxigênio. É como se o motoboy do restaurante chegasse ao cliente sem a comida. O sangue está circulando, mas sem levar oxigênio — compara a intensivista.
O que acontece na sequência depende das áreas do organismo que estão mais comprometidas. Podem ocorrer alterações no cérebro, no coração e na função renal, por exemplo. Quando o fornecimento de oxigênio termina, não há o que fazer.
— O paciente vai ficando progressivamente hipoxêmico, ou seja, sem oxigênio no sangue. Ele vai piorando até ter uma complicação mais grave, como uma parada cardíaca.
Quando o coração para, o doente precisa ser imediatamente reanimado.
— Em quatro minutos, se o cérebro não recebe sangue pelo coração que está parado, a chance de ocorrerem sequelas irreversíveis é muito grande — alerta Roselaine.